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O PROCEDIMENTO ADOTADO NO DECRETO PRESIDENCIAL PARA FINS DE GARANTIA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

3 O DIREITO FUNDAMENTAL A UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PROBA

5 A DEMOCRACIA DELIBERATIVA APLICADA NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO

5.2 O PROCEDIMENTO ADOTADO NO DECRETO PRESIDENCIAL PARA FINS DE GARANTIA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Necessário, então, desenvolver o procedimento, a metodologia, de como os debates ocorrerão para fins de participação social, uma vez que o Decreto Presidencial especifica que o objetivo deve ser preciso e com prazo determinado em virtude da finalidade da proposta, tratadas em conferência nacional.

Nesse aspecto a proposta de debate para a inclusão da participação social contida no Decreto assemelha-se com a teoria habermasiana acerca do procedimentalismo. Por esse prisma a legitimidade decorreria do debate sobre temas de grande relevância nacional, envolvendo o corpo social, mas sem deixar de se reportar ao direito para pormenorizar o regramento necessário para que o discurso alcance seus pressupostos necessários, concedendo aos participantes potencialmente preparados e interessados a oportunidades da apresentação de seus argumentos sem coação alguma e, além disso, aparados na veracidade e na ética argumentativa.

O Decreto da Participação Social traz um procedimentalismo que não pode ser ignorado, apesar do conflituoso momento político pelo qual o Brasil padece.

As bases de participação institucionalidade ganha importância no aspecto evolutivo democrático de emancipação cidadão, pois elenca uma séria de modos de como o cidadão pode ser ouvido e de como a manifestação da fala de um ou de um pequeno quantitativo pode provocar mudanças no contexto da força da maioria.

Mas, também não se pode afastar que o ideal da participação cidadão ampla, por meio do procedimentalismo, requer um componente inspirador para o desenvolvimento democrático e aplicação das suas bases: a educação, a qual será tratada em tópico oportuno.

Dentre os nove236 mecanismos elencados no art. 2º e 6º do Decreto Presidencial,

interessante que se frise quatro deles: a conferência nacional, a audiência pública, a consulta pública e o ambiente virtual.

A conferência nacional propõe debates regulares, podendo incluir as deliberações sobre determinada proposta aos demais membros da federação. Assuntos de interesse geral e que toquem especificamente algum(s) Estado(s), como foi o caso da transposição do Rio São Francisco, podem ser pauta para conferência de grande repercussão nacional.

A audiência pública, por sua vez, vale-se do entendimento presencial e de manifestações oral, permitindo o verdadeiro diálogo entre os atores.

Já a consulta pública se caracteriza-se por ser consultiva e aberta a qualquer interessado, tendo por objetivo receber por escrito qualquer questionamento pertinente ao tema em debate da população civil.

Em sua conformação, o ambiente virtual visa a integrar as comunidades interessadas usando a tecnologia como mais uma forma de arena democrática.

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Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:

I - sociedade civil - o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações;

II - conselho de políticas públicas - instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas;

III - comissão de políticas públicas - instância colegiada temática, instituída por ato normativo, criada para o diálogo entre a sociedade civil e o governo em torno de objetivo específico, com prazo de funcionamento vinculado ao cumprimento de suas finalidades;

IV - conferência nacional - instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado;

V - ouvidoria pública federal - instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública;

VI - mesa de diálogo - mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais; VII - fórum interconselhos - mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas, no intuito de acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais, formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade;

VIII - audiência pública - mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais;

IX - consulta pública - mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação; e

X - ambiente virtual de participação social - mecanismo de interação social que utiliza tecnologias de informação e de comunicação, em especial a internet, para promover o diálogo entre administração pública federal e sociedade civil.

Parágrafo único. As definições previstas neste Decreto não implicam na desconstituição ou alteração de conselhos, comissões e demais instâncias de participação social já instituídos no âmbito do governo federal.

Essas quatro formas foram citadas porque representam, de certa forma, o que discorre a Teoria do Discurso lançada ao Executivo: participação a partir de debates. Primeiro, a questão de a proposta ser alçada a todos os entes federativos como forma ampla e integrada do debate público237. A questão do envolvimento cidadão nas manifestações

políticas de condução do Estado tem uma visão mais ampla que opinar em um debate cívico. O entrelaçamento do cidadão com o Estado deve advir, antes de mais nada, de uma política de educação adequada, pois a intenção não deve ser no sentido de uma participação qualquer, ou seja, oportuniza-se à participação ampla, a deliberação, por meio do diálogo, mas não se desenvolve a consciência política de agir em sociedade, ciente dos problemas e mecanismos de defesa e de compreensão clara das proposições do debate (como a veracidade dos fatos e dos argumentos).

