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Capítulo I – Família, um conceito em evolução

4.2 Principais Modalidades de Intervenção com as Famílias

Segundo De Paúl & Arruabarrena (1997, in Torres, 2003), podem identificar-se sete tipos de programas de intervenção com as famílias maltratantes ou negligentes. Assim temos, (1) os programas de abordagem cognitivo-comportamental, que procuram a capacitação dos pais para o exercício das suas responsabilidades; (2) programas de intervenção intensiva no domínio familiar por forma a evitar a saída da criança da família; (3) programas multimodais e integrados que combinam serviços de todo o tipo; (4) programas de apoio individual a cargo de uma figura de referência para os pais; (5) programas baseados no apoio social que se oferece aos progenitores e em grupo de iguais; (6) psicoterapia individual nos casos em que um transtorno psicopatológico ou déficit na estrutura da personalidade parece ser a causa primária da incapacidade para exercer o papel parental; (7) terapia familiar na qual o conjunto da família é objecto de intervenção terapêutica.

Dentro destes programas, e conforme as características de cada caso em questão, há uma diversidade de medidas que podem integrar cada intervenção visando a promoção do sistema familiar e a transformação das condições que favorecem o mau trato infantil. Alberto (1999, in Martins, 2004) lista algumas dessas medidas, a saber:

a) Formação em desenvolvimento infantil e práticas educativas; b) Adequação das expectativas sobre os filhos;

c) Formação e treino em técnicas de gestão de comportamentos; d) Formação e treino na redução do stress;

e) Formação e treino de auto-controlo; f) Tratamento da dependência química;

g) Desenvolvimento de competências de procura de emprego; h) Treino de gestão de dinheiro;

i) Serviços de prevenção (mães solteiras, mães adolescentes, namoros violentos, etc.); j) Aconselhamento conjugal/familiar;

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l) Terapia de grupo (de pais; de homens, de mulheres, de casais, de adultos molestados enquanto crianças, alcoólicos, etc.);

m) Consulta psicológica individual;

n) Formação e treino em nutrição e manutenção da saúde; o) Formação e treino sobre normas de segurança no lar;

p) Criação, desenvolvimento e consolidação de redes sociais de apoio; q) Apoio jurídico, social e económico.

Para intervir junto da família é necessário, segundo Doncaster (2002), tratar os membros da família com respeito e dignidade e manter uma conduta profissional (ética profissional). Assim, é importante compreender e analisar a experiência da família, as suas fraquezas e potencialidades para poder activamente trabalhá-las. Para desenvolver um estilo de trabalho colaborativo é necessário envolver activamente os membros da família em todas as fases do processo de intervenção, respondendo às suas necessidades, fazendo com e não para, ouvindo e pedindo à família o seu feedback sobre as acções que estão a desenvolver.

Seguidamente serão apresentados alguns programas que têm vindo a ser desenvolvidos juntos de famílias potencialmente ou efectivamente abusadoras e negligentes para com as suas crianças.

4.2.1 Programas de Abordagem Cognitivo-comportamental

Nas suas diversas modalidades, tratam-se de iniciativas que pretendem que os pais adequiram as habilidades parentais que carecem, especialmente as relacionadas com os cuidados físicos às crianças, com a interacção pais-filhos, com as competências sociais e de gestão e manutenção de uma casa (Torres, 2003). São programas que encorajam os membros das famílias a aumentar a unidade familiar, a comunicação e a reduzir o conflito (Kumpfer & Alvarado, 2003).

Em Espanha, o chamado “Grupo de Valencia” da Unidade de Investigação “Agressão e Família” da Universidade de Valencia, trabalha, há já alguns anos, na implementação e estudo de “oficinas de competências parentais” para a reabilitação de pais maltratantes através da aprendizagem das “Competências Próprias do Papel de Pais”. Fundamentalmente, trata-se de adquirir estratégias de resolução de problemas e de compreensão das necessidades dos filhos.

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Estes programas experimentais de intervenção com as famílias inspira-se no princípio de que em grande parte dos casos a incompetência parental não é irreversível e os pais podem ser reabilitados e levar a cabo as suas funções adequadamente (Cerezo, 1995 in Torres, 2003). Mas, como a própria autora reconhece, a aplicabilidade deste tipo de tratamentos está limitada pela alta taxa de abandonos, cerca de 35 a 40% dos casos.

Uma característica própria dos programas de formação em competências familiares é a de que eles proporcionam actividades estruturadas que ajudam a melhorar os laços entre pais e filhos (Kumpfer & Alvarado, 2003). O jogo terapêutico “Child´s Game” foi considerado eficaz em melhorar a relação pais-filhos. Através da observação, a pratica directa (com imediata reacção de retorno pelos formadores e gravação em vídeo) e reforço do formador e do filho, os pais aprendem a maneira de melhorar o papel positivo seguindo a linha da criança e não corrigindo, dominando ou sendo directivos. Constatou-se que ensinar aos pais jogos terapêuticos melhora o vínculo entre pais e filhos, assim como, o comportamento dos filhos com distúrbios psiquiátricos e crianças com perturbações de comportamento (Egeland & Erickson, 1990, in Kumpfer & Alvarado, 2003).

