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Seleção assistida por marcadores moleculares

A seleção assistida por marcadores moleculares (SAMM) é uma forma de seleção indireta de características de interesse com base em marcadores moleculares. No melhoramento genético, o principal objetivo da seleção é propiciar ganhos genéticos. O ganho genético da seleção de uma característica (GSY) depende diretamente da intensi- dade de seleção (kY), do controle parental (p), da acurácia da avaliação

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fenotípica (hY) e da variabilidade genética disponível da característica na população submetida à seleção (σgY) (CRUZ; REGAZZI, 1997), conforme a fórmula abaixo.

GSY = kY . p . hY . σgY

Quando pensamos na seleção indireta de uma característica Y com base em uma característica X [GSY(X)], o GS pode ser quantificado con- forme a fórmula abaixo.

GSY(X) = kX . p . hX . rgXY . σgY

A relação entre o ganho genético baseado na seleção indireta e o ganho genético baseado na seleção direta é apresentada abaixo.

GS Y(X) GSY p sgY sgY KX KY . p . . . hX hY . . rgXY .

Ao analisarmos essa relação, podemos verificar que, em algumas situações, a seleção indireta pode propiciar ganhos genéticos maio- res que a seleção direta. Isso vai acontecer quando a acurácia fenotí- pica da característica auxiliar (hx) for alta, a da característica principal (hx) for baixa e a correlação genética entre as características auxiliar e principal (rgXY) for alta. Uma das vantagens da utilização de marca- dores moleculares como característica auxiliar na seleção indireta é que a acurácia é máxima, ou seja, é igual a 1. Como mencionado no item anterior, a correlação genética entre o marcador molecular e a característica principal é definida pelo mapeamento genético. Com base em trabalhos de mapeamento genético, já foram identificados vários marcadores moleculares associados a locos para característi- cas de herança genética qualitativa quanto a locos para característi- cas quantitativas (QTLs).

A utilização dos marcadores moleculares na seleção de caracterís- ticas qualitativas é uma realidade, embora existam, ainda, algumas restrições por parte dos melhoristas. O principal argumento é que características qualitativas não necessitam de marcadores para seleção indireta, uma vez que, de um modo geral, as plantas com tais carac-

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terísticas podem ser facilmente identificadas e selecionadas. Apesar da veracidade do argumento, em algumas situações, o uso de marca- dores moleculares pode trazer algumas vantagens como na seleção em estágios iniciais de desenvolvimento, na seleção de genes de resis- tência sem a necessidade de inoculação das plantas com o patógeno ou praga, na seleção de características qualitativas de difícil avaliação fenotípica e também na seleção simultânea de diferentes genes de interesse (FALEIRO et al., 2003g).

A seleção em estágios iniciais de desenvolvimento possui grande aplicabilidade em espécies perenes, com período juvenil longo, e em casos onde a expressão da característica só ocorre na fase final do ciclo da espécie, a exemplo de características de interesse para agroindús- tria em grãos de soja (MOREIRA et al., 2001). Outra importante vanta- gem da seleção em estágios iniciais com base em marcadores molecu- lares é para as situações em que a avaliação fenotípica da característica de interesse necessita da destruição da planta, como, por exemplo, a avaliação da resistência a nematoides (ALZATE-MARIN et al., 2006). A seleção de genes de resistência sem a necessidade de inocula- ção das plantas é importante no desenvolvimento de materiais resis- tentes a um patógeno ou praga exótica, ainda não detectado em uma região, onde sua entrada é proibida pelo serviço de quarentena e con- trole fitossanitário. Um exemplo seria o desenvolvimento de varieda- des de cacaueiro resistentes à Moniliophthora roreri no Brasil, o que tem sido viabilizado mediante um projeto internacional envolvendo instituições de pesquisa do Equador, Peru e Brasil e o uso de marca- dores moleculares (www.cepec.gov.br/ biotecnologia.htm).