Outro ponto, ainda polêmico, é de como mensurar a expressão “todos”. Segundo Habermas, “todos” se restringe àquelas pessoas conhecedoras do tema, pois seria logicamente inviável propor um debate com uma quantidade quase que inesgotável de participantes. O outro viés desse mesmo problema é se “todos os conhecedores do assunto a ser tratado e deliberado” realmente representam, democraticamente, os potenciais interessados no tema.

O exposto acima pode ser pensado tendo como exemplo Ações Civis Públicas de iniciativa do Ministério Público com o objetivo de fazer com que Prefeituras providenciem abrigo adequado para animais, com vista a promover o controle de zoonoses, retirando das ruas animais doentes o que preservaria a saúde das pessoas da comunidade.

O objetivo não é criticar a ação do Parquet, uma vez que tal medida tem o objetivo de prevenir possíveis doenças transmitidas ao homem por animais infectados, mas sim de tentar estabelecer um parâmetro para a aplicação da palavra “todos” no processo democrático de participação popular na atividade pública. Dessa forma, caso os interessados (consoante Habermas, e que será denominado aqui de “todos” em sentido restrito) sejam convocados a participar do debate sobre o controle de animais, estarão presente os agentes da área de saúde, médicos, veterinários, membros do ministério público, do judiciário, secretaria da saúde, dentre outros.

No entanto, a medida de controle epidêmico exige o emprego de recursos públicos que devem ser investidos na construção do abrigo de animais. E, esse tema em especial pode interessar a outros grupos, que também teriam interesse na aplicação da verba. Nesse sentido,

237 Já mencionada em linhas atrás quando foi proposto o exemplo de como ocorreria as deliberações por meio

pode-se pensar que a creche pública poderia está precisando de reparos no teto, pois tem perigo de desabar, ou de merenda escolar, ou um local para alojar idosos etc. Pode-se imaginar vários problemas que fazem parte da realidade brasileira e que também necessitam de enfrentamento pois dizem respeito ao bem-estar das pessoas e a direitos fundamentais.

Assim, partindo do pressuposto que “todos” pode representar uma cadeia ainda maior de pessoas interessadas na questão em foco, é permitido então falar em “todos” em sentido amplo, além do proposto por Habermas. Diante da identificação do problema quanto à definição de “todos”, resta perquirir como se daria a metodologia adequada para considerar a participação de todas as pessoas no processo de deliberação.

O Decreto Presidencial não tratou deste ponto, apenas menciona, indiscriminadamente, a expressão “todos” como meio de valorizar e se querer fortalecer os laços entre sociedade e governo. Entretanto, o terreno base da democracia está vinculado ao diálogo e à participação238, posto que cidadão é “[...] alguém que possui poder político;

alguém que se senta nos júris e nas assembleias [...]”239, que participa da vida política por

meio da atividade deliberativa, consoante pensamento aristotélico.

Deve-se então alargar o campo de participação efetiva do cidadão, sem perder o foco do procedimento previamente ajustado e dos aspectos metodológicos do debate, como desenhado por Habermas. A arena de discussão deve alcançar a todos, no sentido de que as reuniões devam estar preparadas para receber o maior número de grupos interessados.

Seria imprudente acreditar que todas as pessoas de uma sociedade possam participar por meio da fala das deliberações da vida política da comunidade, porém é necessário permitir que uma maior parte se faça presente, que seja possível aos pretensos interessados se manifestarem sobre a tese lançada, a fim de que se conclua pelo melhor argumento.

Modernamente as audiências públicas são utilizadas com o sentido de garantir a participação popular e acontecem, muitas das vezes, por iniciativa de membros do Ministério Público, com a participação de representantes dos poderes executivo e legislativo, que podem expor um tema e deliberar sobre ele. Entretanto, essa formatação não é suficiente para se compreender as audiências públicas como mecanismo efetivo de participação dialógico da sociedade com os Poderes do Estado.

238

Participação real, voltada ao debate, não me refiro a uma participação limitada a escolha de representantes.

239 ARISTÓTELES. Política. Tradução de Pedro Constantin Tolens. Coleção a Obra-Prima de cada Autor.

Necessário que haja a promoção de audiências que englobem grupos da sociedade, especialmente aqueles que têm uma ligação maior com o tema e são alcançados diretamente pelas consequências da decisão estatal a ser tomada, o que, em hipótese alguma, exclui interessados indiretos.

Nessa linha, o Decreto Presidencial especifica que as audiências públicas e as consultas públicas devem promover a ampla divulgação prévia da convocação, pormenorizando qual assunto a ser debatido, metodologia e a data e horário do evento e, além disso, devem permitir acesso livre aos sujeitos diretamente interessados como também àqueles indiretamente envolvidos.

