• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 5. Procedimentos metodológicos de pesquisa

5.3. Procedimento de análise das informações

Para análise dos dados adquiridos por meio das entrevistas, foram seguidos os procedimentos postulados por Aguiar e Ozella (2009), que apresentam a construção de “núcleos de significação” como meio de revelar os sentidos constituídos pelos sujeitos.

Assim, após a transcrição da entrevista, foram realizadas várias leituras flutuantes do material. Nesse momento, foram localizados temas e destacadas frases que, em seguida, constituíram-se em indicadores. Abaixo, segue exemplo desse processo realizado com o discurso da Professora Luciana.

Trecho de entrevista (na íntegra)

Pesquisadora: Queria que você contasse um pouco por que você foi fazer Pedagogia, por que se tornou professora de educação infantil?

Luciana: Então, eu terminei o colegial e não tinha menor ideia do que eu ia fazer. Eu não sabia mesmo. Daí eu conversando um pouco com a minha mãe “o que você vai fazer? Precisa começar a pensar...” Eu não fiz ENEM, eu não fiz nada disso. Eu sabia que ia fazer alguma coisa na PUC, porque meus irmãos já estavam fazendo PUC e a PUC era uma instituição do lado de casa e gratuita, por causa da minha mãe aqui e daí ela falou: “ah, acho que daria certo você fazer pedagogia, porque não é um campo restrito” Não é uma única área de atuação, tipo você vai fazer direito, você vai ser advogado, se você estudar, pode ser juiz, promotor, sei lá... Mas a Pedagogia me passou a sensação assim de que era um campo mais aberto, podia ter

40 Todos os sujeitos foram informados dos objetivos da pesquisa e estavam cientes que os dados fornecidos

seriam utilizados para esses fins, preservados suas identidades. Ver apresentação da pesquisa e termo de livre consentimento nos anexos I e II.

vários campos de trabalho: em RH de empresas e pode ser qualquer empresa... A gente fez uma conversa assim. Aí eu prestei e passei.

P: Então sua mãe que lhe incentivou a fazer Pedagogia?

L: Incentivou. Incentivou porque eu não tinha a menor ideia do que queria fazer mesmo. E daí a relação de candidato vaga na época era ridícula: 70 candidatas para 100 vagas. Aí, lógico que eu passei. E comecei a fazer. Eu entrei junto com uma amiga minha que estudou no colégio o tempo todo comigo e que também não sabia o que fazer, sabe!? A gente foi... “Vamos arriscar, se não rolar depois a gente presta outro vestibular”. E nunca parei para pensar “ah, eu gosto de criança, vai dar certo”.

Essas frases foram aglutinadas, por meio do critério de assimilaridade e contraposição, em quadros, possibilitando a construção dos chamados indicadores. Assim, por exemplo, a partir do discurso da professora Luciana foi possível organizar os seguintes quadros:

Escolha/ não escolha pelo magistério

“(...) eu terminei o colegial e não tinha a menor ideia do que eu ia fazer. Eu não sabia mesmo”

“Daí eu conversando um pouco com a minha mãe e (...) ela falou: “ah, acho que daria certo você fazer pedagogia, porque não é um campo restrito” (...) a pedagogia me passou a sensação assim de que era um campo mais aberto, podia ter vários campos de trabalho”

“E nunca parei para pensar: ah, eu gosto de criança, vai dar certo”. Não, não foi”

“Quando eu tinha que fazer estágio em outras escolas, durante a faculdade (...) a primeira vista, assim, eu pensei: “não vou trabalhar com criança”

(primeiro emprego em escolas) “(...) agora é minha chance de ter experiência em escola. Se eu não curtir, ótimo. Eu vou embora e vamos ver o que eu vou fazer da vida. E aí eu gostei muito, me dei

super bem”

“(...) eu fui para a pós e aí (...) eu conheci a coordenadora do infantil lá na pós (...) aí ela me chamou para substituir. Não sabia se ia dar certo, se eu ia curtir (...) eu fui me entregando... aí eu gostei muito. Eu não imaginava que ia ser tão legal. Eu nunca tive essa coisa de gostar muito de criança”

(ida para a educação infantil) “Porque foi o que foi rolando... Não foi uma escolha. Se tivesse vaga no fundamental, era no fundamental que eu estava até hoje”

Valorização/desvalorização “Participei da formação de professores alfabetizadores de adultos (...) só que eu não ganhava, não era um trabalho nada valorizado, mas enquanto eu fazia faculdade eu não sentia falta disso mesmo” (direção/coordenação) “(...) elas tentam até nos valorizar por toda a formação que a gente tem, por tudo que oferece para gente” (satisfação) “Com a profissão, sim (...) Estou tão tranquila lá, estou gostando tanto de estudar e trabalhar, só”

