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2.3 Mudanças no comportamento reprodutivo e particularidades das transições epidemiológica e

2.3.1 Principais mudanças no comportamento reprodutivo

A redução dos níveis de fecundidade no século XX – constatada a partir da transição demográfica nas mais diversas localidades – despertou interesse de estudiosos para um melhor entendimento das alterações dos regimes de fecundidade. Diversos estudos têm se dedicado à análise de variáveis determinantes das mudanças no comportamento reprodutivo feminino, buscando avaliar suas principais causas. A redução da parturição, a nuliparidade e a maternidade tardia constituem-se mudanças importantes para o entendimento do processo (MILLS et al., 2011; BERQUÓ; GARCIA, 2012; CAVENAGHI; ALVES, 2013; OLIVEIRA; MARCONDES, 2016). Além dessas variáveis, o intervalo intergenésico e o tipo de método contraceptivo também representam temas contributivos para explicação da redução dos níveis de fecundidade no decorrer das últimas décadas (JÚNIOR, 2007; PERPÉTUO; WONG, 2009). Os países mais desenvolvidos têm apresentado declínios consideráveis em suas taxas de fecundidade desde início do século XX, alcançando valores abaixo do nível de reposição (CALDWELL, 1982; CHESNAIS, 1998). A idade da mulher ao ter o primeiro filho aumentou substancialmente desde a década de 1970. Em alguns países europeus e no Japão, a idade materna média passou de 25 anos em 1970 para 29 anos em 2008. A Islândia é detentora da maior variação na idade nesse período, aproximando-se dos 40 anos em 2008. As razões principais foram pautadas pelo aumento da contracepção efetiva, maior escolarização das mulheres, aumento da participação feminina no mercado de trabalho, alterações no papel da mulher na sociedade, mudanças nos padrões de arranjos familiares, condições de moradia e ausência de políticas de apoio à família (MILLS et al., 2011).

O padrão reprodutivo no Brasil foi caracterizado durante longo período por famílias numerosas, típicas de sociedades agrárias. Na primeira década do século XX, o Brasil apresentava valores próximos a 7,1 filhos por mulher e uma taxa bruta de natalidade de 45,4 nascimentos/1.000 habitantes (PONTES et al., 2009; RIGOTTI, 2012). Porém, desde o final da década de 1960, a fecundidade no Brasil vem declinando consideravelmente, chegando a uma taxa de fecundidade total de 2,4 filhos em 2000 e uma estimativa de 1,8 no período 2002-2006 (WONG; PERPÉTUO, 2009). Entre os anos de 2000 e 2010, a taxa de fecundidade total reduziu de 2,4 para 1,9 filhos em média por mulher, representando uma queda de 21,0% (CAVENAGHI; BERQUÓ, 2014).

No período de 2000 a 2010, ocorreu um aumento no percentual de mulheres sem filhos nas faixas de 35-39 anos (de 12% para 16%) e 45 anos ou mais (de 9% para 12%). Considerando-se o dado escolarização, em 2010, 9,4% representavam mulheres com mais de

45 anos, sem filhos, com o ensino básico incompleto; enquanto esse percentual foi de 21,3% para mulheres mais escolarizadas. As regiões que apresentaram maior concentração de mulheres sem filhos foram microrregiões localizadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco (CAVENAGHI; ALVES, 2013).

Uma análise da reprodução tardia com dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 2006 foi realizada por Berquó e Garcia (2012). O perfil das mulheres com idade superior a 30 anos está associado a um maior nível de escolaridade e melhor condição financeira (classes A e B). Além disso, a principal razão para o adiamento da maternidade foi fundamentada no prolongamento do período de formação educacional e profissional.

Júnior (2007) analisou a associação entre o comportamento reprodutivo da mulher e sua ocupação sob a ótica de quatro variáveis: a idade ao ter filhos, o número de filhos, o intervalo intergenésico e o risco de se ter um filho de ordem x+1. Em 2000, a Taxa de Fecundidade Total (TFT) para o grupo de mulheres ocupadas foi de 1,94, enquanto para o grupo de mulheres não ocupadas foi 2,34. Quanto à parturição, o percentual de mulheres sem filhos e ocupadas (12,41%) foi superior ao grupo das mulheres não ocupadas (5,87%). Os resultados demonstraram que o tipo de ocupação influencia o comportamento reprodutivo: quanto maior a qualificação da ocupação, menor é a parturição e a TFT, e, além disso, maior é a postergação da maternidade (JUNIOR, 2007).

