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Capítulo 3 Apresentação e Discussão dos Dados

3.6. Factores impulsionadores e bloqueadores da cooperação

3.6.2. Principais factores bloqueadores

Nesta secção ambiciona-se revelar e compreender as causas da existência de reduzidas práticas cooperativas nas bibliotecas públicas estudadas. Os bibliotecários geraram 10 itens de resposta que foram agrupados nas seguintes categorias, a saber: (i) Institucionais e políticas; (ii) Funcionamento das bibliotecas; (iii) Humanos e (iv) Geográficas.

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3.6.2.1. Constrangimentos institucionais e políticos: Tutelas

Os obstáculos institucionais e políticos foram apontados pelos bibliotecários como um bloqueio no relacionamento entre as diferentes bibliotecas públicas.

Estes obstáculos são fruto de rivalidades históricas e políticas entre os municípios, que têm vindo a dificultar a comunicação e a impossibilitar o entendimento entre os mesmos.

“Por outro lado, as bibliotecas públicas têm uma dimensão concelhia, são tuteladas por uma Câmara Municipal, a história do municipalismo em Portugal mostra que a cooperação entre câmaras não é algo fácil e portanto esse é um elemento dissuasor da cooperação”

(Entr.8)

A rivalidade e sobretudo a falta de hábito cooperativo condicionam não só o relacionamento entre municípios, mas também se manifestam internamente nas forma de comunicar dentro da estrutura organizacional. De acordo com os respondentes, as Autarquias apresentam manifestas lacunas ao nível da comunicação e da cooperação entre sectores e departamentos.

“As câmaras municipais não vêem esta questão como algo essencial. Existem câmaras que ainda não despertaram para a necessidade de ter uma biblioteca quanto mais para a necessidade de cooperar. Mesmo noutros sectores não existe cooperação e muitas vezes a informação tende a circular de forma ineficaz” (Entr.5)

Outro entrave relacionou-se com o excesso de burocracia que, em vez de agilizar processos e facilitar entendimentos, acaba por inviabilizar a concretização de possíveis parcerias.

“Há tempos houve uma candidatura ao programa foral que não foi por diante porque se perdeu nos gabinetes das respectivas autarquias. Não houve vontade, comunicação nem agilidade dos parceiros” (Entr.7)

“Por outro lado existem entraves burocráticos, judiciais e financeiros que dificultam a partilha de custos, a partilha de documentos, de bases de dados etc., entre os diferentes Municípios” (Entr.7)

Os bibliotecários relataram, igualmente, problemas ao nível da autonomia de decisão, efeito de uma estrutura organizacional rígida e fortemente hierarquizada.

“O poder político dificulta, muitas vezes, a tomada de decisões e a concretização de iniciativas. Não temos autonomia para decidir o que condiciona a nossa acção.” (Entr.6)

73 “Muitas vezes não nos podemos ausentar dos serviços. Os próprios serviços impedem a deslocação dos técnicos por motivos económicos. Há falta de sensibilidade da tutela para estes assuntos.” (Entr.3)

De facto, as questões de índole institucional e política constituem um constrangimento à acção dos bibliotecários; contudo cabe aos mesmos quebrar essas barreiras e influenciar a tomada de decisão por parte dos responsáveis pelos executivos camarários.

Em concordância com os autores consultados, a investigação considera que as dificuldades podem começar por ser quebradas com a implementação de projectos cooperativos de menor dimensão, nomeadamente entre a biblioteca pública, as bibliotecas escolares, associações culturais e outros serviços do município. Podem, similarmente, ser desenvolvidas acções de cooperação interna ao nível da formação dos funcionários. Estas são apenas alguns possíveis caminhos, aos quais voltaremos com mais detalhe num ponto mais avançado deste estudo.

É imperativo que os bibliotecários adoptem uma atitude mais proactiva e encarem a cooperação como um desafio que contribuirá para desenvolvimento das bibliotecas públicas.

3.6.2.2. Desenvolvimento e funcionamento das bibliotecas

Indissociado da secção anterior, mas desta, com a tónica nas próprias unidades documentais, nesta secção pretende-se compreender as causas internas que dificultam a existência de práticas cooperativas entre as unidades documentais estudadas.

Os bibliotecários referiram não existir hábito de cooperar nas bibliotecas, acreditando ser uma característica transversal à maioria das instituições públicas portuguesas.

“Para começar acho que se coopera muito pouco. Quando falo com pessoas amigas desta região pensava que seria mais fácil estabelecer relações de cooperação, o que não se tem vindo a verificar. Se calhar o fenómeno é nacional. Penso que em Portugal não existe grande hábito de cooperar” (Entr.7)

Do ponto de vista do processo de implementação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas existem, de acordo com os informantes, alguns constrangimentos estruturais que têm deixado um pouco esquecidas as questões da cooperação.

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A principal crítica apontada à DGLB, prendeu-se com a existência de uma preocupação excessiva com a implementação física da rede, deixando de lado as questões do funcionamento em rede propriamente dito.

“A cooperação não é fácil porque a história das bibliotecas públicas em Portugal tem sido feita um pouco do isolamento das diferentes bibliotecas que constituem a rede. Avançar para políticas de cooperação entre bibliotecas não é tarefa fácil e menos será quando os diferentes executivos camarários tiverem um papel a dizer nessa cooperação, aí será ainda mais difícil.” (Entr.8)

Pires (2003) salienta a urgência de actualização do conceito, sendo esta uma ideia igualmente defendida pelos bibliotecários.

