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Capítulo II O que é a televisão?

2.3 As televisões públicas e privadas

2.3.1 Privatização da Televisão em Portugal

As televisões privadas representaram um fenómeno recente na Europa e só atingiram o seu auge na década de 80. Desde então começaram a impor-se, pois até aos anos 80 eram recusadas, em parte devido ao sistema e também “pelo receio suscitado por este novo médium, ainda mais inquietante do que a rádio, na medida que traz a imagem” (Wolton, 1994, pág.23). “No final dos anos 80, notava-se, por toda a Europa, dominada pelas TV´s de Estado, alguma irritação entre a audiência com a oferta disponível. Os gostos tornavam-se mais variados e a oferta não correspondia” (Torres, 2011, pág.52). O povo precisava de opção de escolha e a estatização já não era solução para as suas necessidades. Desta forma surge o fim do monopólio estatal.

A privatização da televisão em Portugal só emergiu no ano de 1992 com a criação do primeiro canal privado, a SIC. Quatro meses depois aparece a TVI. Com o aparecimento das televisões privadas acaba-se o monopólio da RTP, que durante 35 anos foi o único canal disponível para o público português. Eduardo Coelho frisa que um serviço público é “a prestação de um serviço que exige um investimento do estado porque, segundo a pura lógica de mercado, esse mesmo serviço não poderá ser prestado com as mesmas caraterísticas de natureza, eficiência e qualidade pela iniciativa privada”. (Coelho in Brandão, 2002, pág. 19).

“A televisão privada considera assim o público como uma mera audiência consumidora, esquecendo-se que hoje os media, e principalmente a televisão, são um “importante fator de criação de perceção culturais partilhadas sobre o que existe”” (Brandão, 2002, pág. 64).

Esta mudança estrutural acarretou consequências, nomeadamente a profunda alteração da oferta na televisão, não só nas televisões privadas (que acabaram de nascer), mas em toda a televisão, levando por arrasto a RTP, que sofreu alterações devido a esta

mudança estrutural no sistema. As transformações foram evidentes “não só nos conteúdos, géneros, protagonistas, estilo, visual, dinamismo, grafismo e relação com a audiência” (Torres, 2011, pág.53). Após esta transição, a atitude da TV perante o povo muda completamente. Em dez anos “a atitude educativa e paternalista - culta da TV sobre o povo - foi substituída por uma atitude de tudo-é-entretenimento e paternalista–popular, pela qual a televisão se abriu ao povo como se fosse ela mesma povo e não o mesmo instrumento de aculturação de sempre” (Torres, 2011, pág. 53). No século XXI, a TVI altera o slogan “uma televisão feita para si”, por “uma televisão feita por si”, remetendo igualmente para uma mudança no sistema, pois hoje em dia a televisão já não é feita para o público mas a pensar no público (Torres, 2001, pág.53). A televisão perdeu a essência quando se começou a preocupar com os vetores económicos, a informação começou a ser planeada de forma a obter maior número de audiências. Estas transformações vinculadas em parte ao fator económico originaram também a perda da reflexão, pois em parte o tempo disponível para o pensamento foi roubado11 pela caixa mágica. Felisbela Lopes defende uma perspetiva crítica,

considerando as mudanças negativas, pois a televisão perdeu a essência e deixou de alimentar o pensamento.

Um serviço público é a “prestação de um serviço que exige um investimento do Estado porque, segundo a pura lógica de mercado, esse mesmo serviço não poderá ser prestado com as mesmas características de natureza, eficácia e qualidade pela iniciativa privada” (Brandão in Coelho, 2002, pág. 19). Em sentido muito prático, essas características supõe-se que sejam, entre outras, o acesso livre e universal por parte da população ao serviço de televisão, o contributo para a instrução do público e a defesa do património cultural português, a oferta diversificada e representativa dos vários públicos, a escolha de programas pela sua qualidade e não pela capacidade de atraírem audiências.

