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Sobre a intervenção do Estado na economia

2.2. Modelo de crescimento endógeno com gasto governamental

2.2.2. Sobre a intervenção do Estado na economia

Antes da exposição do modelo sobre a influência do gasto público no crescimento econômico, cabe breve discussão sobre os aspectos teóricos que cercam a influência do Estado na economia. Apesar de indícios de que, quanto maiores o crescimento e a diversificação da atividade econômica das nações, maior tende a ser o envolvimento do Estado na economia e na sociedade, o tamanho do governo é ainda motivo de debate entre a doutrina clássica liberal e os partidários das doutrinas intervencionistas, principalmente após a revolução keynesiana na teoria econômica.

Adam Smith, contrário ao papel econômico do governo na sociedade, pontuou quatro funções básicas a serem desenvolvidas pelo Estado: defesa nacional, administração e justiça, provisão e manutenção de trabalho e instituições públicas. Essas idéias se baseiam na pressuposição de que o bem- estar fluiria da aplicação dos recursos escassos entre fins competitivos, de acordo com as preferências individuais. A adição de funções como a provisão de educação, saúde, serviços de bem-estar e seguro social, portanto, não interfere na principal idéia de Smith: o Estado não deve intervir no andamento das condições de mercado (FILELLINI, 1990).

Sobre a fluidez do bem-estar de acordo com a aplicação de recursos escassos entre fins competitivos, com base em preferências individuais, algumas características, como indivisibilidade do produto, externalidades, custos de produção decrescentes, mercados imperfeitos, riscos e incertezas na oferta de bens, impossibilitariam o setor privado de auferir, sozinho, tais resultados (GIAMBIAGI; ALÉM, 2001).

Essas idéias modificaram também as funções do governo, que passa a intervir de maneira mais direta na economia. As três funções básicas do governo na economia são a alocativa, a distributiva e a de estabilização. A primeira função se baseia no fato de que uma alocação eficiente de recursos não pode ser auferida somente pelo mercado – momento em que o Estado

entra, através do fornecimento de bens públicos. A função distributiva permite que a distribuição de renda se aproxime daquela considerada justa pela sociedade, e a função de estabilização tem como foco o controle da produção, de emprego, preços e equilíbrio do balanço de pagamentos, além do alcance de taxas apropriadas de crescimento econômico.

De acordo com Werneck (1990), a recuperação do processo de crescimento na economia brasileira não será factível sem um ajuste fiscal. No entanto, sabe-se que o sistema de mercado não possui uma tendência autônoma ao crescimento econômico; logo, uma política fiscal que enfoque gastos mais produtivos pode, a despeito de discussões sobre Estado Mínimo ou keynesiano, auxiliar na consecução de maiores taxas de crescimento econômico, uma das funções supracitadas.

No tocante a essa função específica do Estado, alguns modelos foram elaborados com a finalidade de relacionar crescimento econômico e gastos públicos. A lei dos dispêndios públicos crescentes de Wagner (1890), citado por Cândido Júnior (2001), postula que o crescimento econômico exige a participação cada vez maior do governo na oferta de bens públicos com base em: a) como os bens públicos são em grande parte superiores, o aumento da renda tende a aumentar a demanda por esses bens; b) maiores gastos com populações idosas são exigidos com a redução da taxa de mortalidade; e c) programas sociais aumentam a importância das transferências nos orçamentos públicos. A partir dessa premissa, Wagner constatou que o crescimento das atividades do governo era uma conseqüência natural do progresso social; com isso, o crescimento do gasto público era inevitável. Nessa mesma linha se encontra o trabalho de Peacock e Wiseman (1967), citados por Riani (1990).

Alguns modelos de mesma origem associam o crescimento dos gastos públicos aos estágios de desenvolvimento do país, com destaque para Musgrave (1969), Rostow (1974) e Herber (1979), todos citados por Riani (1990).

Musgrave discute que, independentemente da estrutura sociopolítica da sociedade, o tamanho eficiente do setor público variará de acordo com o estágio de desenvolvimento do país. Durante os primeiros estágios de desenvolvimento destaca-se a Formação Bruta de Capital Fixo, com importante suporte do governo. Há um estágio intermediário em que o governo investe

mais timidamente, complementando o crescimento dos investimentos do setor privado; contudo, no estágio seguinte de desenvolvimento a relação começa a crescer novamente, devido ao peculiar nível de renda da sociedade e suas necessidades de capital. Rostow, por sua vez, indica que o crescimento do terceiro estágio se deve mais aos gastos relativos a serviços sociais, e Herber defende que o crescimento do setor público no terceiro estágio é relativo a um novo período de industrialização, num nível de renda superior ao nível anterior.

Um tema referente às finanças públicas que ganha destaque neste trabalho é a descentralização fiscal. Dos resultados acerca das análises desagregadas das esferas subnacionais de governo (estados e municípios) contidas neste estudo, podem surgir argumentos favoráveis ou contrários à descentralização, alimentando ainda mais tal polêmica.

Após 1967, excessiva centralização dos poderes relativos às receitas fiscais empobreceu e tornou estados e municípios dependentes da União (LONGO, 1983). A partir do fim dos anos 70 e início dos 80, no entanto, o fenômeno da descentralização ganhou destaque, entendendo-se por descentralização a determinação de qual esfera pode administrar de maneira mais eficiente os impostos, os gastos, as transferências e as funções públicas.

