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Capítulo 2 – A transposição do rio São Francisco para o Nordeste

2.3 Problematização e caracterização do corpus

A materialização ou não do projeto de transposição das águas do rio São Francisco para Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba dependerá de correlação de forças ideológicas dos grupos sociais interessados, cujas potencialidades, materializadas no universo de signos, estão presentes em tais dizeres.

Ao se referir ao signo, Mikhail Bakhtin, em Marxismo e filosofia da

linguagem (1986), assinado por Voloshinov, afirma que os objetos de natureza

físico-material do mundo recebem função no sistema da vida social, oriunda de um grupo organizado no transcurso de suas relações sociais, passando a ter significação além de suas próprias particularidades físico-materiais, que não significa nada por coincidir inteiramente com sua própria natureza. É a partir dessa

9 No texto Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1988), Bakhtin, quando reflete sobre “a

pessoa que fala no romance”, esclarece que o sujeito que fala no romance é sempre, em certo grau, um ideólogo e suas palavras são sempre um ideologema. Uma linguagem particular no romance representa sempre um ponto de vista particular sobre o mundo, [...]” (p.135).

10 Como salienta Mikhail Bakhtin (1986, p. 98): “Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é

uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida política. Uma inscrição, como toda enunciação monológica, é produziada para ser compreendida, é orientada para uma leitura no contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto é, no contexto do processo ideológico do qual ela é parte integrante”.

perspectiva que a pesquisa que ora pretendemos desenvolver tem o interesse de refletir os enunciados que versam sobre a viabilização do projeto.

Nesses termos, poder-se-ia caracterizá-lo, da perspectiva bakhtiniana, como uma realidade sígnica, de natureza ideológica, cuja viabilização o transforma em objeto polêmico, conflituoso, disputado por vários pontos de vista, efeitos das representações ideológicas. Poder-se-ia encontrá-lo em vários lugares, mas é no espaço do gênero jornalístico que o verificaremos.

No que se refere ao espaço jornalístico, de forma bastante genérica, diremos que a região Nordeste estará representado pela Gazeta do Oeste, O

Mossoroense, Tribuna do Norte e Diário de Natal, jornais de maior circulação no Rio

Grande do Norte, enquanto a Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e o Jornal da

Tarde, os dois primeiros de grande circulação no país, e o último circunscrito ao

Estado de São Paulo, representando a região Sudeste.

O objetivo maior desta reflexão, como já foi dito, é verificar as representações e seus procedimentos enunciativos, feitas e utilizadas pelos enunciados desses jornais, em 1994, em relação ao projeto de transposição. Duas questões são colocadas: a) Qual a representação feita pelos enunciados dos jornais

do Nordeste (Rio Grande do Norte) e do Sudeste (São Paulo) sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste? e b) Como são construídos tais enunciados na elaboração dessas representações? Diante dessas

indagações, esta reflexão propõe-se a investigar as questões:

a) como se dá a produção de sentido nesse gênero de discurso?

b) quais os procedimentos discursivos utilizados nesses enunciados para criar a representação do projeto de transposição do Rio São Francisco para o Nordeste?

c) como o espaço da região do Nordeste é construído nesses enunciados? d) quais as estratégias empregadas nesses enunciados, visando persuadir e/ou convencer os leitores?

e) com quem tais enunciados dialogam?

f) quais são os tipos de heterogeneidade que neles se encontram?

A motivação responsável pela escolha dessa temática deve-se a dois fatores: a) do projeto representar uma questão polêmica, política e econômica, e, sobretudo, ideológica, não somente para o Nordeste, mas para o Brasil, em face dos interesses dos grupos sociais envolvidos; e b) do próprio pesquisador, há décadas, ter uma relação direta com os vários efeitos da seca. No rastro dessas motivações: a) do Nordeste ser foco desse projeto; e b) de no Sudeste não existir o fenômeno da seca, e desta circular em jornais cuja repercussão atinge São Paulo e outros estados.

Ao consultar bibliotecas universitárias do país, como a UERN, UFC, USP e UNESP em Araraquara/SP, durante o período de 2002 a 2005, na área de linguagem, em especial em Análise do Discurso, encontramos trabalhos que abordam o discurso jornalístico, mas nenhum versando sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco para o Nordeste em quatro jornais do Rio Grande do Norte e três de São Paulo. Acreditamos ser esta a primeira iniciativa de tornar os enunciados desses jornais objeto de estudo. A importância e relevância desta reflexão residem no fato de que seus resultados poderão fornecer contribuições, no plano do entendimento enunciativo e social, àqueles interessados nas reflexões da relação entre discurso, sociedade e jornal, especificamente o jornalístico. Analistas de discurso, sociólogos, profissionais da educação, formadores de opinião, jornalistas, trabalhadores em geral, serão os beneficiários diretos.

Foram coletados oitenta e oito enunciados de jornais potiguares: Gazeta

do Oeste, O Mossoroense, Tribuna do Norte e Diário de Natal ; e paulistas, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Jornal da tarde, mas, para a constituição do corpus,

selecionamos (abaixo), conforme ordem cronológica de circulação, vinte e oito. Nestes termos, os elementos do item 2.2 constituem o contexto situacional de 1994, que determinaram o falar do projeto de transposição das águas do rio São Francisco para o Nordeste.

1. Gazeta do Oeste

N Título do enunciado Autor Circulação

01 Sonho nordestino Ney Lopes de Souza 20/02/1994

02 Água do São Francisco para o semi-árido Valter de Brito Guerra 22/05/1994

03 A transposição corre risco Rubens Coelho 06/08/1994

04 A transposição intransponível Emerson Linhares 19/08/1994

2. O Mossoroense

01 Análise & Fatos Laíre Rosado 13/03/1994

02 Análise & Fatos Laíre Rosado 26/05/1994

03 Aluízio não tem mais direito a perseguição política Crispiniano Neto 16/06/1994 04 Reflexões I: Chegando água do R.S.F. aos sertões Manuel L. Martins 17/06/1994

3. Diário de Natal

01 Itamar cria projeto de transposição das águas - 07/07/1994

02 Itamar quer apressar empréstimo para obras de transposição do rio

- 07/07/1994

03 AA define início da transposição - 12/08/1994

04 Aluízio censura FHC sobre obra Magno Martins 26/08/1994

4. Tribuna do Norte

01 O Projeto do São Francisco Aluízio Alves -

02 O velho Chico e as urnas João Emílio Falcão -

03 Preconceito contra o Nordeste - -

04 A utopia, o sonho, as águas Agnelo Alves 03/07/1994

5. Folha de S. Paulo

01 Nordeste ganha obra faraônica contra a seca Editoria 28/04/1994

02 A Bahia e o velho Chico Ruy Bacelar 09/06/1994

03 Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar Editoria Brasil 14/07/1994

6. O Estado de S. Paulo

01 Desvio do São Francisco cauda polêmica M. Morais/M.Bergamaschi 10/06/1994

02 Ricupero rejeita projeto de irrigação Guilherme Evelin 11/06/1994

03 Revivendo os projetos faraônicos - 12/06/1994

04 Ministro lança obra s/ verba orçamentária José Casado 18/06/1994

7. Jornal da Tarde

01 Projeto faraônico - 27/06/1994

02 S. Francisco: Alves ataca políticos - 25/07/1994

03 S. Francisco: ministro lança obra Vannildo Mendes 23/08/1994