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CAPÍTULO VI – MICROFINANÇAS: UMA VISÃO GERAL E AS EXPERIÊNCIAS NA AMÉRICA

6.2. M ICROFINANÇAS NA A MÉRICA L ATINA

6.2.1. Principais características das microfinanças na região

Apesar de não ter sido a pioneira, a América Latina e o Caribe (LAC) tem sido uma das regiões onde as microfinanças mais se propagaram nas últimas décadas. O crescimento anual das IMFs na região ficou entre 30 e 40% entre 2000 e 2005 (BERGER, 2006). O estudo da Economist Intelligence Unit (EIU, 2008) mostra que, em 2007, havia 565 instituições em 23 países da região, com uma carteira de 9,25 bilhões de dólares, atendendo cerca de 8,04 milhões de clientes.

A forte atuação de organizações não-governamentais (ONGs) internacionais e locais, o apoio das agências bilaterais e multilaterais, bem como a entrada no mercado de bancos comerciais, especialmente no Brasil, Chile, México, Peru e Venezuela, favoreceram essa rápida expansão das microfinanças na LAC, o que permitiu a inclusão de milhões de pessoas no sistema financeiro, representando um mercado de bilhões de dólares.

Nesse sentido, Marulanda & Otero (2005) classificam os tipos de IMFs que atuam na LAC em três categorias. A primeira e maior delas é a das ONGs especializadas em atividades financeiras, mas que também podem oferecer serviços de desenvolvimento de negócios, treinamento ou consultoria, representando mais de 50% das IMFs de seu estudo. O segundo grupo corresponde a instituições que eram originalmente ONGs, mas cujo crescimento e transformações permitiram uma promoção para instituições de microfinanças propriamente ditas, passando a ser reguladas por autoridades bancárias de seus países e representando 39% das instituições do referido estudo. Por fim, no terceiro grupo, destacam-se os bancos comerciais, que apenas recentemente vêm incorporando o segmento de baixa renda em sua clientela, seja criando uma divisão de microfinanças na instituição, seja criando subsidiárias para atuar junto a essa clientela. Em alguns casos, como os do BanGente (Venezuela), Banco

Solidario e o da Financiera Ecuatorial (Equador) do IPC (Internationale Projekt Consult), os bancos foram criados com o suporte de investidores locais e internacionais.

Em outros, como no Brasil, no Chile e na Colômbia, têm-se a forte participação de grandes bancos públicos, com destaque para o fato de que nos dois primeiros casos esses bancos são os maiores ofertantes de microcréditos em seus países.

Em 2004, as oitenta maiores instituições de microfinanças da região atendiam mais de quatro bilhões de pessoas e tinham uma carteira de investimento de US$ 4 bilhões (BERGER, 2006). Em 2005, o número de tomadores era de quase seis bilhões e a carteira de quase cinco bilhões e meio (tabela 11).

Tabela 11 – Microfinanças na América Latina e Caribe (dados de 2005, aproximadamente)

País Número de Instituições de Microfinanças Portfólio (US$ milhões) Clientes Empréstimo Médio (US$) 1 México 39 471 1.217.920 387 2 Peru 67 1.516 1.174.361 1.291 3 Colômbia 22 315 608.232 518 4 Bolívia 21 635 548.242 1.158 5 Nicarágua 21 261 399.614 652 6 Guatemala 24 273 363.286 753 7 Equador 20 322 327.065 985 8 Chile 5 663 297.995 2.223 9 Brasil 16 91 289.697 313 10 República Dominicana 13 158 145.332 1.087 11 El Salvador 11 138 143.461 964 12 Honduras 14 80 143.118 560 13 Haiti 9 24 81.222 374 14 Paraguai 5 71 59.936 1.193 15 Costa Rica 19 341 45.607 7.469 16 Venezuela 5 37 44969 816 17 Panamá 6 16 28.103 552 18 Uruguai 3 10 7.155 1.422 19 Argentina 10 4 10.649 402 20 Jamaica 3 4 10.401 376 21 Guiana 1 2 4.184 413 22 Trinidad e Tobago 1 3 1.733 1.500 23 Barbados 1 4 384 9.446 Total 336 5.437 5.952.716 913

