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Tendo, num primeiro momento, buscado identificar, conceituar e caracterizar o fenômeno do assédio moral no trabalho, cabe agora tratar dos seus desdobramentos jurídicos, já que este constitui violação dos deveres contratuais, sobretudo os princípios da boa-fé, respeito, não-discriminação, trazendo graves conseqüências para o empregado, visto que fere sua personalidade e dignidade.

Não obstante a falta de legislação específica sobre o tema, Couce de Menezes afirma que o assédio moral pode dar ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho, seja por descumprimento dos deveres legais e contratuais, seja por rigor excessivo ou exigência de serviços superiores às forças do trabalhador, (art. 483, a, b e d, da CLT), tema que será aprofundado no capítulo seguinte. Pode, ainda, autorizar a justa causa do assediante (art. 482, b, da CLT), seja ele empregado.

No entanto, segundo sua avaliação, com base nos direitos constitucionalmente previstos, de respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem e ao patrimônio moral do obreiro (arts. 5º, V e X, da CF), um dos mais importante efeitos jurídicos

“[...] é a possibilidade de gerar a reparação dos danos patrimoniais e morais pelos gravames de ordem econômica (perda do emprego, despesas com médicos, psicólogos...) e na esfera da honra, da boa fama, do auto-respeito e da saúde psíquica e física, da auto-estima” (COUCE DE MENEZES, 2002, p. 194).

Em relação, ainda, aos efeitos jurídicos desta forma de violência moral no ambiente de trabalho, o autor conclui seu trabalho afirmando que

“o assédio moral, ou seja, a exposição prolongada e repetitiva do trabalhador a situações humilhantes e vexatórias no trabalho, atenta contra a sua dignidade e integridade psíquica ou física. De modo que é indenizável, no plano patrimonial e moral, além de permitir a resolução do contrato (“rescisão indireta”), o afastamento por doença de trabalho e, por fim, quando relacionado à demissão ou dispensa do obreiro, a sua reintegração no emprego por nulidade absoluta do ato jurídico” (COUCE DE MENEZES, 2002, p. 195).

A professora Alkimin (2005) concorda com o entendimento do juiz Couce de Menezes em relação aos efeitos jurídicos do assédio moral e afirma que, além de poder lançar mão da rescisão indireta e de invocar a estabilidade no emprego no caso de demissão arbitrária, também deve ser abordada a questão dos danos pessoais causados ao empregado em decorrência da conduta assediante, sejam eles morais ou materiais, e o direito à reparação, além da responsabilidade do empregador pela violação contratual e pelo abuso de poder.

Neste diapasão, cabe citar as ementas que seguem:

RECURSO DE REVISTA. 1. ASSÉDIO MORAL INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. 1. A produtividade do

empregado está vinculada ao ambiente de trabalho saudável e à sua satisfação. 2. A construção de um ambiente de trabalho propício ao crescimento pessoal e

profissional depende do modo de atuação do empregador na condução e direção da atividade econômica. 3. Adoção de prendas e castigos como justificativa para aumento da produtividade implica violação do dever de respeito à dignidade da pessoa humana. 4. Tal procedimento configura assédio moral e autoriza a reparação pelo dano sofrido. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR - 98500-13.2006.5.03.0025, 3ª Turma, Rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan, DEJT 22.05.2009)

ASSÉDIO MORAL OU GESTÃO INJURIOSA. ENTIDADE FILANTRÓPICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Seja como assédio moral ou gestão injuriosa, o

