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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3. Cultivos geradores de energia: incluem as culturas com alto rendimento provenientes da biomassa lignocelulósica, produzidas principalmente como matéria-prima

1.2 Principais componentes da fibra lignocelulósica

1.2.1 Celulose

A celulose, que é considerada o polímero mais abundante no mundo, vem servindo à humanidade a milhares de anos, como um material indispensável e com uma vasta gama de empregabilidade, seja na forma de têxtil (e.g., algodão e linho) ou de construção (e.g., madeira). Este polissacarídeo, que é um dos principais constituintes da parede celular da maioria das plantas, foi descoberto em 1838 pelo químico francês Anselme Payen, o qual foi responsável por isolar a celulose e determinar sua fórmula química. Posteriormente, a celulose foi usada para produzir o primeiro polímero termoplástico, a celulóide, pela Hyatt Manufacturing Company, em 1870. A produção de raiom, preparada a partir de celulose regenerada, começou em meados de 1890, enquanto o celofane teve a sua origem já em 1912 (ZUGENMAIER, 2008).

Antes de 1920, o único conhecimento a respeito da estrutura química da celulose era a presença de glicose em sua constituição. Naquela época, três grupos hidroxilas em cada unidade de glicose eram detectáveis por derivatização e degradação (ZUGENMAIER, 2008). Em 1921, KARRER; WIDMER (1921) propuseram novos conceitos a respeito da constituição de macromoléculas como o amido e a celulose, que levou a uma década de controvérsias. KARRER; WIDMER (1921) determinaram que o amido e a celulose seriam formados por anidridos de maltose e celobiose, respectivamente, como resultado de experimento de degradação. Juntamente com Staundiger, cientista responsável por propor que um grande número de pequenas e básicas moléculas são covalentemente ligadas para formar macromoléculas, Karrer quebrou paradigmas presentes até aquele momento a respeito da celulose enquanto uma macromolécula polimérica (ZUGENMAIER, 2008).

A celulose (Figura 2) é um polímero descrito como uma cadeia linear de moléculas de glicoses aneladas, a qual possui uma conformação do tipo fita-plana (MOON et al., 2011). A unidade de repetição (UAG, Unidade Anidroglicosídica) é constituída de dois anéis de anidroglicose [(C6H12O6)n, sendo que n depende da fonte de obtenção de celulose]. Estes anéis de anidroglicose são unidos por meio de uma ligação covalente de um átomo de

oxigênio entre o carbono C1 de um anel de glicose e o carbono C4 de um anel adjacente (ligação 1-4), e então chamado de ligação glicosídica β-(14) (AZIZI SAMIR; ALLOIN; DUFRESNE, 2005).

Figura 2 – Estrutura da celulose.

A estabilização das ligações, por meio de ligação hidrogênio intramolecular entre grupos hidroxilas (indicados pelos tracejados em vermelho, Figura 3) e oxigênios de anéis adjacentes, resulta em uma configuração linear da cadeia de celulose. A rede de ligações intra e intermoleculares de hidrogênio faz da celulose um polímero relativamente estável (Figura 3), conferindo uma alta rigidez axial às fibrilas de celulose (TASHIRO; KOBAYASHI, 1991).

Na celulose, os grupos hidroxílicos, em C2 e C3, e o presente em –CH2OH no

carbono C5 encontram-se no plano equatorial do anel, apontando radialmente para fora, assim como acontece nas ligações glicosídicas entre C1 e C4; somente os átomos de hidrogênio situam-se no eixo axial (apontando alternativamente para cima ou para baixo do plano do anel). Estas configurações são de extrema importância na estrutura da celulose. Os grupos mais volumosos (grupos hidroxílicos e –CH2OH) tem mais espaço e estão mais

afastados quando situados no plano equatorial do que estariam no caso de ocupar posições axiais. A distribuição equatorial destes grupos volumosos pode ser alcançada sem a necessidade de “tensionar” ligações na molécula. Além do mais, esta configuração permite duas ligações hidrogênio entre resíduos da mesma cadeia polimérica: no caso, entre o grupo hidroxílico presente em C3 e O5’ presente no anel do resíduo de glicose adjacente; e entre o oxigênio hidroxílico presente em C6 e hidroxila presente em C2 no resíduo adjacente

(WALKER, 2006).