Fonte: Navajas & Tejerina (2006: 5)

México, Peru, Colômbia e Bolívia destacam-se por serem os países com maior número de pessoas atendidas, mas quando o critério é o portfólio de suas instituições, os dados revelam que o Chile é também um caso importante. Quando se observa o número de instituições de microfinanças, a Guatemala, o Equador, a Costa Rica e o Brasil também ganham relevância. Por fim, os dados de Navajas & Tejerina (2006) resumidos na tabela anterior ainda mostram os países que se destacam quanto ao elevado empréstimo médio: Barbados, Costa Rica, Chile e Trinidad e Tobago. Com valor superior a US$ 2 mil, suscitam dúvidas sobre estarem atendendo os mais pobres, como se debaterá no capítulo IX.

Algumas características são distintivas das microfinanças na América Latina. As primeiras experiências foram privadas, promovidas por instituições sem fins

lucrativos e voltadas para os mercados urbanos. O crédito foi o primeiro serviço ofertado e só mais recentemente é que foram incluídos outros produtos como poupança, financiamento habitacional ou remessa de valores. Outra característica marcante das IMFs na região, apontada por Berger (2006), é que elas não focam exclusivamente nos mais pobres, como a maioria das IMFs na Ásia ou África. Aqui a ênfase é a provisão de serviços a empreendimentos com acesso insuficiente a serviços financeiros e aos desbancarizados em geral.

Na seção anterior, a tabela 10 mostrou que as IMFs na região são maiores que na África, Leste Europeu ou Oriente Médio, mas ainda não conseguiram alcançar a escala massiva das conhecidas instituições asiáticas. Uma das explicações para o fato pode estar na diferença do tamanho da população e do número de microeempreendimentos entre a Ásia e a América Latina considerando que a população da LAC é apenas 14% da população asiática e apenas 6% dos microempresários são tomadores de empréstimos, ainda que isso venha mudando (BERGER, 2006).

Entretanto, vale notar que o nível de penetração das microfinanças na LAC é inversamente proporcional ao tamanho de seus países, sendo muito baixo em países maiores em comparação com os menores. Assim, embora seus dois maiores países, o Brasil e o México, tenham aproximadamente 15 milhões de microempresas, menos de 2% são atendidas por instituições de microfinanças. Em contraste, países pequenos como a Bolívia, Nicarágua, El Salvador e Paraguai têm uma clientela de microfinanças estimada em 600.000 clientes, o que representa uma taxa de penetração de mercado de 163% na Bolívia, 72% na Nicarágua, 69% em El Salvador e 36% no Paraguai (CASTELLO & DANNEL, 2006).

O estudo de Navajas & Tejerina (2006) alcança os mesmos resultados quanto ao tamanho do mercado de microfinanças e a taxa de penetração das IMFs na região, embora apresente números ligeiramente diferentes quanto ao número de microempreendimentos. Na tabela 12 os países são ordenados de acordo com o número de clientes de microfinanças sobre o total da população e sobre o número total de microempreendimentos. Considerando qualquer um desses dois critérios, países pequenos como Bolívia, Nicarágua e Peru são os com mais elevadas taxas de penetração, enquanto que México, Colômbia e Brasil estão em posições inferiores, revelando que ainda há oportunidades inexploradas para as microfinanças nesses países.