“Porque afinal o que encerra em si o conceito de “rede”, Rede de Bibliotecas Públicas? Um conjunto de bibliotecas com as mesmas características? Não chega. Fundos documentais que cubram as mais variadas áreas do saber? Não basta. O livre acesso? Não é suficiente. Empréstimo domiciliário? Só por si, este princípio não define uma rede”. (Pires, 2003, 121)

A preocupação focalizada na implementação física da rede conduziu a que cada uma das bibliotecas da rede fizesse o seu caminho de forma assimétrica e com procedimentos técnicos diferenciados, dificultando a adopção de políticas cooperativas.

Foram alguns desses procedimentos técnicos diferenciados que os bibliotecários acabaram por referir como necessários para o sucesso do processo cooperativo, nomeadamente:

Figura 11 - Procedimentos Técnicos Necessários ao Funcionamento Cooperativo

3.6.2.3. Constrangimentos humanos

Outro factor indicado pelos bibliotecários, prendeu-se com a sua acção enquanto profissionais.

Sofware

Comuns

Formação

Especializada

Canais de

Comunicação

Documentos

Normativos

Procedimentos

Comuns

Gestão

Documental

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Os mesmos referiram não existir sentido de classe entre os profissionais das ciências da informação e documentação, como existe noutros grupos profissionais, o que acaba por impedi-losde lutar de uma forma mais homogénea por determinadas políticas como é o caso da cooperação. Por outro lado a inexistência de um sentido de classe favorece, de acordo com os mesmos, o individualismo e o isolamento.

“Um dos principais problemas é que não há nos bibliotecários grande sentido de classe como existe noutras profissões e isso faz com que cada um trabalhe por si” (Entr.7)

Os respondentes manifestaram os mesmos sentimentos e atitudes que contrariam o espírito cooperativo, nomeadamente: uma atitude passiva, falta de iniciativa e desconfiança relativamente às vantagens do processo cooperativo.

Este é um tema que levantou algumas questões, pois como se pôde verificar noutro ponto deste trabalho, os bibliotecários referiram existir mais vantagens do que inconveniente em cooperar, o que vem contrariar as afirmações posteriores, reveladoras de algum receio e desconfiança em relação à cooperação.

“O que tem falhado neste processo tem sido, essencialmente, as pessoas ou seja alguém com uma atitude proactiva que tome a iniciativa, neste caso tenho a certeza que os restantes bibliotecários iriam atrás”. (Entr.8)

Está-se, neste caso, perante um problema de falta de liderança e iniciativa que resulta de uma mentalidade pouco vocacionada para o trabalho conjunto e que carece de alteração, sob pena de não se conseguir ultrapassar os desafios, cada vez maiores, que se colocam às bibliotecas.

Por seu turno, existem outros sentimentos como o receio de comparação e da avaliação que acabam por condicionar, também, o avanço do processo cooperativo.

“Depois é mais fácil trabalhar no meu canto porque no momento em que trabalho com os outros, as minhas fraquezas e grandezas saem muito mais à evidência, normalmente as pessoas resguardam-se um pouco dessa exposição e preferem trabalhar sozinhas com medo da comparação da avaliação exterior.” (Entr.2)

O desinteresse e a desmotivação foram, ainda apontadas pelos próprios bibliotecários. Desmotivação fruto de tentativas falhadas, resultado, igualmente, de alguns dos bloqueios já indicados, principalmente os relacionados com questões institucionais e políticas.

“Acho que há um pouco de desinteresse e de falta de motivação por parte dos bibliotecários, deparamo-nos todos os dias com tantos problemas, como a falta de pessoal

76 especializada, falta de financiamento, questões do dia-a-dia de uma biblioteca que nos sobra pouco tempo para pensar e pôr em prática questões que nos exigem disponibilidade, empenho e uma dedicação adicional.” (Entr.7)

3.6.2.4. Constrangimentos geográficos

Os condicionalismos geográficos foram apontados como mais um obstáculo à adopção de práticas cooperativas. Estes condicionalismos passavam, de acordo com os mesmos, pela existência de grandes distâncias físicas entre os diferentes concelhos.

“Penso que a cooperação em determinadas áreas não é muito viável devido à distância entre as bibliotecas” (Entr.5)

Mais do que um factor físico, a interioridade e o isolamento manifestam-se ao nível da atitude e dos comportamentos. Nos dias de hoje, face à evolução da tecnologia, não faz sentido falar em distância ao nível da comunicação e da circulação de informação. Nunca como agora as pessoas, as cidades e os povos tiveram tantas oportunidades de quebrar as barreiras do isolamento e da interioridade. O papel das bibliotecas públicas também passa por quebrar essas dificuldades, permitindo que a informação chegue a cada vez mais utilizadores.

“Um dos grandes entraves é o isolamento e a interioridade pois dificulta a comunicação física. A solução passaria por aproveitar as potencialidades das tecnologias da informação para quebrar essa barreira, que por vezes é mais psicológica do que física” (Entr.4)

Tal como nos refere o entrevistado, a utilização de tecnologias de informação e comunicação seria a solução mais eficaz para ultrapassar as dificuldades inerentes à distância, às dificuldades de deslocação e ao isolamento.

Ainda neste domínio é de assinalar o facto dos bibliotecários, quando questionados sobre os factores impulsionadores da cooperação, voltarem a indicar os factores geográficos. Trata-se pois de um agente que levanta alguma controvérsia e falta de consenso entre os respondentes.

Contudo, esta não parece ser uma questão determinante no desenvolvimento do processo cooperativo.

Após a análise das respostas, as principais causas da inexistência de práticas cooperativas nas bibliotecas analisadas prenderam-se, sobretudo, com questões institucionais, resultado do funcionamento das autarquias e a uma implementação da RNBP focada na sua instalação física.

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De salientar, igualmente, que os bibliotecários assumiram a sua responsabilidade enquanto agentes bloqueadores do processo cooperativo.