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Problemas ambientais vivenciados pelos entrevistados

4.3 O MODO DE VIDA DOS/AS PRODUTORES/AS DE

4.3.2 Problemas ambientais vivenciados pelos entrevistados

Dois problemas ambientais que aparecem nas entrevistas e que têm repercussão no trabalho e na vida das famílias dizem respeito à suspeita da contaminação do manancial de abastecimento de água por agrotóxicos do município de Arapongas (A1, A2, A3) e à pulverização aérea desses produtos nas propriedades vizinhas em ambos os municípios estudados (A1, D1).

Foram localizadas várias matérias na internet que dizem respeito ao problema da contaminação da água em Arapongas. Matéria publicada em 2009, intitulada “MP retoma a investigação no Ribeirão dos Apertados/MP retoma investigação em Arapongas” (JUSBRASIL, 2009) informa que, em 2002, os moradores de Aricanduva, em Arapongas, denunciaram a contaminação da água

31 Dentre as garantias expressas na NR31, ressaltamos a responsabilidade do empregador em

realizar avaliação de risco e adotar medidas de prevenção; promover melhorias nas condições de trabalho; assegurar a divulgação dos direitos dos trabalhadores; adotar procedimentos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho; informar os trabalhadores dos riscos e das medidas implantadas, realizar exames médicos (BRASIL, 2013d).

por produtos químicos provenientes da empresa NORTOX. Em 2008, foi noticiado que, por suspeita de contaminação da água por “produtos agroquímicos”, a Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), interrompeu o abastecimento de água para a população (PARANAONLINE, 2008). Ainda no mesmo ano, matéria publicada pelo jornal Gazeta do Povo (2008) informou a ocorrência de morte de centenas de peixes nos córregos de Arapongas e a suspeita de que a contaminação foi causada pela empresa de agrotóxicos.

Em reunião32 realizada em 2013 entre os moradores de Aricanduva e

técnicos de órgãos governamentais, foi relatada a persistência do problema da contaminação da água em Arapongas. Além disso, foi referido forte odor de produtos químicos emitidos pela indústria na região. Os que residem mais próximo à planta industrial indicaram ruído das máquinas e emissão de um pó branco pelas chaminés. Relataram também que no período da noite utilizavam toalhas molhadas nas frestas de janelas e portas para evitar a entrada dos produtos. Segundo, ainda, os representantes dos moradores, um indicativo da contaminação era que a empresa comprava a área com a identificação de poço contaminado. Muitas propriedades já foram adquiridas pela mesma. Conforme noticiado pelo jornal O Paraná (2014), foram encontrados produtos agrotóxicos na água de consumo humano em Aricanduva. A análise da água foi feita a pedido do Ministério Público Estadual. Devido a esse problema, a SANEPAR realizou também a análise da água e divulgou para os moradores a informação de que a água não estava poluída (Anexo D).

Neste contexto, os moradores do assentamento, em conjunto com moradores de Aricanduva, criaram o Movimento Nacional em Defesa dos Mananciais. Conforme o fragmento da fala do entrevistado, a contaminação por agrotóxicos do solo e da água, compromete a saúde da população do campo e da cidade, assim como os sistemas de produção:

A gente sabe que tem propriedade parando de produzir. As empresas não produzem mais frango, porque a água não é adequada para criar frango. Outros sitiantes venderam o sítio, porque descobriram que a água está contaminada. Com mais o problema de geada, estão indo embora. Então uma grande preocupação nossa

32 Informações apresentadas em 13 de maio de 2013 em reunião realizada por representantes dos

moradores do município de Arapongas, atingidos pelo problema da contaminação da água e do ar, com a participação de técnicos do Ministério do Trabalho e da Secretaria do Estado da Saúde, na qual a pesquisadora participou.

