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3. Método

3.2. Procedimento de análise das informações

A análise das informações foi realizada a partir do discurso dos sujeitos, obtido tanto no contexto das observações exploratórias iniciais, quanto no das entrevistas. Por intermédio deste tipo de análise, pretendeu-se compreender o movimento dinâmico, histórico e cultural dos sentidos atribuídos pelos sujeitos ao lugar paterno no cuidado aos filhos e os aspectos que caracterizam esta relação, considerando-se o próprio discurso dos sujeitos como o objeto de estudo. Discurso não reflete uma situação, ele é uma situação. Ele é uma enunciação que torna possível considerar a performance da voz que o anuncia e o contexto social em que é anunciado (Bakhtin, 1998, p. 225).

Conforme Vygotski (1995), o pensamento se realiza e se refunda na palavra. Não há identidade entre pensamento e palavra, há uma unidade. A língua é constitutiva do sujeito e a consciência reflete e refrata a realidade.

Todo discurso é produzido socialmente e a análise do discurso é empregada buscando- se articulações entre texto e subjetividade. Destaca-se o fato de que, por intermédio do processo de análise do discurso, “não se objetiva alcançar o sentido do texto, até porque, de certo modo, isto seria reduzir a sua riqueza. Ao contrário, sua finalidade é, antes, fornecer uma interpretação dentre as várias possíveis” (Coutinho, p.328, 1998).

A pesquisadora realizou as entrevistas, as transcrições na íntegra e uma síntese de cada uma delas. Após todos este contatos com o material coletado, que implicaram várias leituras, estabeleceu-se uma familiaridade com o discurso dos entrevistados, que pode ser manuseado com maior facilidade. Quanto ao movimento de escritura do texto, ele também foi dialético. No processo de elaboração desta dissertação, as informações foram condensadas, “desorganizadas” de acordo com o referencial anterior e reorganizadas de maneiras outras, em todas as direções, até a elaboração da versão que ora se apresenta, que não necessariamente foi a mais satisfatória para a autora, mas a considerada possível dentro do contexto, especialmente tendo em vista a recém-encerrada situação de greve e os prazos estabelecidos pelos órgãos financiadores desta investigação.

Inicialmente, no produto das transcrições foram identificados “temas” gerais. Em seguida, trabalhou-se nestes temas com o intuito de se elaborar categorias mais específicas que permitissem a interpretação do material por intermédio do diálogo com a literatura especializada. Estas categorias de análise foram estabelecidas à posteriori, a partir das falas dos sujeitos, “elas vão sendo criadas, à medida que surgem nas respostas, para depois ser interpretadas à luz das teorias explicativas” (Franco, 1994, p.176).

O emprego da estratégia de análise do discurso sobre o material obtido favoreceu a identificação de contradições, lacunas e inconsistências discursivas, possibilitando um certo rigor analítico no processo de realização da investigação. Nesse sentido, os depoimentos foram alvo de análises em profundidade/verticais (internas a um mesmo discurso) e transversais (entre os discursos dos sujeitos).

Durante a análise do material obtido em campo, procurando-se compreender os dados que emergiram nas situações de observação ou de entrevista, foram identificados alguns pontos de encontro, similaridades, como também diferenças e particularidade dos sujeitos investigados. Assim, o grau de abrangência e transposição dos “resultados” e reflexões produzidos dependerá do tipo de relação que se possa estabelecer entre o micro-universo investigado e os universos sociais mais amplos.

Conforme Vygotski (1995), o estudo do singular é a chave da Psicologia Social, cabendo aos estudiosos deste campo legitimar o estudo da singularidade, a partir da consideração do sujeito como um modelo, um tipo, um exemplo ou um microcosmo da sociedade na qual está inserido. Esta relação entre singular e universal é possível na medida em que o sujeito se constitui em uma coletividade, compartilhando determinados significados produzidos ao longo da história dos grupos culturais nos quais se insere e, portanto, refrata e reflete este contexto no seu processo de constituição e modo de vida.

No processo de realização desta pesquisa não se tinha a pretensão de esgotar a temática, nem de forjar uma neutralidade, à priori, considerada inviável. Com fins de descrição e transparência científicos, aqui é reconhecida a intersubjetividade no processo de produção do conhecimento. De acordo com Bakhtin (1995), toda comunicação diz respeito ao contexto relacional entre os interlocutores e possibilita a atribuição de uma infinidade de significados. Vygotski (1995), por sua vez, afirma que “En determinadas condiciones, las palabras modifican su sentido y significado habituales y adoptan un significado especial proporcionado por las condiciones específicas de su aparición” (p.337).

O discurso elaborado pelos participantes foi produzido em um determinado contexto, entre outros aspectos, na relação com esta pesquisadora, tratando-se de um produto daquele momento, nem mais, nem menos do que isso. A produção sobre o também produto das entrevistas possibilitou a reflexão sobre o processo de constituição do sujeito face à paternidade, mas consiste em uma entre interpretações outras possíveis.

A passagem da entrevista com um dos participantes que será citada a seguir ilustra de maneira quase que didática a relação entre participante e interlocutor na produção discursiva. Cláudio estava narrando um episódio no qual uma garota disse que estava grávida dele,

contudo, ambos não haviam tido uma relação sexual com penetração vaginal, nem mesmo com ejaculação, limitando-se a “beijos”, nas palavras do rapaz, tendo ele acreditado que viria a ser pai. Então o rapaz afirmou: “Naquela época, a senhora pode até achar infantil, porque é infantil, eu não fiz relação sexual com aquela guria. (...) Pô, até acho que a senhora pode pensar, como é que ele não aprendeu na escola isso?”.

Tendo em vista o lugar social provavelmente atribuído à interlocutora (seja o de pesquisadora, ‘detentora de conhecimentos’, psicóloga e/ou adulta, entre outros), este participante passou a antecipar o que a mesma poderia estar pensando e a justificar-se a partir destas suposições. Este fenômeno é denominado por Orlandi (1993) como antecipações, as quais possibilitam ao falante avaliar as possibilidades de respostas no processo de argumentação.

Além do fato de que os significados elaborados pelos participantes são produtos daquele momento, para uma determinada ouvinte, declara-se aqui o reconhecimento da participação desta acadêmica no fenômeno estudado, na medida em que, até aquele momento, alguns dos sujeitos poderiam não ter sistematizado o que pensavam a este respeito. Esta carência de espaços voltados para a reflexão sobre seus projetos de vida, sugere a escassez ou ineficácia de políticas públicas que propiciem isto para a população adolescente.

Uma boneca russa pode consistir em metáfora do processo de escrita desta dissertação- um recorte de um fenômeno social, no caso, a paternidade, a escuta de alguns sujeitos entre tantos, discurso de cada um deles em um determinado contexto para esta investigadora, infinidade de possibilidades discursivas para cada investigador de posse do material coletado à luz de um determinado referencial teórico... Diante da análise combinatória de tantos fatores que contribuíram para que esta dissertação -e não outra- se tornasse o produto desta investigação, há que se abordar o caráter literário e (por que não?) ficcional deste trabalho, haja vista a maneira como foi administrada essa informação, a polissemia do que está registrado e o processo de criação dos personagens que foram sendo descritos da maneira que se considerou mais didática e possível.

A complexidade dos fatos aqui abordados supera os recursos lingüísticos disponíveis para descrevê-la e esgotá-la, ainda assim o produto desta investigação é polissêmico, bem como parcial e provisório. Segundo Orlandi (1999), "a condição da linguagem é a incompletude. Nem sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos, constituídos definitivamente. (...) Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também o lugar do possível" (1999, p. 52).