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2 BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE PERÍMETROS IRRIGADOS: DE SUA

2.2 Principais aspectos da mudança no viés político dos perímetros irrigados

As sucessivas inversões de valores por parte do Estado capitalista no que diz

respeito aos perímetros irrigados terão como consequência a transição de uma política assistencialista e paternalista, para uma neoliberal com vistas ao agronegócio. Dentre as justificativas para tanto, está o endividamento do governo brasileiro, resquícios da política desenvolvimentista, que demandou por captação de vultosos empréstimos e contração de dívidas públicas com o capital internacional. Ao tratar desta reorientação política, social e econômica dos projetos públicos de irrigação, Freitas (2010, p. 34) explica que:

A nova lógica dessa agricultura apresenta como matriz o amplo apoio e incentivo a empresas privadas, restringindo a figura do colono residente na área de produção. Trata-se de um projeto-piloto de agronegócio no âmbito do semiárido, em detrimento da vida dos agricultores familiares camponeses e de trabalhadores da cidade e do entorno dos perímetros irrigados.

Com isso, se têm apresentados como irrigantes dos perímetros irrigados, criados a partir da década de 1980 em diante, quatro categorias distintas: pequenos produtores; a de empresas; técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos. Essas ocupariam e produziriam nas terras anteriormente ocupadas por famílias camponesas e que, após sua apropriação pelo DNOCS, foram transformadas em território propício à implantação de uma nova lógica produtiva que tivesse a acumulação capitalista como foco de atuação, em detrimento de desenvolvimento de uma agricultura voltada à segurança e soberania alimentares.

Tem-se com isso, a reorientação política dos projetos que passariam a atender as demandas do mercado, com vistas ao expansionismo do agronegócio na Região. Ao discutir essa importante característica da política de perímetros irrigados , bem como suas implicações no campesinato, Freitas (2010, p. 52) explica que:

Na modernização da agricultura no Nordeste, duas fases são bem definidas, com feições diferenciadas em sua estrutura e objetivos: 1 os perímetros da década de1970 que mantiveram relações “assistencialistas” e inseriram, em primeiro momento, parte dos agricultores familiares camponeses; 2 os perímetros a partir da década de1990, quando ocorreu a intensificação da expropriação dos camponeses (processo iniciado na fase anterior), privilegiando assim, a ‘empresarização’ dos perímetros públicos.

A reorientação política se mostra na década de 1990, quando se tem formalizada a adesão ao neoliberalismo econômico, por parte do Estado brasileiro. Com isso, os aspectos neoliberais adentrarão e se propagarão nas relações estabelecidas no campo brasileiro, que é direcionado ao expansionismo do agronegócio e com isso, os perímetros irrigados são tragados por esta onda revolucionária do “salve-se quem puder!”.

Um exemplo dessa minimização do Estado na gerência dos perímetros irrigados pode ser observado a partir do contrato de cessão de área do Perímetro irrigado Ayres de Souza, por parte do DNOCS, para o Governo do Estado do Ceará (visualizado na Figura 4). Datado de 5 de dezembro de 1991, celebrado entre o DNOCS representado pelo seu Diretor Geral, o Sr. Luiz Gonzaga Nogueira Marques, e o então governador do Ceará, o Sr. Ciro Ferreira Gomes. Nesse, o DNOCS cede a título de gratuidade ao Governo estadual o uso de área correspondente a 6.532 hectares de terras no referido projeto.

Figura 4- Recorte da capa de documento de cessão de área do Perímetro irrigado Ayres de Souza ao Governo do Estado de Ceará.

Fonte: AUDIPAS (2017).

De acordo com o funcionário do DNOCS, o Entrevistado D (2013)7, esse distanciamento do Estado e entrega dos Perímetros irrigados já estaria nos planos do referido Órgão. Em suas palavras: “o DNOCS já tentou entregar (os perímetros irrigados)

aos irrigantes, mas eles não conseguiram ‘caminhar sozinhos’, precisou o DNOCS ficar sempre intervindo...”.

