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O problema e sua importância

Ao contrário do ocorrido entre as décadas de 1950 e 1980, em que o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média anual de 7,4%, destacando-se a década de 1970 (8,67% de crescimento médio anual do PIB) e o período do “Milagre Econômico” (crescimento médio anual do PIB superior a 10%), o PIB nacional cresceu apenas 1,57% e 2,65% anualmente, em média, nas décadas de 1980 e 1990 respectivamente.

Tal contexto refletiu-se nas principais variáveis macroeconômicas, fato que pode se verificado pela inversão da taxa média anual de crescimento da renda disponível, que entre 1950 e 1980 foi de 7,82% e caiu para uma taxa média anual de 0,85% nas duas últimas décadas do século passado. Ainda com relação a essas duas décadas, a taxa de desemprego aberto nas principais regiões metropolitanas do país entre os anos de 1980 e 1999

cresceu 1,75 ponto percentual: de 6,5% em 1980 para 8,25% em 1999. De maneira análoga às taxas de crescimento da renda disponível, o consumo final apresentou taxa média anual de 7,5% entre as décadas de 1950 e 1980, que despencaram para 0,74% anuais entre os anos de 1980 e 2000.

O baixo crescimento da economia brasileira a partir dos anos 80 requer o entendimento não somente dos determinantes desse crescimento, que aparecem na função de produção neoclássica (capital e trabalho), mas também de outras questões que possam ter influenciado negativa ou positivamente esse processo, como os gastos governamentais, tema central do presente trabalho.

A questão referente à influência dos gastos governamentais no crescimento econômico torna-se relevante à medida que se analisam as relações apresentadas entre o comportamento desses gastos e o do PIB. Na seção 1.1 desta introdução, percebe-se claramente a estreita relação entre as trajetórias dos investimentos das três esferas de governo e do PIB, tanto em períodos de desenvolvimento acelerado – como o que compreendeu o Plano de Metas e o Milagre Econômico, 1950 a 1980 – quanto a partir de 1981, em que o PIB permaneceu estagnado.

No entanto, quando a análise é feita considerando-se os gastos totais, que somam aos investimentos os gastos de consumo, subsídios e transferências, percebe-se uma discrepância que merece destaque. No período entre 1950 e 1980, apesar de o país ter crescido substancialmente, a relação gasto/PIB não apresentou tendência crescente como a dos investimentos governamentais. Por sua vez, entre 1981 e 1998, os investimentos do governo não apresentaram tendência nítida, assim como o PIB, fato que não se estende aos gastos públicos totais, que apresentaram crescimento evidente nesse mesmo período (Figura 5).

0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 1950 1953 1956 1959 1962 1965 1968 1971 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 Anos Relação Gasto/PIB Fonte: IBGE (2005).

Figura 5 – Relação gastos governamentais1/PIB (federais, estaduais e muni-

cipais), no período de 1950 a 1999 – R$ 100.000,00 corrigidos pelo IPC-geral (base agosto/1994).

As complexas relações entre gasto público e crescimento econômico, a partir dos anos 50, aliadas ao ajuste fiscal, que se tornou peça fundamental das recentes políticas de estabilização, tornam imprescindível a discussão dos impactos dos gastos governamentais sobre o crescimento econômico, destacando a percepção de quais modalidades de gastos públicos são mais ou menos produtivas.

De acordo com Freebairn (1995), fatores políticos podem afetar economias distintas de diferentes maneiras, com destaque para a garantia de direitos e responsabilidades individuais, regulação, taxação e políticas setoriais. Esses fatores podem influenciar positiva ou negativamente os custos de transação, a oferta dos fatores produtivos capital e trabalho, além dos direitos de propriedade intelectual.

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Gastos governamentais compostos por gastos da União, Estados e Municípios em consumo, subsídios, transferências e investimento.

Uma limitação relacionada ao estudo da influência do governo no crescimento econômico via boa governança é sua difícil comprovação numérica; não só por isso, o setor público tem sua interferência no crescimento econômico negligenciada na literatura econômica pelos difundidos modelos de tradição neoclássica. Uma maneira de averiguar essa interferência é a investigação dos gastos governamentais não só num sentido quantitativo, mas também qualitativo, uma vez que a causalidade entre esses investimentos e o crescimento econômico ainda é assunto controverso (HUBER et al., 1993).

Para que o governo possa influenciar positivamente o desenvolvimento econômico, via oferta de bens públicos e semipúblicos, deve-se entender em que medida estes afetam não somente o crescimento econômico, como também a produtividade total dos fatores, de comprovada importância para a economia brasileira, como o fora em Elias (1990), além de comprovada importância em estudos para várias economias no mundo todo.