A seleção de características qualitativas de difícil avaliação fenotí- pica seria outra vantagem da SAMM. Essa dificuldade de avaliação fenotípica pode ser relacionada à complexidade e (ou) aos elevados custos envolvidos da fenotipagem. A avaliação da resistência de plan- tas a insetos, por exemplo, na maioria das vezes, exige procedimentos demorados e laboriosos envolvendo a multiplicação do inseto, mon- tagem de diferentes bioensaios e diferentes avaliações. Um exemplo, citado por Milach (2001), é a seleção de plantas com resistência a inse- tos, conferida pelo transgene Bt. Nesse caso, a seleção pode ser feita com a utilização de primers específicos que possibilitam a amplifica-

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ção direta do gene. Guimarães et al. (2009) citam outros exemplos de avaliações fenotípicas complexas ou caras como de características rela- cionadas à qualidade nutricional, composição aminoacídica, caracte- rísticas organolépticas, entre outras.

No caso da seleção simultânea de diferentes genes de resistência, o exemplo prático da SAMM é a piramidização de genes que conferem resistência a doenças. Nesse caso, podemos pensar na piramidiza-

ção de genes ou blocos gênicos que conferem resistência a diferentes

raças de um patógeno (MILACH; CRUZ, 1997; FALEIRO et al., 2000a) ou que conferem resistência a diferentes patógenos (FALEIRO et al., 2000b; 2003e; 2004f). Uma das dificuldades da piramidização de genes é a seleção das plantas que apresentam todos os genes R a serem pira-

midizados. Quando pensamos na resistência a diferentes raças de um

patógeno, o fenótipo da resistência é o mesmo quando um, dois ou mais genes de resistência estão presentes e, quando pensamos na resistência a diferentes patógenos, a dificuldade são as interações exis- tentes entre diferentes patógenos inoculados simultaneamente. As dificuldades são ainda maiores quando pensamos na piramidização de genes de efeito menor junto com genes de efeito maior, visto que estes mascaram a presença daqueles (FALEIRO et al., 2001b). Essas dificuldades são eliminadas com a utilização da SAMM. Logicamente, para a utilização da SAMM, é necessário que marcadores moleculares associados aos genes de resistência sejam identificados. A utilização de marcadores moleculares flanqueando o gene ou o bloco gênico é fortemente ligado a ele aumenta muito a confiabilidade e a eficiência da seleção indireta (FALEIRO et al., 2000a).

Outra vantagem da SAMM relatada por Guimarães et al. (2009) é a possibilidade de maximizar os ganhos genéticos com a seleção em ambos os sexos. Essa possibilidade é importante no melhoramento genético animal, quando as características de interesse são expres- sas somente em um sexo, como, por exemplo, a produção de leite em bovinos.

Quando pensamos em características quantitativas, ou seja, caracte- rísticas controladas por vários genes e fortemente influenciadas pelo ambiente, a SAMM dos QTLs é mais complexa. Existem, na literatura científica, numerosos trabalhos de detecção e mapeamento de QTLs

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utilizando marcadores moleculares, entretanto poucos são os exem- plos de variedades comerciais obtidas com o auxílio de marcadores moleculares na seleção desses QTLs. Segundo Guimarães e Moreira (1999), a baixa variabilidade genética dos genitores utilizados nos pro- gramas de melhoramento e a falta de interação entre as equipes envol- vidas no mapeamento genético e no melhoramento genético são fato- res que contribuem para esse fato.

Antes de pensar na SAMM, deve-se questionar a repetibilidade da informação de ligação entre o marcador e o QTL, a interação entre o QTL e o ambiente e a seleção simultânea de várias características mui- tas vezes correlacionadas. Outro questionamento é a validação desses QTLs para outras populações e outros ambientes. Temos que consi- derar também a dificuldade de selecionar concomitantemente vários QTLs, cada um explicando uma parte da variação fenotípica da carac- terística de interesse (BEARZOTI, 2000). Essa última dificuldade foi analisada por Lande e Thompson (1990), os quais propuseram o uso de um índice de seleção que combina o valor fenotípico com a infor- mação molecular, a qual é o somatório dos efeitos de cada marca- dor-QTL na característica ponderados por um fator que depende da herdabilidade da característica e da proporção da variância genética aditiva explicada pelos marcadores-QTLs (Figura 22).