aqui no assentamento é que qualquer linha de produção no futuro pode ser que não seja mais viável, a produção do bicho-da-seda, de leite, hortaliças e frutas. Se a água num dado momento tiver com contaminação que não possa ser usada nessa produção nessas plantações, tampouco vai servir para beber, tomar banho, fazer comida. Então essa é nossa grande preocupação, de repente a gente vai ter que ir embora, por não poder ficar num espaço que a água esta contaminada. É uma grande preocupação nossa. (A1). Quanto aos efeitos da exposição aos contaminantes químicos, o entrevistado chama a atenção para a ocorrência de casos de câncer em Arapongas:

Agora o câncer aqui em Arapongas é pela empresa. A empresa que tem um grande laboratório de veneno está poluindo o lençol das águas. Esse sim é que é um problema sério, seríssimo para as famílias araponguenses [...] ela polui os mananciais de água. Tem Syngenta, tem Monsanto, um monte de coisa e está tudo no Brasil. (A2).

A suspeita do entrevistado tem fundamento na medida em que Koifman e Hatagina (2003) elencam diversos estudos que fazem a associação entre agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer. Dentre esses, pesquisa realizada por Koifman, Koifman e Meyer (2002) com população dos arredores de uma fábrica de agrotóxicos no município de Duque de Caxias constatou o aumento da mortalidade por câncer de pâncreas, fígado, laringe e bexiga, dentre outros. Também no estudo de Meyer et al. (2003), na região serrana do Rio de Janeiro, o risco de chance da morte por câncer em trabalhadores agrícolas foi mais elevado.

A relação indicada pelo entrevistado e que tem base argumentativa a partir dos estudos existentes demonstra que os elementos da dinâmica dos territórios precisam ser captados na perspectiva de melhor identificar as necessidades de saúde dessa população.

O outro problema, relacionado à morte de lagartas provocadas pelo uso de agrotóxicos em áreas vizinhas as propriedades, apareceu de forma recorrente nas atas das reuniões da Câmara Técnica do Complexo da Seda do Estado do Paraná33 e na indicação dos entrevistados (A1, D1).

33 Os problemas da contaminação e morte de lagartas por agrotóxicos devido à pulverização por

agrotóxicos foram discutidos pela Câmara Técnica nas reuniões de novembro de 2006; dezembro de 2010; maio, agosto e novembro de 2011; março, maio e dezembro de 2012; novembro de 2013; e março de 2014.

Em 2012, o problema da morte de lagartas por agrotóxicos atingiu 38 produtores em cinco municípios: Colorado, Paranacity, Uniflor, Castelo Branco e Nova Esperança (PARANÁ, 2013). Foi identificada a morte de lagartas por pulverização aérea nos municípios de Mandaguaçu, Atalaia, Cruzeiro do Sul, Ourizona, São Jorge do Ivaí e Itaguajé, entre outros (PARANÁ, 2013). Esse problema afetou 49 produtores com perdas financeiras na ordem de R$ 95.000,00 (PARANÁ, 2013).

No Assentamento Dorcelina Folador, em maio de 2014 também ocorreu a morte de lagartas de cinco sericicultores, assim como a contaminação de hortaliças e flores por agrotóxicos devido a pulverização aérea34. Um entrevistado de

Diamante do Sul (D2) também relatou morte de lagartas pelo uso de agrotóxicos em uma propriedade vizinha.

A morte das lagartas é um indicador ambiental de processo de contaminação que pode atingir as famílias tanto por exposição direta como também pela ingestão de hortaliças e animais envenenados. Diante disso, impõe-se a necessidade de uma abordagem de vigilância que articule os elementos da Saúde do Trabalhador e da saúde ambiental.

Ainda que se mantenham como campos disciplinares distintos ambos extensos, mas também com muito em comum – podem se nutrir de uma mesma cosmovisão, de um olhar abrangente que contemple estas férteis e complexas inter-relações, para com ele iluminar a pesquisa, a formação dos profissionais, as políticas públicas e a ação política da sociedade. (RIGOTTO, 2003, p. 400). Minayo-Gomez (2012) também refere a necessidade do campo da Saúde do Trabalhador incorporar, na análise, a inter-relação entre a produção, o consumo, o uso dos recursos naturais e o impacto disso ao ambiente e às populações.