Oliveira e Marcondes (2016) compararam o comportamento reprodutivo de mulheres no período de 1980 a 2010 e observaram que o grupo de primíparas das mulheres entre 30 e 39 anos foi três vezes maior em 2010 quando comparado ao ano de 1980, despontando como características predominantes maior nível de escolaridade e melhores condições socioeconômicas. Além desses achados, os autores sugerem a indicação de outros dois padrões de comportamento reprodutivo que podem ter influenciado a baixa fecundidade brasileira nos tempos atuais: o primeiro seria caracterizado por mulheres que iniciam e terminam sua vida reprodutiva ainda jovens e o segundo seria composto por mulheres que postergam a maternidade para acima de 30 anos.

Na Região Nordeste, a TFT variou entre 7,17 e 7,39 filhos por mulher no período de 1940 a 1960, quando os níveis permaneceram constantes ou com tendência crescente. O processo de declínio teve início no começo da década de 1970, reduzindo de 7,53 para 6,13 em 1980. Em 1991, a taxa foi de 3,70, declinando ainda mais no ano de 1996 para 3,12 filhos por mulher. A maior variação relativa, de -40%, ocorreu no período entre 1980 e 1991 (PERPÉTUO, 1998).

Na década de 1980, todos os estados nordestinos já apresentavam acentuados declínios em suas taxas de fecundidade, sendo os mais expressivos nos estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte e os menos acentuados no Maranhão e Alagoas. No período 1970-2010, o Rio Grande do Norte foi o estado responsável pela maior redução nos níveis de fecundidade da região, de 8,4 para 1,99; enquanto o Maranhão apresentou a menor variação nessa redução, de 7,3 para 2,5 filhos por mulher e foi caracterizado como o estado com a maior taxa de fecundidade no final do período (MOREIRA; FUSCO, 2015). Em função dos diferentes níveis de desenvolvimento observados na Região Nordeste, os resultados também sugerem, assim como ocorre no país e no mundo, um quadro diferenciado entre os estados da região em relação aos seus níveis de fecundidade.

Moreira e Fusco (2017) mapearam os níveis de fecundidade nordestina no ano de 2010, segundo as microrregiões. Os níveis de fecundidade foram menores nas zonas costeiras dos estados, onde estão situadas as capitais e, consequentemente, os polos de desenvolvimento econômico. Entre os estados, os níveis mais elevados foram observados no estado do Maranhão, exceto nas microrregiões de São Luís e Imperatriz, enquanto Pernambuco apresentou os níveis mais baixos para quase a totalidade de suas microrregiões.

As proporções de mulheres sem filhos no Nordeste foram analisadas por Moreira e Fusco (2014) no período 1970-2010. Considerando as coortes de mulheres nascidas em 1920- 1925 até 1960-1965, que correspondem às faixas etárias de 35-39 anos, 40-44 anos e 45-49 anos, foi observado um leve aumento no percentual dessas mulheres, excetuando-se o grupo etário 45-49 anos. Os autores indicam a possibilidade de aumento nessas proporções com a melhoria no nível de escolaridade, porém não há indícios de que o Nordeste se transforme em uma sociedade sem filhos.

Sobre a reprodução tardia, o Nordeste apresentou, entre os anos de 2000 e 2010, uma redução na proporção de mulheres com três ou mais filhos e um crescimento proporcional no grupo de mulheres sem filhos, com um e com dois filhos. Além disso, foi verificada uma redução proporcional do grupo de mulheres mais jovens com filhos, indicando uma possível postergação da maternidade (PIMENTEL, 2018).

Pimentel (2018) verificou a quantidade de filhos em cada estado do Nordeste nos anos de 2000 e 2010. Os resultados encontrados nos dois períodos evidenciaram as menores proporções de mulheres sem filhos para os estados do Maranhão (19,2%; 24,5%), Alagoas (22,3%; 26%) e Piauí (23,6%; 27,5%). E as maiores proporções foram identificadas nos estados de Pernambuco (25,7%; 29,1%) e Ceará (25,1%; 29,8%). Ao analisar o grupo de mulheres que

tiveram três filhos ou mais, as maiores proporções são constatadas para os dois períodos no Maranhão (49,7%; 35,7%), Piauí (43,4%; 35,7%) e Alagoas (44,1%; 31,1%).

A escassez de dados confiáveis aliada à preocupação em compreender melhor os indicadores de saúde sexual e reprodutiva conduziram à realização de pesquisas com a finalidade de levantar dados sobre mulheres em idade reprodutiva, ciclo reprodutivo e uso de métodos contraceptivos. Esses aspectos impactam diretamente nos níveis e padrões de fecundidade. Assim, tem-se início em 1986 a primeira DHS (Demographic Health Survey) realizada no Brasil. Desde o seu início, os assuntos mais abordados por pesquisadores da área foram relacionados à fecundidade: uso de métodos contraceptivos e demanda insatisfeita por planejamento da fecundidade (COUTINHO et al., 2015).