A rotação de 180º entre unidades adjacentes na mesma cadeia polimérica coloca os átomos de carbono de C2 e C6 no mesmo lado da cadeia de polímero. Da mesma forma, as

unidades de celobiose adjacentes estão inclinadas em um ângulo sutil (um ziguezague moderado), o que traz os dois grupos hidroxila suficientemente próximos para realizar uma ligação hidrogênio intramolecular efetiva, o que contribui para enrijecer o polímero. A grande tensão e resistência à tração das moléculas de celulose são devidas à ligação covalente e os alinhamentos axiais das microfibrilas como um todo (WALKER, 2006).

Figura 3 – Representação das ligações hidrogênio intermoleculares e intramoleculares na estrutura cristalina da celulose.

Dentre as possíveis ligações hidrogênio intermoleculares, aquela entre OH (6) e O (3) de outra cadeia pode ser considerada como a mais importante para a celulose nativa, de um ponto de vista químico. No estado cristalino, as cadeias celulósicas se empacotam em camadas, com todas as ligações hidrogênio situando-se no plano destas camadas. Estas cadeias paralelas realizam ligações hidrogênio com as cadeias poliméricas vizinhas por meio da ligação entre OH (6) de uma cadeia e O (3) de uma cadeia vizinha (WALKER, 2006). As ligações hidrogênio intermoleculares são um fator importante na coesão inter-cadeias. Esta coesão é favorecida pela alta regularidade espacial dos sítios onde ocorrem as ligações hidrogênio, e pelo envolvimento dos três grupos hidroxilas na rede de ligações hidrogênio

(KLEMM et al., 2004).

A estrutura química da celulose e os arranjos formados pela sua estrutura supramolecular governam diretamente a reatividade desse polímero (KLEMM et al., 2004). Os grupos hidroxilas presentes nesse polímero (Figura 2, indicados por setas nas posições 2, 3 e 6) podem participar de reações químicas, seja atuando como nucleófilos em reações de substituição nucleofílica (EYLEY; THIELEMANS, 2014; SCHMIDT; LIEBERT; HEINZE, 2014), adição à carbonila (RAMOS, L. et al., 2011; RATANAKAMNUAN; MANOROM; INTHASAI,

2013; RODRIGUES et al., 2014), ou mesmo em reações de oxidação (ZHANG, K. et al., 2012; ISOBE, N. et al., 2013; TAUBNER et al., 2013). A regularidade e a extensão com que ocorrem as ligações hidrogênio entre os grupos hidroxila de cadeias adjacentes de celulose resultam em um material cristalino fortemente empacotado. Como consequência, a estrutura supramolecular da celulose é responsável por algumas outras propriedades, tais como “não fusão” a altas temperaturas (ocorrendo decomposição prévia, devido à alta energia térmica que seria necessária) e insolubilidade em água, devido à fração de grupos hidroxila disponível para interagir com a água ser limitada (ASS; FROLLINI; HEINZE, 2004).

A ordem de reatividade dos grupos hidroxila da celulose mais citada na literatura é: OH (6) >> OH (2) > OH (3) (KLEMM et al., 2004; RAMOS, L. et al., 2011). Considerando que OH (6) está ligado a um carbono primário e sabendo que OH (3) participa de ligação hidrogênio intramolecular, a qual é mais difícil de ser rompida (Figura 3), esta ordem parece ser lógica, embora se encontre na literatura descrições de resultados que podem diferir desta ordem de reatividade (DAWSEY; MCCORMICK, 1990).

1.2.2 Hemiceluloses (Polioses)

As hemiceluloses são polissacarídeos presentes nas paredes celulares das plantas e correspondem ao segundo componente majoritário das fibras lignocelulósicas. As hemiceluloses contribuem para a rigidez da parede celular (juntamente com a celulose e lignina, seção 1.2.3) e incluem xilanas, unidades de β-1,4-D-xilose ligadas, mananas, unidades de β-1,4-D-manose ligadas, arabinanas, unidades de α-1,5-L-arabinose ligadas e galactanas, unidades de β-1,3-D-galactose ligadas (SPIRIDON; POPA, 2008). A distribuição das diferentes unidades de açúcares é heterogênea e depende do tipo e origem da planta.