Tabela 12 – Microfinanças na América Latina e Caribe, Classificação por países Surveys

País Clientes da IMFs (2005, aproximadamente)

Data Microempresas(a)

Clientes da IMF/Popu- lação (%) Clientes da IMF/Micro- empresas (%) 1 Nicarágua 399.614 2001 684.885 7 58,3 2 Bolívia 548.242 2002 1.736.984 5,9 31,6 3 Peru 1.174.361 2001 4.993.399 4,2 23,5 4 Guatemala 363.286 2000 1.600.041 2,8 22,7 5 Chile 297.995 2003 1.497.112 1,9 19,9 6 Equador 327.065 2003 1.991.091 2,4 16,4 7 El Salvador 143.461 2002 885.748 2,1 16,2 8 Honduras 143.118 2004 1.036.684 1,9 13,8 9 México 1.217.920 2004 10.394.629 1,2 11,7 10 República Dominicana 145.332 2004 1.399.785 2 10,4 11 Panamá 28.103 1999 289.004 0,9 9,7 12 Costa Rica 45.607 2004 516.527 1,1 8,8 13 Guiana 4.184 1999 58.327 0,5 7,2 14 Colômbia 608.282 2003 8.713.336 1,3 7,0 15 Paraguai 59.936 2003 1.542.800 1 3,9 16 Jamaica 10.401 2002 408.627 0,4 2,5 17 Uruguai 7.155 2004 387.145 0,2 1,8 18 Venezuela 44.969 1999 3.247.271 0,2 1,4 19 Brasil 289.697 2002 22.407.968 0,2 1,3 20 Argentina 10.649 2004 3.787.634 0 0,3

21 Haiti 81.222 n.a. 1,0 n.a.

22 Barbados 384 n.a. 0,1 n.a.

23 Trinidad e

Tobago 1.733 n.a. 0,1

n.a.

TOTAL 5.952.716 67.578.997

Fonte: Navajas & Tejerina (2006: 6) Notas: (n.a.) Não disponível

(a) Firmas de cinco ou menos empregados (incluindo o proprietário). Essa definição inclui “trabalho por conta própria”

Outra característica, mas que, assim como a anterior, também vem se alterando, é o fato de que as IMFs da LAC concedem empréstimos de longo prazo e recebem depósitos de curto prazo, descasamento esse que compromete a sustentabilidade das instituições. Muitas nem podem receber depósitos, ao contrário do que ocorre com as IMFs asiáticas, onde as poupanças dos tomadores desempenham um papel fundamental. Em alguns casos, a poupança é obrigatória e os tomadores devem fazê-la no ato do pagamento dos seus empréstimos. Em outros, a poupança é voluntária e as IMFs buscam clientes entre os tomadores e junto a outras pessoas da comunidade, explica Berger (2006).

Em consequência, a autora mostra que as IMFs na LAC se destacam por sua dependência de fundos privados para realizar suas operações, captando muitos

empréstimos a taxas de juros de mercado. Financiadas dessa forma, dependem menos de doações, ainda que isso implique em novos riscos.

Outro ponto a ser destacado é que a sustentabilidade e a lucratividade das IMFs na LAC são mais elevadas que em outras regiões, a despeito do menor tamanho das operações. A auto-sustentabilidade é um princípio difundido pelas agências de desenvolvimento e multilaterais, que defendem a idéia de as mesmas cobrirem todos os seus custos com as taxas de juros cobradas, permitindo-as atingir escala, uma vez que os recursos de doações não serão suficientes para atender a toda a demanda (SILVA, 2007). Castello & Dannel (2006), observando 64 instituições, mostram que aqui não apenas se encontram a maioria das IMFs viáveis (35), assim como há uma maior interação com o setor financeiro formal. Um exemplo de que o microcrédito pode converter-se em um atrativo negócio foi o da abertura do Banco Compartamos para a bolsa de valores do México, captando US$ 470 milhões na abertura (LOZANO, 2008).

Nesse sentido, Berger (2006: 5) argumenta que a orientação comercial das instituições de microfinanças na América Latina é sua mais marcante característica:

Perhaps the most important defining characteristic of Latin American microfinance is the commercial orientation of its leading institutions with respect to operations, financial performance, financing, and ownership, an orientation now catching on in Asia as well.

Por fim, porém não menos importante, destaca-se a capacidade de adaptação e adequação à demanda local das IMFs na LAC. Enquanto na Ásia e na África elas focam no meio rural, na LAC os principais beneficiários estão no meio urbano, havendo uma enorme diversidade em seu perfil, como será explicado na seção 6.2.3, que aborda os principais programas de microfinanças da região.

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