Diversos fatores são atribuídos às mudanças no padrão reprodutivo das mulheres brasileiras nas últimas décadas, como o deslocamento para as áreas urbanas, intensificando-se a urbanização, a economia e a participação feminina no mercado de trabalho e, além disso, um aumento relacionado aos custos de reprodução familiar (RIGOTTI, 2012). O regime de fecundidade no Brasil tem se caracterizado de forma heterogênea nas regiões, sendo observadas, principalmente, diferenças relacionadas ao nível socioeconômico e de escolaridade (JÚNIOR, 2007; BERQUÓ; GARCIA, 2012; CAVENAGHI; ALVES, 2013).

O início da comercialização da pílula anticoncepcional no Brasil ocorreu na década de 1960, mais precisamente no ano de 1962, despertando uma importante alteração nos padrões reprodutivos a partir daí (PEDRO, 2003). Em 1996, o método contraceptivo com maior frequência de utilização era a esterilização feminina (38,5%); em 2006, a pílula passou a ser o método mais utilizado (27,4%). A esterilização feminina teve sua prevalência reduzida no período, especialmente nas classes mais altas e entre mulheres mais escolarizadas, identificando a existência de diferenciais socioeconômicos na prática anticoncepcional (PERPÉTUO; WONG, 2009).

Salienta-se que resultado semelhante foi observado em um estudo comparativo entre a utilização de contraceptivos orais e injetáveis no período de 2013-2014. A prevalência dos contraceptivos orais foi maior (28,2%) do que os injetáveis (4,5%) e a maior parte das mulheres que utilizam os contraceptivos orais residem nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e pertencem às classes sociais A ou B (FARIAS et al., 2016). Ainda, a demanda insatisfeita por contracepção é maior em mulheres com piores condições socioeconômicas. Em 1996, o percentual de mulheres com necessidades insatisfeitas por métodos anticoncepcionais era de 7,3%, sendo 2,6% para espaçar e 4,7% para limitar. Norte e Nordeste representaram as regiões com maiores percentuais de demanda insatisfeita, sendo o Nordeste a região com maior

probabilidade de se encontrar uma mulher unida com necessidade insatisfeita, prevalecendo a de limitar (TAVARES, 2007).

Os tipos de métodos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres nordestinas foram avaliados por Perpétuo (1998). A esterilização feminina e a pílula anticoncepcional caracterizam-se como métodos mais frequentes no período de 1980 a 1996, porém cada um com participações diferenciadas nos diversos momentos. Em 1980, a esterilização foi verificada em 36,9% das mulheres, enquanto 34% faziam uso da pílula. As proporções de mulheres esterilizadas foram aumentando e o uso da pílula declinando, mostrando proporções de 46,3% e 32,6%; 60,8% e 24,1%; 62,2% e 20,4% nos anos de 1986, 1991 e 1996, respectivamente. Entre as mulheres casadas ou em união estável, o estudo de Potter e Caetano (1998) mostrou que 42,3% das mulheres nordestinas entre 15 e 49 anos estavam esterilizadas e 13,2% utilizavam a pílula anticoncepcional como método contraceptivo no ano de 1996.

A importância de expor essas mudanças nos padrões reprodutivos nas últimas décadas se deve aos principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama. Azevedo e Silva et al. (2016) mostraram que, quanto aos fatores de risco reprodutivos modificáveis para a neoplasia, 2,1% do total de casos de câncer para a população de 30 anos ou mais foi atribuída ao uso de contraceptivo oral; e, em relação à não amamentação, esse valor foi de 1,4%. Nos EUA, foi observada uma correlação entre os níveis de mortalidade por câncer de mama e os padrões de fecundidade; à medida que houve uma redução nos níveis de fecundidade, ocorreu um aumento na mortalidade por câncer de mama (KRUEGER; PRESTON, 2008). Na Coreia, a maior proporção de risco atribuível populacional de câncer esteve associada aos fatores reprodutivos (nuliparidade, gestação tardia, uso de anticoncepcional oral e não amamentação) (PARK et al.,2016).

Nessa direção, estudo realizado no Reino Unido também apresentou correlação entre a redução da taxa de fecundidade, o aumento do uso de contraceptivos orais e a elevação da taxa da taxa de incidência e mortalidade por câncer de mama (SANTOS SILVA; SWERDLOW, 1995). E, assim, as mudanças no comportamento reprodutivo das mulheres impactam a estrutura etária da população e, com isso, o perfil de morbimortalidade. No capítulo seguinte, discutiremos aspectos relacionados às transições epidemiológica e de mortalidade.