tratamento despótico é incompatível com a dignidade da pessoa, com a valorização do trabalho humano e a função social da atividade geradora de bens e serviços, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV, art.5º, XIII, art. 170, caput e III). Nem sempre os objetivos econômicos estão na raiz da opressão no ambiente de trabalho, originando-se o tratamento tirânico, por vezes, em disputas por prestígio ou simplesmente pelo exercício abusivo do poder, tanto assim que vêm crescendo os casos de assédio moral no âmbito do serviço público e no chamado terceiro setor (entidades filantrópicas, ONGs etc). A pesquisadora francesa Marie-France Hirigoyen, alerta que "A freqüência do assédio moral nas associações, sobretudo as filantrópicas, mostra bem que o fenômeno não está ligado somente a critérios econômicos, rentabilidade ou concorrência no mercado, mas muito mais a uma vontade de exercer o poder. Estes lugares em que os técnicos da comunicação e da

filantropia deveriam trabalhar em harmonia estão imersos em coisas não faladas, em sentimentos velados, mas também às vezes em cinismo". Provadas as agressões verbais por superior, resta caracterizado atentado à dignidade e integridade moral do empregado, de que resulta a obrigação de indenizar (art. 5º, V e X, CF; 186 e 927 do NCC). (TRT - 2ª Região, RO - 01965-2003-004-02-00, 4ª Turma, Rel. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DOESP 1.9.2006)

Quanto aos aspectos penais, Hirigoyen (2005) afirma que, tendo em vista que o assédio moral ameaça a própria dignidade ou a integridade psíquica e até mesmo física do trabalhador, deveria haver lei que o reprimisse. Não havendo, fica muito difícil acusar penalmente aquele que o utiliza. Na França, segundo a autora, a legislação trabalhista não prevê qualquer proteção às vítimas do assédio, bem como punição para os agressores. Por outro lado, alguns países como a Suécia, a Alemanha, os Estados Unidos, a Itália, a Austrália e a Suíça, já reconhecem o assédio moral na empresa como um delito.

No Brasil, embora alguns municípios já tenham aprovado leis para coibir este tipo de agressão moral no âmbito da administração pública, não há ainda lei federal reconhecendo-o como delito e fixando a respectiva sanção.

No entanto, afirma Dallegrave Neto que alguns dos atos que, praticados rotineira e sistematicamente, caracterizam o assédio moral, constituem crimes previstos no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/40):

“Em relação ao assédio moral (mobbing), a despeito de ainda não haver tipificação penal específica, é possível, conforme o caso e a gravidade da situação, o assediante

incorrer nas seguintes figuras delituosas previstas no Código Penal: crimes contra a honra (arts. 138 a 140); crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 149); crimes contra a proteção à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação (arts. 151 a 154); perigo de vida e da saúde (arts. 130 a 136); induzimento ao suicídio (art. 122); lesão corporal e homicídio (arts. 129 e 121). Em tais situações o estatuto penal deve ser invocado a fim de acumular a ação penal com a ação civil indenizatória” (DALLEGRAVE NETO, 2005, p. 240).

Do que se vê resulta que, embora o Código Penal não faça menção ao assédio moral, diferente do que ocorre com o assédio sexual (art. 216-A, CP, incluído pela Lei nº 10.224/2001), o assediante - seja ele o empregador, preposto ou representante - pode ser punido pela prática das condutas acima mencionadas que, em conjunto e sistematizadas, configuram a agressão moral no trabalho.

Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Federal nº 4.742/2001, de iniciativa do deputado federal Marcos de Jesus (PL-PE), que, com seu substitutivo, visa tornar o assédio moral no trabalho crime punível com até 02 (dois) anos de detenção, a partir da inserção do art. 146-A, no Código Penal Brasileiro:

Art. 146-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.

Por fim, deve ser ainda mencionado o Projeto de Lei Federal nº 5.971/2001 (apensado ao Projeto de Lei Federal nº 4.742/2001), coordenado pelo deputado federal Inácio Arruda (PCdoB-CE), que acrescenta o art. 203-A ao Código Penal, dispondo sobre o crime de coação moral no trabalho, com a seguinte redação:

Art. 203-A. Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica.

Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Ocorre, no entanto, que as referidas propostas ainda aguardam inclusão na pauta de votações, o que pode levar anos à vista do seu regime de tramitação ordinário.

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