(k jXji) j =1 i= i b Va lor fenótipo Efeito do marcador genético j Marcador genético j Herdabilidade

da característica Proporção da variância genética aditiva explicada pelos marcadores (R da regressão)2c

1 h2 1

1 1 p

Figura 22. Índice proposto por Lande e Thompson (1990) para seleção de características de interesse, combinando informações fenotípicas e molecu- lares derivadas do mapeamento de QTLs.

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Apesar de todas as dificuldades, existem experiências de sucesso na transferência de QTLs de efeito maior para genótipos elite (EATHINGTON et al., 1997). Outro exemplo de sucesso da SAMM de características quantitativas é a identificação e posterior transferên- cia de alelos (QTLs) de interesse agronômico de acessos não adaptados ou silvestres para genótipos elite. São exemplos, QTLs para aumento do tamanho do fruto em tomate (TANKSLEY et al., 1996) e para aumento da produtividade em arroz (XIAO et al., 1996; BRONDANI et al., 2002). Esse uso de espécies silvestres no melhoramento gené- tico vegetal e da SAMM de características quantitativas normalmente é feito utilizando-se o método dos retrocruzamentos, o qual permite a recuperação do genoma recorrente, mantendo-se os genes de inte- resse provenientes da espécie silvestre (FERREIRA; RANGEL, 2005).

A integração do método dos retrocruzamentos com a SAMM de características quantitativas tem sido referenciada na literatura como um novo método de melhoramento, chamado retrocruzamento avan- çado de QTLs (AB-QTLs) (FERREIRA; RANGEL, 2005; FERREIRA; FALEIRO, 2008). Nesse método, um mapa genético para caracterís- ticas quantitativas de interesse é gerado e a recuperação do genoma recorrente é realizada com base na seleção de marcadores molecula- res associados ao controle genético da característica quantitativa de interesse. Esses marcadores podem ser provenientes tanto da espécie silvestre quanto do acesso elite. O método do AB-QTLs tem sido apli- cado com sucesso em diferentes espécies, permitindo não somente a compreensão da base genética de características quantitativas de inte- resse econômico, como também o desenvolvimento de linhagens para programas de melhoramento genético (FERREIRA; RANGEL, 2005).

A seleção indireta de características quantitativas utilizando mar- cadores moleculares poderia ser facilitada se fosse possível identifi- car todos os genes/alelos que controlam a característica, conhecer a localização de cada gene e mensurar o efeito individual no fenótipo (FERREIRA; GRATTAPAGLIA, 1998). Contudo, ao desenvolver um estudo de mapeamento de QTLs, apenas uma fração dos genes envol- vidos no controle da característica quantitativa é detectada. Os QTLs mapeados, em geral, são de grande efeito, relativamente àqueles que também contribuem para o fenótipo. Embora seja importante detectar e utilizar os QTLs de maior efeito para fins de seleção, é inevitável a

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constatação de que o limite máximo de incremento de uma caracterís- tica quantitativa não poderá ser atingido sem o mapeamento de todos os locos envolvidos ( FERREIRA; FALEIRO, 2008). Outro ponto a ser considerado é que, dependendo do número de genes envolvidos, um grande número de indivíduos e um grande número de análises mole- culares em cada indivíduo pode tornar a SAMM inviável do ponto de vista prático, considerando o custo das análises e, principalmente, o tempo necessário para a realização delas, considerando o curto tempo entre os ciclos de seleção em programas de melhoramento genético. Considerando as limitações, dificuldades envolvidas e raros casos de sucesso, a SAMM de características quantitativas baseada no modelo atual de mapeamento e utilização de QTLs está passando por um momento de reflexão. Para que esse método de seleção seja útil, os QTLs mapeados devem explicar grande parte da variação genética da característica quantitativa, a qual é controlada por vários genes de pequenos efeitos. Esse fato não tem sido observado na prática, exata- mente em função da natureza poligênica e da alta influência ambien- tal nos caracteres quantitativos (RESENDE et al., 2008). Em função desses aspectos e outras limitações mencionadas anteriormente, a implementação prática da SAMM de características quantitativas tem sido limitada e os ganhos em eficiência muito reduzidos (DEKKERS, 2004; RESENDE et al., 2008).