Nos materiais lignocelulósicos, tem-se a xilana como o principal constituinte da massa hemicelulósica, com o teor variando de 25-35% (EBRINGEROVÁ; HEINZE, 2000). De fato, em plantas anuais, como a fibra de sisal usada neste trabalho, as principais hemiceluloses são representadas por xilanas. Estas possuem uma estrutura que consiste em um esqueleto linear de resíduos de β-1,4-D-xilanopiranose ligados, os quais podem conter ramificações contendo grupos acetila, arabinosila e glicoronosila, a depender da fonte botânica

(SPIRIDON; POPA, 2008). MEGIATTO JR et al. (2007) reportaram um conteúdo de cerca de 68% de xilanas constituindo a massa de hemicelulose seca da fibra lignocelulósica de sisal (Figura 4).

Figura 4 – Composição de açúcares presentes na massa de hemicelulose seca da fibra lignocelulósica de sisal (MEGIATTO JR et al., 2007).

Na Figura 5, as estruturas químicas das unidades de açúcares presentes nas hemiceluloses são apresentadas.

Figura 5 – Estruturas químicas das unidades de açúcares presentes nas hemiceluloses.

1.2.3 Lignina

Após a celulose, a lignina é considerada a segunda matéria-prima natural mais abundante do mundo e a primeira mais abundante na classe de macromoléculas fenólicas. O total de lignina no mundo é estimado por representar aproximadamente 30% do carbono

orgânico em toda a biosfera. A presença de lignina nas paredes celulares dos vegetais reflete a sua função na manutenção de uma matriz rígida em torno das fibras de celulose/hemiceluloses, apresentando funções de coesão e barreira frente à umidade

(BURTON; GIDLEY; FINCHER, 2010).

Na biomassa vegetal, as cadeias de celulose estão intimamente associadas às hemiceluloses na formação de estruturas lineares de alta resistência, chamadas microfibrilas (Figura 1). As fibras presentes na parede celular das plantas são constituídas pelo empilhamento de camadas destas microfibrilas. As cadeias celulósicas presentes nas regiões cristalinas e não cristalinas são rodeadas por hemiceluloses, as quais se associam e emaranham com as macromoléculas de lignina (Figura 1).

A lignina, enquanto macromolécula, não pode ser facilmente descrita por uma simples combinação de uma ou poucas unidades monoméricas, ou pela combinação de poucas ligações, como acontece nos casos da celulose e hemiceluloses. A estrutura da lignina, desde meados dos anos 70, é matéria de muitas investigações e modelos

(FREUDENBERG et al., 1965; FREUDENBERG; NIMZ, 1966; NIMZ, 1974). Naturalmente, as ligninas são sintetizadas por reações combinadas de acoplamento fenólico, as quais são induzidas por radicais livres enzimaticamente gerados. Por meio deste mecanismo, três lignóis (Figura 6) agem como monômeros em reações com o radical em crescimento, caracterizando uma polimerização em cadeia clássica.

Figura 6 – Alcoóis precursores nas reações de formação da lignina.

Assim, devido ao grande número de possíveis sequências durante o curso da reação, uma grande diversidade de macromoléculas de lignina pode ser formada, tornando improvável que duas macromoléculas de lignina sejam perfeitamente idênticas. Para

exemplificar, temos o conceito estrutural de lignina de faia proposto por Nimz em 1974 (Figura 7).

Figura 7 – Conceito estrutural da lignina de faia de acordo com NIMZ (1974).

No presente estudo, escolheu-se a fibra lignocelulósica de sisal, e a celulose extraída a partir dela, como matérias-primas de partida para a síntese de ésteres de celulose de sisal e para a preparação de diferentes classes de materiais. A seção a seguir abordará os principais aspectos relacionados à escolha dessa fonte lignocelulósica.