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1.7 Direitos à privacidade e à intimidade

1.7.3 Privacidade e intimidade: Distinção

A expressão right of privacy, utilizada por Samuel Warren e Louis Brandeis para pronunciar o pensamento de defesa da privacidade do indivíduo, não diferenciava a intimidade da vida privada e foi incorporada por outros Estados, que passaram a utilizar

123 CABRAL apud MORI, Amaury Haruo – Op. Cit. p. 27.

124 O referido artigo dispõe que: “ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, em sua

família, em seu domicílio, ou em sua correspondência, nem a atentados à sua honra e à sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais intromissões ou atentados”.

125 O art. 8o, 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece: “Toda pessoa tem direito ao respeito

de sua vida privada e familiar, de seu domicílio e de sua correspondência.”. Por sua vez, o art. 8o, 2, da referida

Convenção dispõe: “Não pode haver interferência de uma autoridade pública no exercício deste direito, ao menos que esta ingerência seja prevista por lei e constitua uma medida que, em uma sociedade democrática, é necessária à segurança nacional, à segurança pública, ao bem-estar econômico do país, à defesa da ordem e à prevenção de infrações penais, à proteção da saúde ou da moral, à proteção dos direitos e das liberdades alheias.”

126 O art. 11 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos de 1969 estabelece: “Toda pessoa tem o direito

de ter sua honra respeitada e sua dignidade reconhecida. Ninguém pode ser objeto de interferência arbitrária ou abusiva em sua vida privada, sua família, seu lar ou sua correspondência, ou de ataques ilegais à sua honra ou reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

indiscriminadamente o termo privacidade como sinônimo de intimidade ou de vida privada, o que gerou uma confusão que paira até os dias atuais128.

Por essa razão, a doutrina não estabelece de maneira uniforme o sentido do emprego dos termos “privacidade” e “intimidade” e, em diversas situações, utiliza tais termos como sinônimos.

Entretanto, os autores que tratam do assunto normalmente citam a teoria das três esferas concêntricas, oriunda da doutrina alemã, para auxiliar na distinção entre as esferas íntima, privada e pública.

Amaury Haruo Mori129, citando Rita Amaral Cabral, trata da referida doutrina alemã quando afirma que dentro da esfera pública inserem-se os acontecimentos que estão ao alcance do conhecimento de todos, incluindo-se aqui os atos praticados em público e com a intenção de torná-los públicos, assim como os atos não públicos, mas de interesse público.

Por outro lado, a esfera da vida privada refere-se a acontecimentos que são compartilhados com um número restrito de indivíduos.

Finalmente, a esfera da vida íntima compreende gestos e fatos que não são submetidos ao conhecimento de outras pessoas, sendo exemplos o passado, o sentimento, os valores ideológicos, o estado de saúde.

Pedro Pais de Vasconcelos, na mesma linha de entendimento, dispõe que a esfera da vida íntima compreende o que há de mais secreto da vida pessoal, que a pessoa nunca ou quase nunca partilha com outras pessoas, senão com pessoas muito próximas, como a sexualidade, a afetividade, a saúde e a nudez, enquanto que a esfera da vida privada seria mais ampla, envolvendo aspectos que as pessoas comungam com pessoas de sua relação, mas não a conhecidos ou ao público130. Por fim, a esfera pública envolveria tudo o mais que todas as pessoas têm acesso em razão de sua inserção na sociedade ou na vida em relação.

Também sobre a teoria das três esferas concêntricas discorre José Adércio Leite Sampaio131, destacando que essa teoria se funda no fato de que a sociabilidade da pessoa serve de limitação à liberdade individual. Menciona o referido autor que o nome ou a quantidade de esferas variam de um autor para outro, mas que podem ser resumidas da seguinte maneira: a) a esfera mais interna é denominada de intimidade ou de segredo, a depender do autor, tendo o Tribunal Constitucional alemão se referido a ela como “o âmbito

128 AGOSTINI, Leonardo Cesar de – Op. Cit. p. 106. 129 MORI, Amaury Haruo – Op. Cit. p. 31.

130 VASCONCELOS, Pedro Pais – Teoria Geral do Direito Civil. p. 64.

131 SAMPAIO, José Adércio Leite – Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da

sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del

último intangível da liberdade humana”, “âmbito mais íntimo”, “esfera íntima inatingível”, “núcleo absolutamente protegido da organização da vida privada”, consistindo no âmbito mais íntimo da pessoa que não interage com os outros, e, por isso, a princípio, seria o âmbito isolado, mas que alguns autores consideram ser de relação com um número limitado de pessoas imediatamente correlacionadas; b) a esfera da vida privada, que seria formada por grupos sociais limitados dos quais a pessoa participa (família, parentes, amigos, colegas, colaboradores), devendo as notícias, os assuntos e as cenas que envolvam as pessoas do grupo ficar, a princípio, alheios às demais pessoas, grupos sociais e ao Estado; e c) as esferas sociais e públicas, que englobariam aquilo que não estivesse incluído na esfera privada, mormente o campo de atuação política e social do cidadão.

A teoria das três esferas, contudo, não está imune às críticas, principalmente porque há uma escala progressiva e gradual entre o que é íntimo e o que é público, podendo, no caso concreto, as pessoas envolvidas fixarem que algumas situações são mais ou menos íntimas ou mais ou menos privadas que outras situações, o que tornaria impossível reconhecer a existência de apenas três estratos (vida pública, privada e íntima)132.

Também haveria a incerteza, em algumas situações, quanto ao enquadramento de certos assuntos em uma ou outra esfera e, ademais, a sociabilidade da pessoa não pode ser fundamento único para a proteção, sob pena de a intimidade e a privacidade serem reduzidas a um estado de isolamento da pessoa133.

Tratando da distinção entre o direito à privacidade e o direito à intimidade, Gilberto Haddad Jabur134 menciona que “o direito à vida privada posiciona-se como gênero ao qual pertencem o direito à intimidade e o direito ao segredo. A vida privada é esfera que concentra, em escala decrescente, outros direitos relativos à restrição de vida pessoal de cada um”.

Do exposto, é possível concluir que o direito à privacidade é mais amplo e envolve o direito à intimidade, sendo ambos direitos da personalidade, protegidos pelo ordenamento jurídico com a finalidade de preservação da dignidade da pessoa humana.

132 MORI, Amaury Haruo – Op. Cit. p. 32.

133 SAMPAIO, José Adércio Leite – Op. Cit. p. 258. 134 JABUR, Gilberto Haddad – Op. Cit. p. 256.

1.7.4 Proteção normativa na legislação brasileira e portuguesa sobre os direitos à