4.2.2 Programas de Intervenção Intensiva no domicilio familiar

Os programas de intervenção intensiva no domicílio familiar oferecem uma intervenção imediata face a uma crise familiar para evitar a separação da criança e a sua colocação num recurso externo, mas sempre com a garantia da sua segurança. Para tal, é necessário disponibilizar serviços de apoio permanente capazes de intervir, pelo menos, de 5 a 20 horas semanais com a família e durante um período breve, isto é de 4 a 8 semanas. Estes serviços devem ser coordenados com outros apoios comunitários (ajudas económicas, transporte, escola, etc.). Inclui acções como educação parental e desenvolvimento de competências por forma a criar um ambiente familiar que seja, ao mesmo tempo, seguro e prestador de cuidados.

A intervenção intensiva no domicilio tem como objectivos envolver, activamente, os membros da família na formulação e implementação do programa de intervenção, assim como, na avaliação dos progressos realizados.

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O “Homebuilders Program”, desenvolvido desde 1974, apresenta-se como um bom exemplo deste tipo de intervenção. Este programa define-se como um serviço breve, intensivo e de intervenção em crise que se realiza dentro da própria família, com vista à segurança da criança e a melhoria das competências familiares para que no futuro possam afrontar problemas similares (Forsythe, 1992, in Torres, 2003).

4.2.3 Programas Multimodais ou Integrados

Partindo do reconhecimento da complexidade do fenómeno do mau trato e da negligência para com a infância e a necessidade de dispor de uma ampla gama de serviços para as famílias, os programas multimodais ou integrados pretendem combinar os serviços e os recursos de forma flexível, segundo as necessidades de cada família, por forma a ser possível abordar a multiplicidade de problemas que esta possa apresentar.

Como exemplo de tratamento multimodal ou integrado temos o programa “eco- comportamental”, denominado “Project 12-Ways”, desenvolvido por Lutzker & Rice (1984), que dispõe de uma estrutura flexível para a aplicação de diversos recursos e serviços segundo as necessidades da família. Em função da avaliação do caso desenha-se um plano de intervenção onde se irá utilizar, conforme seja necessário, serviços de apoio domiciliário, serviços de psicoterapia, grupos para pais e para filhos, etc..

Outro trabalho que segue esta orientação é o “Halton Wraparaound Program”(Brown & Hill, 1996, in Torres, 2003), desenvolvido na localidade de Ontario (Canadá). Por forma a evitar a hospitalização ou o acolhimento em instituição de crianças com algum tipo de problema de saúde mental que de outro modo seriam internados. Implicando activamente todos os recursos da comunidade e uma estreita coordenação entre as instituições, desenharam-se programas para cada caso individual (combinação da terapia individual, assistência domiciliária, apoio escolar, etc.). Este programa está disponível vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana. Os serviços são providenciados à família e ao menor durante o tempo que for medicamente necessário por forma a dar o melhor suporte possível à criança. Segundo Torres, “com a sexta parte do custo que se calculava para o tratamento institucional, conseguiram-se melhores resultados de atenção e desenvolvimento para as crianças e mantê-los na sua família” (2003, p. 132).

54 4.2.4 Programas de Apoio Individual

Este tipo de programas tem como recurso fundamental um educador familiar, profissional ou voluntário, que estabelece uma relação positiva com os prestadores de cuidados. A partir desta relação a “figura de referência” pode passar a servir de modelo para os pais, orientando-os e ajudando-os. Muitas das vezes é necessário aquilo a que Canha (2003) chama de auxílio por dentro, isto é, uma figura idónea, em casa ou num meio muito próximo, que merece a confiança da família mas também que exerça autoridade e que sirva de padrão ou modelo de vida.

No estudo prospectivo levado a cabo junto de 104 crianças vítimas de maus tratos e suas famílias durante 5 anos (Canha, 2003), foi possível verificar que a pessoa de referência desempenha um papel decisivo na recuperação das crianças maltratadas e suas famílias ao completar, potenciar e modular in loco o trabalho da equipa técnica. Este tipo de apoio continuado, integrado e personalizado das crianças e famílias parece ser potenciado pela dedicação e o afecto da pessoa de referência.

Temos também como exemplo deste tipo de intervenções o “Project Thrive”, programa centrado na família que intervém junto de crianças até dois anos que apresentam um atraso no desenvolvimento sem causa orgânica (“non organic failure to thrive”). O assessor do programa realiza frequentes visitas domiciliárias para orientar os pais de qual a alimentação adequada para o bebé e da importância da relação entre pais e filhos, factores que juntos contribuem para um saudável desenvolvimento da criança. Ainda dentro desta forma de intervir, temos o “Project Breakaway” cujos destinatários são mães consumidoras de cocaína e seus filhos. O objectivo principal é o estabelecimento de um adequado vínculo materno- infantil, através da presença no domicílio dos colaboradores do programa que, de modo simultâneo ao tratamento da adição materna, proporcionam formação à mãe nas suas responsabilidades e estimulação à criança (Torres, 2003).

4.2.5 Programas baseados no Apoio Social

Com referência evidente aos programas de reabilitação de alcoólicos, têm-se desenvolvido também programas que procuram oferecer aos pais espaços e grupos de apoio social. Estes grupos são coordenados tanto por voluntários, do tipo “Pais Anónimos”, como orientadores

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profissionais que oferecem aos pais um lugar onde se sentem aceites e podem expor as suas preocupações e, também, adquirir os necessários conhecimentos e competências para exercer as suas responsabilidades.

Outros programas utilizam famílias colaboradoras ou voluntárias, especialmente capacitadas - e supervisionadas por técnicos – para proporcionar apoio social a uma família com problemas de mau-trato real ou potencial, como o projecto “Friend to Friend” (D´Agostino, 1993 in Torres, 2003).