(acha que a formação oferecida pela escola é uma forma de valorizar) “Eu acho (...) Eu sinto que continuo estudando e eu gosto muito disso. Gosto. Gosto de estudar. A gente está sempre refletindo sobre a nossa prática e tentando fundamentar. Refletindo através de fundamentação teórica (...) eu acho legal, porque a gente consegue relacionar o tempo todo com a prática e avaliar a prática e planejar de outras formas. A gente tem milhares de assessorias”

“o currículo de funcionário da “Escola X”, quando apresentado a outras escolas construtivistas, porque tradicional nem vai conhecer, é super valorizado, você entra. Tem vaga, você está

dentro (...) A gente está lá, porque gosta de lá, mas (formação) é uma super valorização. A gente sabe que não é em todo lugar que tem”

(educação infantil desvalorizada) “Eu acho que é desvalorizada porque as pessoas... acho que não está certo, não é essa a ideia, não poderia ser, mas eu concordo que é, que apareça. Eu acho que justifica um pouco essa relação que os pais têm de que se eu contratar uma babá para ficar com meu filho, às vezes, vai dar até mais certo do que eu levar lá como um monte de professoras (...) Mas eu acho que é desvalorizada mesmo, porque parece que é muito fácil trabalhar com crianças, né!?”

Opinião da família/amigos e pais das crianças

“Na minha família eles compreendem muito bem, porque tem muito professor (...) eu converso muito com eles sobre tudo que eu estudo”

“Não me incomoda a relação da minha família... Eles não comentam nada, não valorizam, nem desvalorizam” “Agora os amigos...é engraçado. Tem uns que comentam

que...aquela coisa: “Ah, você não faz nada, fica brincando a tarde inteira (...) A impressão que eles passam é essa. Mas é na

brincadeira, porque a gente conversa muito, eu conto tudo o que eu aprendo, o que eu estudo. Eles vêem que eu não estou de brincadeira”

“(...) ficar lá brincando junto com elas a tarde inteira é muito fácil e essa visão que meus amigos têm (...) Eu acho que essa coisa, essa brincadeira que sai da boca deles, que são pessoas entendidas, que eu sempre explico um pouquinho o que acontece, sai não é à toa. Muita gente pensa realmente assim, quem não pensa somos nós, só, que estamos lá no dia-a-dia, e sabe que não é isso”.

Relação com as famílias das

crianças (famílias de crianças maiores/menores) “É muito diferente. As mães amadurecem muito. Como eu já trabalhei lá na escola desde o G3 até o G5, a relação com as mães do G3 é uma, a relação com as mães do G5 é outra, o G4 é uma passagem. É a maior briga na escola, porque as mães que entram no G2 e no G3 tratam a gente como cuidadora”

“no grupo 3 eu me sentia um pouco como cuidadora (...)” eles (pais) queriam saber se a criança estava bem, estava brincando, estava interagindo, pronto! (...) o que está aprendendo, o que não está aprendendo, não é interesse deles.”

“A gente não se sente menosprezada por isso, mas a gente sabe que é uma briga e a gente precisa mostrar que não é só isso, né? Que a escola não é só... até porque a gente precisa justificar para eles o quanto eles pagam de mensalidade, porque é muito caro e eles reclamam muito. E aí a gente justifica isso pelo trabalho” “No G5, elas já querem ver o resultado do nosso trabalho, principalmente na alfabetização (...) algumas querem resultado e valorizam nosso trabalho, por conta de saber que vai ter o resultado que espera, sabe, que não é fácil...”

“No G5, a gente começa o ano falando para eles o trabalho que vai ser desenvolvido com alfabetização. E assim: todas as crianças evoluem muito e começam a se envolver muito com a escrita, com a leitura, com a matemática e levam isso para casa. Então, os pais já mudam totalmente a postura com a gente (...) Os pais participam muito mais”

equívoco (...) Incomodava... me incomoda (...) mas não é uma questão de desvalorização”

“Eu tenho uma relação difícil com os pais das crianças (...) Eu falo com a criança, eu conquisto a criança, não quero conquistar o pai. E isso precisa fazer, então eu sofro um pouco com isso, mas o trabalho com as crianças compensa (...) Na escola precisa (fazer isso...) “

(motivo das famílias matricularem as crianças na EI) “(...) muitas é porque não quer ficar com a criança em casa (...) algumas, porque acreditam que é necessária mesmo para criança ter outros contatos, aprender a conhecer regras, respeitar regras, e dessa convivência mesmo (...) que em casa não vai ter”