Essa cessão dos perímetros irrigados, seja para o poder público, como é o caso do Ayres de Souza, seja para a iniciativa privada, como preconiza o funcionário do DNOCS Entrevistado D (2013), ao revelar o desejo que se tinha, por parte do DNOCS, de entregar o perímetro aos irrigantes convertidos em empresários bem sucedidos, todas essas características, constituem-se em ações prévias para a total saída do referido órgão dos projetos e entrega do aos irrigantes que, uma vez aptos a jogar nesse mercado cada vez mais competitivo, o qual vinha se estabelecendo na atividade desenvolvida nos perímetros, disporiam de capital para investimento e assim, imprimiria caráter mais competitivo e dinâmico à atividade.

Dessa forma, transformaram os projetos em verdadeiros “campos de batalha”, nos quais ocorreriam processos considerados pelos técnicos do DNOCS como sendo de “seleção natural”, expressão utilizada pelo funcionário do DNOCS Entrevistado D (2013)8 para

7 ENTREVISTADO D. Nota de Entrevista. DNOCS/Varjota-CE. 16 de outubro de 2013. 8 ENTREVISTADO D. Nota de Entrevista. DNOCS/Varjota-CE. 16 de outubro de 2013.

designar a situação na qual sobreviveriam nesses somente aqueles que melhor se adaptassem às novas mudanças impostas, demonstrando obtenção de êxito na sua produtividade, assim como na comercialização de seus produtos.

Nesse momento histórico desta política, se tem o seu direcionamento ao atendimento do agronegócio, por meio da implementação da agricultura empresarial nos perímetros que se abrem para receber investidores e não mais camponeses com tradição e vocação para a agricultura. Aliás, os colonos irrigantes com esse perfil passam a figurar como sendo um problema dentro dos projetos à medida que não conseguem se (re) adequar ao sistema produtivo que agora visa a produção em larga escala com vistas ao atendimento do mercado em detrimento da produção diversificada voltada ao atendimento das necessidades internas.

Com base nisso, são incorporados ao discurso estatal proferido pelos representantes do DNOCS dentro dos perímetros irrigados, a máxima da competência e da competitividade, as quais constrangem e pressionam esses colonos irrigantes a produzirem cada vez mais e melhor, direcionando seus produtos aos longínquos mercados consumidores.

Assim, deixam de atender ao mercado local que, para ter acesso a esses frutos, precisa se contentar com os rejeitos da produção, ou seja, com o consumo daqueles produtos que atenderam aos critérios seletivos dos adquirentes da produção, e por isso, permanecem no local de produção, ou ainda, esperar que esta mesma produção adquirida pelos atravessadores e comercializada em mercados distantes, retorne ao mercado local com valor acrescido e na forma de mercadoria.

As consequências da mudança do viés político dos perímetros irrigados se mostram de formas distintas e com diferentes intensidades em cada projeto que, por sua vez, vivenciaram e se adaptaram a essas de maneira particular. A fim de melhor entender como se deu o processo de adaptação a esse conjunto de mudanças, se optou por estudar os perímetros cearenses Ayres de Souza e Araras Norte, os quais serão melhor apresentados nos capítulos seguintes.

Apesar de geograficamente próximos e das semelhanças que deveriam assemelhar esses perímetros irrigados, apresentados no mapa da Figura 4, ambos apresentam dinâmicas distintas, cujo principal fator de diferenciação seria a forma como cada projeto se organizou; percebeu e vivenciou a transição política. Tais fatores permitiram a coexistência dos projetos que, embora criados sob os mesmos preceitos que caracterizavam a primeira fase desta

política, se mostram na atualidade como sendo antagônicos em alguns aspectos, demonstrando pouquíssimas semelhanças entre si.

As distinções derivam principalmente da forma como seus ocupantes, no caso, irrigantes ou colonos, percebem a terra e se relacionam com a mesma. Disso advêm inúmeras outras diferenciações as quais se materializam no território desses projetos, sendo percebidas na forma de ser; viver e de se expressar das pessoas envolvidas com os mesmos. Adiante, se fará a apresentação dos dois perímetros irrigados, elencando seus sujeitos e atores, abordando suas dinâmicas e o conjunto de relações protagonizadas pelos envolvidos direta ou indiretamente com esses perímetros.