O aspeto fulcral quer para a televisão pública quer para a privada é a adoção de estratégias comerciais de forma a obter lucros, ou seja, à necessidade de gerar receitas, na ausência de outras fontes de rendimento suficientes para manter a estrutura. Atualmente, as verbas do orçamento do Estado não são suficientes para financiar toda a estrutura de uma televisão, logo há necessidade de recorrer à sedução do público de forma a cativar audiências e dessa forma usufruir das receitas publicitárias.Contudo, nos canais do Estado, nem sequer deveria existir este princípio de rentabilização, uma vez que a televisão pública tem como objetivo principal o direito à informação e à liberdade de expressão, nem sequer deveriam estar presentes fins economicistas pois “están ao servicio de la realización de un derecho fundamental: el derecho a la informacion y a la liberdad de expression” (Perales, 2000, pág. 36).

Para relacionar os termos cultura e televisão, podemos constatar que independentemente da televisão ser o meio que possui mais audiências, isto não significa que seja o meio de comunicação que dá mais ênfase à cultura. “Apesar das previsões dos anos 50-

11 García Avilés (1999) expõe que o fator mais prejudicial do audiovisual prende-se com “o valioso

60, a televisão não acabou com a cultura” (Wolton, 1994, pág.181). Esta afirmação proferida por Wolton não está totalmente desprovida de exatidão mas um pouco alienada no que respeita a um Portugal atual, uma vez que a cultura já não é detentora do mesmo prestígio. A emergência das sociedades de massas originou em parte o atual “cidadão da sociedade de consumo”, que contribuiu para a “exclusão da cultura e do saber” (Baudrillard, 1981, pág. 123).

2.4 A televisão e os programas culturais

O próprio termo televisão remete-nos para a tecnologia, ver e ouvir à distância. Quando este meio de comunicação surgiu, as primeiras idealizações recaíram na transmissão de peças teatrais e desportivas. Os telespetadores detinham especial interesse nesse tipo de programação, pois a própria televisão incutiu-lhes este tipo de transmissões e interesse no que respeita a participação e divulgação de eventos culturais. Porém, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, no final do século XX o panorama televisivo transfigurou-se de tal maneira que assistimos à criação de canais privados e até á luta desenfreada pelas audiências. Não podemos ignorar, de modo algum, que o “modus operandi” da sociedade que vivemos assenta numa lógica maioritariamente capitalista e assenta numa lógica de lucro. Os programas culturais começaram a ser substituídos por programas de entretenimento, pois estes, além de entreter o público, também têm o seu cariz económico.

Os meios baseiam-se apenas em lucros e os fins não serão os mais desejados, ou seja, a propagação da cultura só interessa aos meios de comunicação quando está estreitamente vinculada ao fator económico. Face a esta problemática, o assunto é estudado por vários autores ao longo dos séculos, mas é Bernard Miége que se destaca, pois já em 1978 é publicada a obra intitulada de Capitalisme et Industries Culturelles, onde se “defende que a produção cultural não pode ser vista como um todo submetido à mesma lógica” (Lopes, 1999, pág.20).

A cultura está presente nas nossas vidas, mas existem várias complicações na sua divulgação, pois existe uma grande quantidade de produtos propostos pelas indústrias culturais e isso acaba por não ser tarefa fácil para os jornalistas de cultura, pois existem critérios de noticiabilidade e a função do jornalista é ajudar o leitor a separar os bons e maus produtos. A televisão assume uma função de formação, logo têm que existir códigos deontológicos e critérios, de forma a que o que seja noticiado cumpra algumas das bases do jornalismo: informação credível, veraz, objetiva e atual. Porém, cada vez é mais difícil os jornalistas não deixarem “enredar-se” pelas agendas comerciais, produzidas pelas assessorias e indústrias culturais (Barradas, 2010). Os assessores e os gabinetes de imprensa têm como fim vender o seu produto e, se os jornalistas deixarem iludir-se, acabam por noticiar assuntos sem interesse. O papel de quem faz as agendas e dos editores é fundamental para que a cultura seja notícia e é natural que se tenha que distanciar certas informações pois o objetivo fundamental é apresentar a informação de forma mais isenta possível.

2.4.1. A ausência de programas culturais e o surgimento da