Educar/cuidar/ Atividades da EI/ sentimento

“Mas a gente percebe que, de repente, a gente precisa dar luz ao trabalho. Mostrar a evolução do desenho da criança, a importância que a criança está dando, por exemplo, em um Grupo 3, já de reconhecer o seu nome, de localizar seus pertences pelo seu nome, ou de nomear essas coisas... Esses trabalhos iniciais”

“Para que eu estou lá? Eu estou para lavar os óculos da filha dela três vezes por dia e limpar o nariz cinco? (...) Eu não estou aqui para isso”

“Eu gostei muito de trabalhar com alfabetização”

“Eu acho que trabalho mesmo... a gente tem que elaborar muito mais modalidades didáticas, projetos, sequências, atividades permanentes... Elaborar, justificar, pensar muito mais nisso, sem apoio de material do que elas, porque elas (professoras do ensino fundamental) têm um livro, ou de história, ou de geografia (...) A impressão que eu tenho é que é mais fácil ser professora do fundamental, porque são mais salas, a coordenadora é uma só, as

questões com as mães são menores, tem a questão com a criança, com o conteúdo, a dinâmica é muito mais rápida, de conteúdos e lição, sei lá...”

“A gente (professor de EI) tem um pouco dessa relação de cuidar da criança, das relações entre eles, mais do que elas (professoras do Ensino Fundamental). A gente tem que ter um olhar mais atento para cada um e como cada um está desenvolvendo. E elas mais na questão “está conseguindo fazer, ou não está conseguindo fazer” (...) a gente tem que estar atento às interações que estão fazendo, com quem está brincando e isso elas não olham (...) elas dividem um pouco a responsabilidade, por isso acho que fica um pouco mais fácil (...) A gente na EI tem que estar atento à isso, até porque a mãe pergunta no final”

“Eu acho que cuidar da criança na escola como educadora não é só um cuidar sem intenção, tem uma intencionalidade e essa intencionalidade já transforma o ato de cuidar numa questão de educação (...) um cuidar para que nada de mal aconteça, para que dê tudo certo. Para mim, o cuidar vem nessa linha. E eu estou lá para cuidar de ninguém”

“(...) fico incomodada em pensar que isso (cuidar) é valorizado, que alguma coisinha assim é super valorizado em detrimento de várias outras super bacanas que acontecem e que estão também na minha função de educadora, entendeu? De mobilizá-los para formar leitores desde o G3, G2 (...) Envolver as crianças com a questão da leitura (...) todas essas coisas que a gente faz e fora isso, todos os projetos, as sequências, tal, é muito mais importante para eles e tudo isso está envolvido ali, a gente tem a hora de fazer as coisas que são relacionadas a cuidado, à higiene, a gente faz tudo isso durante a tarde, mas como eu faço na minha vida, como todo mundo faz e tem que fazer, porque são crianças pequenas”

Função da EI “O que a gente faz, tanto para o restante da escolaridade, para o Fundamental, o trabalho que a gente se desenvolve já muda, já planta uma sementinha que vai sendo mudada no cidadão que a gente está formando. A gente não pensa só no trabalho, a gente pensa na formação íntegra, completa da pessoa (...) não só dos conteúdos, mas dessa questão da preocupação que a escola tem com a formação do sujeito moral, autônomo socialmente(...) A gente é heterônomo em alguns momentos, mas a gente não quer formar pessoas assim”

“Eu acho que as crianças têm que brincar, muito. É o maior momento que elas têm para aprender a se relacionar, por meio dos conflitos elas vão aprender qual o melhor jeito de solucionar, isso é muito rico (...) é o momento de começar a interagir mesmo com o mundo, fora do mundinho da casa delas”

Condições de trabalho “ela (amiga que trabalha em outra instituição) recebe o dobro do que eu recebo, mas eu jamais trabalharia lá, porque eu não acredito na proposta”

“(...) pensando que duas crianças pagam meu salário (...) pela quantidade de trabalho que a gente tem, de horas trabalhadas, não só dentro da escola, a gente leva muito trabalho para casa, dos estudos, das reuniões pedagógicas, um monte de texto para ler, relatório para fazer...”

“É muito trabalho para casa, a gente vive brigando, mas não adianta”

“Não é um salário... não é que é pouco, perto de muitas escolas, está bom, mas não é o justo”

Mais uma vez, foram realizadas diversas leituras. Assim, seguindo o mesmo critério de assimilaridade e contraposição, foi possível construir os núcleos de significação, que serão

apresentados no capítulo 6. Esse procedimento foi repetido para análise dos discursos dos outros dois sujeitos: as professoras Maria e Rose. O trabalho segue, apresentando os núcleos construídos com o discurso de cada uma delas.