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Principais influências históricas

PARTE I O TEATRO DO ATOR, O TEATRO DE PESQUISA E A AÇÃO FÍSICA

CAPÍTULO 3 AÇÃO FÍSICA

4.11 Principais influências históricas

Embora o LUME tenha construído uma metodologia própria para o trabalho do ator, não é possível abordar suas propostas sem levar em conta as principais referências históricas que influenciaram a constituição do pensamento teatral que está na base de sua prática. Estas referências foram quase todas tomadas por Burnier no período em que ele esteve na Europa durante o período que chamamos de “anos de formação”.130

Assim, como principais referências históricas que deram origem ao LUME, podemos citar, em especial, as experiências da primeira fase do Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski na Polônia, sobretudo através do contato que Burnier teve com Rena Mirecka, atriz do Teatro Laboratório; o treinamento de ator criado na Dinamarca pelo reconhecido grupo Odin Teatret; as observações e enunciados da Antropologia Teatral, desenvolvida por Eugenio Barba e seu grupo de colaboradores da International School of Theatre

Anthropology (ISTA); e, principalmente, o pensamento de Etienne Decroux e os

fundamentos de sua Mímica Moderna, sistematizada por ele na França.

Como observa Renato Ferracini, a grande base do trabalho do LUME veio da experiência de Burnier com a Mímica Corpórea de Decroux e de sua experiência com Rena Mirecka. De Decroux, Burnier herda todo o pensamento teatral, a concepção do teatro como “arte de ator” e todo o trabalho com as ações físicas. De Rena vem a questão do limite, da visceralidade do trabalho do ator e da necessidade do desbloqueio físico dos impulsos (a via negativa de Grotowski).

Já sobre a influência de Eugenio Barba e da Antropologia Teatral, Ferracini lembra que “a influência do Odin vem muito mais via Iben Rasmussen [através do grupo Ponte dos Ventos] do que de Barba”. Curiosamente o ator coloca que o instrumental conceitual da Antropologia Teatral foi importante para Burnier justificar e fundamentar sua pesquisa, mas que, para o treinamento do ator em sala de trabalho, o entendimento dos princípios pré-expressivos de Barba pouco contribuiu para o desenvolvimento do trabalho prático. Assim, a maior fonte de influência exercida pelo Odin sobre o trabalho do LUME se deu através da participação de Carlos Simioni no grupo Ponte dos Ventos de Iben, uma

130 Estas experiências serão descritas no item 4.14.1

vez que o ator trazia para o Brasil os exercícios que aplicavam na prática todos os princípios da Antropologia Teatral e aqui os adaptava segundo a proposta de trabalho do LUME.

Ainda sobre as principais referências que estiveram na base do grupo LUME, seria justo citar o Teatro Oriental, em especial a influência que o Teatro Butô exerceu sobre o grupo. Entretanto, consideramos que nos primeiros dez anos da história do LUME (período em que a base da proposta de trabalho do grupo se consolidou) a influência do Butô se deu de forma indireta. É certo que existiam muitos pontos de contato entre a linguagem desenvolvida pelo LUME e pelo Butô – Carlos Simioni conta que o primeiro encontro com Kazuo Ohno se deu ainda em 1986 no Teatro Anchieta de São Paulo –, mas a nosso ver, neste momento, as linguagens convergiam no “resultado” e não no pensamento e na técnica. Na verdade, foi justamente essa “convergência” dos resultados que levou Burnier a se interessar pela técnica do Butô e a estreitar laços com mestres como Natsu Nakajima e Anzu Furukawa. Como observa Ricardo Puccetti, quando os orientais assistem o seu espetáculo “Cnossos” eles enxergam o seu trabalho como dança Butô, um Butô ocidentalizado. Entretanto o ator frisa que “chegamos a resultados próximos, mas por caminhos diferentes”.

Sobre o papel que estas referências desempenharam na formação da proposta de trabalho de ator do grupo LUME, Renato Ferracini chama a atenção para dois pontos que normalmente são pouco observados: a influência dos aspectos éticos ligados ao trabalho dessas referências e os aspectos invisíveis de suas práticas. Segundo Ferracini,

O interessante de localizar essas referências é muito mais pensar nos aspectos éticos e invisíveis do trabalho do ator do que localizar as influências técnicas dessas correntes. O LUME não tem a influência de nenhum desses no aspecto formal técnico, ou seja, nós não temos uma linha Decroux, uma linha Grotowski no aspecto formal. O interessante que o Luís Otávio Burnier captou dessas pessoas é que elas de certa forma trabalhavam o aspecto ético e principalmente um aspecto que é muito difícil de falar que é esse aspecto invisível, da força, da potência, esse aspecto da presença, da organicidade. Quer dizer, por linhas diferentes essas pessoas buscavam isso. Assim, se eu fosse localizar as influências dessas pessoas, eu diria que elas estão muito mais em um terreno abstrato dessas relações de força, do que essas pessoas buscavam, do que no terreno mais

concreto da forma e da formalização técnica que elas propuseram através ou atravessados por essa força e por esta potência.131

Para Ferracini, Burnier, a partir da experiência que teve com esses grandes mestres e renovadores do teatro do século XX, “entendeu ou intuiu essa questão do limite”. Entendeu de forma muito concreta e objetiva a necessidade do ator “vivenciar e experienciar limites” – de levar o corpo do ator ao limite do equilíbrio físico e psicofísico para deste lugar construir sua “força”.

Assim, como vimos, não só as questões técnicas foram relevantes para a constituição da proposta de trabalho do grupo LUME, como também todas as questões ligadas ao aspecto ético do trabalho do ator e todo o pensamento invisível que perpassa suas principais referências. É sobre esta “tradição” e em profundo diálogo com ela que o grupo LUME alicerçou sua proposta de trabalho.