Um dos resultados auferidos no trabalho dirá respeito à produtividade do setor público; nesse sentido, uma análise agregada sobre ela pode levar a conclusões enganosas. Sem abordagem mais desagregada, que permita examinar o grau de eficiência das diferentes esferas do governo, inferências sobre a ociosidade do funcionalismo são pouco úteis como balizadoras de medidas operacionais.

Vale lembrar que, se os bens públicos são fornecidos pelas esferas de governo mais próximas de seus beneficiários, a alocação destes tende a ser mais eficiente, principalmente pela sua melhor percepção das preferências locais, fato que se agrava quanto maior é a área nacional, pelas múltiplas e diferentes demandas locais de bens e serviços públicos. Além disso, uma maior autonomia aos governos subnacionais desconcentraria o poder político, fortalecendo a governabilidade e as instituições democráticas (GIAMBIAGI; ALÉM, 2001).

A base tributária de competência federal tem maior elasticidade-renda que as receitas de estados e municípios, mas, com relação aos gastos, essas

elasticidades são próximas, por influência da urbanização, da industrialização e do crescimento populacional, visto que a provisão de bens públicos, como educação básica, saúde, saneamento e transportes urbanos, é, também, atribuição de estados e municípios (FILELLINI, 1990).

Em suma, a incidência dos benefícios dos bens públicos e os custos dos impostos são, em geral, espacialmente limitados, e as preferências dos indivíduos de diferentes comunidades com relação ao nível ótimo de provisão de um bem público não são necessariamente as mesmas. Permite-se, com a descentralização, que o financiamento dos serviços públicos recaia sobre seus usuários e que o nível de composição dos gastos públicos se ajuste às preferências locais.

Ainda com relação à função do governo ligada ao crescimento econômico, cabe abordagem geral acerca da política tributária específica para tal crescimento, discussão que pode ser dissociada das medidas necessárias para tornar a aplicação desses recursos mais eficaz. A principal linha de atuação estatal nesse sentido diz respeito aos investimentos e pode ser resumida nos seguintes pontos (FILELLINI, 1994):

a) O capital público distingue-se do capital privado tanto pela função quanto pelo financiamento. Enquanto o primeiro é financiado pelos tributos e voltado para a construção de grandes equipamentos de infra-estrutura ligados à oferta de energia, transportes e comunicações, o segundo é financiado pelos lucros e volta-se para a produção direta de bens de mercado. Uma vez que ambos formam um todo articulado, políticas que desonerem os lucros podem incentivar a acumulação e o investimento, principalmente em períodos em que maior fatia de decisões de investimento cabe às empresas.

b) Deve-se permitir também às empresas, na caracterização do lucro tributável, que a depreciação do capital se dê a taxas maiores, principalmente nos primeiros anos dos novos investimentos.

c) Deduções para Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico podem estimular o surgimento de inovações, causas exógenas ao crescimento econômico.

d) Em troca de novos investimentos em máquinas e equipamentos podem ser concedidos créditos fiscais para as empresas, técnica mais conveniente para os cofres públicos, uma vez que o novo investimento é realizado antes da

concessão do crédito, facilitando a remoção do incentivo não considerado necessário.

e) A tributação dos ganhos de capital deve induzir a empresa a reter seus lucros na forma de novos investimentos e não distribuí-los em dividendos pagos.

Maiores investimentos exigem fonte adicional de financiamento, o que resulta em redução do consumo corrente e torna parte da produção disponível para a acumulação, o que pode ser facilitado pelos seguintes meios:

a) A fim de evitar o consumismo típico dos processos inflacionários, o Governo pode encorajar fontes internas de financiamento da acumulação, auferindo assim considerável estabilidade monetária e estimulando a formação de poupança.

b) A poupança do setor público, formada pelo aumento de receitas ou redução de despesas, pode ser aplicada na acumulação de capital público ou privado; no segundo caso, na forma de empréstimos ou participação acionária.

c) Pode-se estabelecer, via tributação, incentivos à poupança ou desestímulos ao consumo de bens de luxo.

d) Podem ser criadas pelo governo instituições financeiras direcionadas à atração de poupanças e direcionamento destas para usos produtivos mais específicos.

e) Fontes externas de financiamento podem ser utilizadas temporariamente, evitando, assim, redução do consumo interno.

Mesmo com a reconhecida importância do investimento e da poupança nas teorias de crescimento econômico, há períodos em que o desenvolvimento deve ser estimulado a partir de um momento de recessão. Há, então, necessidade de se expandir a demanda agregada via consumo, mais que através do estímulo direto ao investimento, dada a dificuldade de ocorrência deles sem anterior expectativa de melhores níveis de consumo. Para isso, sugerem -se os seguintes ajustes:

a) Como os grupos de baixa renda geralmente consomem integralmente seus acréscimos aquisitivos, maiores isenções tributárias para suas rendas tendem a incentivar o consumo.

b) Redução de alíquotas dos impostos incidentes sobre consumo, usualmente de caráter fortemente regressivo.

c) A tributação que financia o investimento público deve ser concentrada em áreas que não afetem o consumo, como rendas pessoais elevadas, heranças e ganhos financeiros especulativos.