A título de exemplo, no ano de 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA patrocinou uma audiência pública para debater dois pontos sobre a comercialização do tabaco: primeiro sobre a permissão de usar sabores adocicados, mentolados ou especiarias nos cigarros e nos derivados do tabaco; segundo, sobre regras para imagem de advertência nas embalagens do cigarro acerca dos riscos à saúde.240

Ocorreu que a convocação para essa audiência pública limitava o público pela quantidade de lugares disponível no auditório do Ministério da Saúde, na cidade do Rio de Janeiro. Devido a essa limitação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu suspender a reunião, atendendo, de forma positiva, o pleito judicial movido pelo Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco. O Sindicato alegou que o local, inicialmente escolhido pela ANVISA, reduzia a participação a duzentas pessoas, o que, para a entidade era insuficiente.

Atendendo ao pleito do Sindicato da Indústria do Tabaco, foi determinado pelo desembargador Vilson Darós que o local escolhido tivesse capacidade para abrigar mil pessoas, no mínimo. Dessa forma, a Anvisa programou a audiência pública para Ginásio de Esportes Nilson Nelson, em Brasília, com espaço para um público de 10 mil pessoas.

O relatório da decisão continha os principais argumentos, os quais serviram para sustentar o argumento final do desembargador em favor da entidade. A decisão tomada no Agravo de Instrumento nº 5014373-16.2011.404.0000/RS dispunha sobre pontos relevantes para o formato deliberativo de participação, como a relevância para a sociedade acerca do tema, local inadequado para realizar a audiência, posto ser o primeiro espaço designado

240

Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-11-18/anvisa-fara-audiencia- publica-sobre-fabricacao-e-publicidade-de-tabaco>. Acesso em 17 jun. 2015.

pequeno para atender a demanda, todas as partes devem ser ouvidas, que a população seja ouvida e que também seja considerada na tomada da decisão.241

Com base nesse pronunciamento judicial é possível perceber que valores como a ampla participação não pode sofrer limitação de qualquer ordem. Impor um quantitativo significa, em determinados casos, não permitir a manifestação de partes interessadas. Por outro lado, entender esse número ao infinito indica um caminho longo demais para o desfecho de temas importantes para a sociedade.

Sob esse foco, a Teoria do Discurso indicaria uma possível solução: a criação de ambientes virtuais também permite a participação de forma a agregar, inclusive, pessoas com deficiência no debate, garantindo diversidade dos participantes e técnicas de comunicação propícias ao diálogo.

Ademais, há ainda a obrigatoriedade de que da audiência pública, da consulta e do ambiente virtual gere respostas às proposições recebidas.

241 Sustenta o agravante, em síntese, que os assuntos das audiências programadas pela ANVISA são de grande relevância para a sociedade, tendo suscitado cerca de 250 mil manifestações por ocasião das Consultas

Públicas anteriormente realizadas. Alega que, em vista disso, o local designado para a audiência é

inadequado na medida em que comporta apenas 200 lugares. Refere que a Portaria nº 354/2006 da ANVISA

dispõe que todas as partes interessadas deverão ser ouvidas pelo presidente da audiência. Suscita, ainda, o Programa de Melhoria do Processo de Regulamentação da ANVISA segundo o qual 'é necessário que sejam garantidas todas as condições para que a audiência se realize plenamente, com a participação

ativa e efetiva da população, e que o seu conteúdo seja considerado quando da decisão. Para isso, a área

responsável deve adotar inicialmente as medidas administrativas perante a Unidade de Promoção de Eventos (Unipe), a fim de viabilizar a infra-estrutura necessária, conforme procedimento estabelecido em ato normativo específico'. Afirma que a realização da audiência nos modos em que programada fere os

princípios constitucionais da participação, da eficiência, do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, de petição e da informação administrativa. Aduz, outrossim, ter sido desrespeitada a regra

contida no Guia de Boas Práticas Regulatórias, da própria Agência agravada, segundo a qual as audiências

públicas devem ser agendadas com um prazo mínimo de 15 dias de antecedência . Requer sejam

antecipados os efeitos da tutela recursal, determinandose a suspensão das Audiências Públicas nº 02 e 03 e a redesignação do ato para um local adequado, observando-se o prazo de 15 dias de antecedência para fixação dadata.

(grifonosso)Disponívelm:<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/a66c168048959f8c87b8a7fa3581392 1/DEC+ AGRAVO+ ANVISA.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 17 jun. 2015.

5.3 A QUESTÃO DA VINCULAÇÃO DO GESTOR PÚBLICO AO CONSENSO