Uma alternativa para justificar o estudo dos gastos governamentais é que estes são capazes de impulsionar a acumulação dos outros determinantes de crescimento econômico. A relevância do capital físico governamental foi avaliada via gastos públicos com formação bruta de capital fixo em equipamentos, construções, além de investimentos e estoque de capital das empresas estatais com atividades relacionadas à infra-estrutura.

Investimentos em infra-estrutura econômica podem ser considerados complementares ao crescimento econômico, pela sua capacidade de aumentar a produtividade dos fatores privados, afetando positivamente a remuneração destes e estimulando, assim, emprego e novos investimentos (FERREIRA, 1994). Uma evidência empírica da importância dos investimentos em infra- estrutura econômica está relacionada aos significativos gastos realizados nesse setor, durante os períodos em que o Brasil mais cresceu, com destaque para o Plano de Metas, implementado no governo Juscelino Kubitschek (1956- 61), e para a retomada dessa modalidade de investimento que precedeu o Milagre Econômico (1968-73). Além disso, resultados de trabalhos como os de Ferreira e Malliagros (1998) comprovaram a importância dos gastos em infra- estrutura econômica, especialmente em energia elétrica, tanto para o PIB quanto para a Produtividade Total dos Fatores.

Uma outra vertente explorada no presente trabalho diz respeito à verificação da relevância dos gastos públicos por função relacionada à infra- estrutura econômica (transporte e comunicações) e social (saúde e saneamento, educação e cultura) (REZENDE, 1976). O estudo dos gastos funcionais em infra-estrutura social é ainda uma maneira indireta de examinar como o Estado trata o capital humano e qual a relevância dessa categoria de gasto público para o crescimento econômico. O dispêndio em educação pode ser considerado investimento público na formação de capital humano, e, elevando-se gastos em saúde, pode-se auferir aumento de eficiência do trabalho.

A desagregação do gasto público entre as esferas federal, estadual e municipal será discutida no referencial teórico e resulta da recente controvérsia sobre descentralização, impulsionada pela crescente relevância que as esferas estadual e municipal têm acumulado desde a Constituição de 1988. Desde então, a receita disponível do Governo Federal caiu de 46% para 35%, em favor da parcela dos estados, que aumentou de 36% para 42%, além do ganho dos municípios, cuja parcela passou de 18% para 23%. Outra evidência do fato é que 50% da receita dos impostos de renda e sobre produtos industrializados (duas significativas fontes de receita da União) é compartilhada com estados e municípios (LONGO; TROSTER, 1993).

Os gastos governamentais interferem no crescimento econômico não somente via formação bruta de capital fixo. Modelos teóricos e trabalhos empíricos, como os de Ram (1986), Aschauer (1989), Barro (1990) e Cândido Júnior (2001), entre outros, foram desenvolvidos com base na premissa de que os gastos públicos podem elevar o crescimento econômico, aumentando a produtividade de todo o setor privado.

A teoria recente que defende o crescimento endógeno, ao contrário da tradição neoclássica, ressalta que existem externalidades relativas à oferta desses bens públicos e semipúblicos que elevam os retornos privados, as taxas de poupança e a acumulação de capital, merecendo destaque o fato de que, se esses bens ou serviços não fossem ofertados pelo governo, provavelmente seriam subofertados. Desse modo, merecem atenção despesas relativas a consumo do governo, subsídios e transferências, que podem servir de incentivo à qualidade da mão-de-obra no primeiro caso ou apresentarem

caráter distributivo, como nos segundo e terceiro casos (CÂNDIDO JÚNIO R, 2001). Uma análise desagregada, nesse sentido, permitiria pontuar a importância de cada um dos tipos de gasto do governo.

Com base na importância histórica do dispêndio governamental no crescimento econômico, no caso do Brasil, torna-se necessário um estudo que tenha como preocupação a definição de qual desses gastos é mais importante para o crescimento econômico brasileiro, dadas as limitações a aumentos de receita que financiem esses gastos e o ajuste fiscal imposto para fins de estabilização econômica.

No tocante à relação gasto público e crescimento econômico, o presente trabalho avança ao desagregá-los entre esferas distintas de governo, dando mais subsídios à discussão recente sobre descentralização fiscal, além de apresentar análises desagregadas sobre estatais federais com atividades relacionadas à infra-estrutura e comparar, por meio de gastos funcionais, impactos da infra-estrutura econômica e social sobre o crescimento econômico brasileiro.