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2.10 Princípios Constitucionais que regem o Tribunal do Júri

2.2.2 Procedimento e legitimidade do desaforamento

O julgamento do pedido de desaforamento é exclusivo da instância superior, e o momento para alegar o desaforamento é após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, pois antes ainda não há certeza de que o acusado irá a julgamento e até o julgamento da causa pelo plenário do Júri, pois, a partir de então, o pedido estará prejudicado.

Salienta-se que o artigo 427, parágrafo 4º, determina que na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia, ou quando já efetivado o julgamento pelo Júri, não se admitirá o pedido de desaforamento.

Horonato (2016), explica que, o desaforamento se admite após o julgamento pelos jurados se somadas duas condições: se houver nulidade da decisão e o fato tiver ocorrido durante ou após a realização do julgamento.

Assim, se no curso do julgamento em plenário se verifica que há risco à segurança pessoal do acusado e caso venha a ser anulado este julgamento por qualquer causa, poderá ser formulado novo pedido de desaforamento. Em sendo admitido o desaforamento após o julgamento, o instituto poderia ser utilizado para buscar censurar a decisão anterior dos jurados, em violação ao princípio da soberania dos veredictos. Justamente por isto o simples fato de ter ocorrido fato novo que justifique o desaforamento durante ou após a sessão de julgamento não é suficiente para o pleito de desaforamento posterior. Apenas em caso de anulação da decisão dos jurados, somada à ocorrência de fato posterior (HORONATO, 2016).

Quanto à legitimidade para o desaforamento, no caso de interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade dos jurados e segurança pelo acusado, Lima (2017), refere que todos os envolvidos no feito poderão requerê-lo. Além do Ministério Público, querelante, do juiz e da defesa, inovou-se ao prever expressamente que o assistente de acusação pode formular o desaforamento, o que era contravertido na legislação anterior, inclusive na jurisprudência do STF.

O Código de Processo Penal prevê em dois dispositivos, as causas determinantes de desaforamento, são essas: a) se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou segurança pessoal do acusado (art. 427): b) em razão de comprovado excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da pronúncia (art. 428) (BRASIL, 1941).

Renato Brasileiro de Lima (2017, p. 1380), refere que em relação à primeira causa que enseja o desaforamento, refere-se à intranquilidade social e os distúrbios locais que poderão ocorrer com a realização do julgamento na Comarca onde o processo tramitou. Notícias e reportagens sensacionalistas publicadas rotineiramente na imprensa não acarretam, por si só, a conclusão no sentido de que a ordem pública exija a modificação da competência para o julgamento.

Na segunda situação do item “a”, no que se refere à imparcialidade do júri, o autor, Lima (2017), refere que procura-se preservar um pressuposto processual subjetivo, referente ao juiz, que todo magistrado deve ostentar, ou seja, a imparcialidade (e o jurado é um juiz não togado). No entanto, a mera desconfiança sobre a imparcialidade do Conselho de Sentença não pode levar ao desaforamento. É preciso que exista prova robusta a esse respeito. Salienta-se que

para ensejar o desaforamento, a dúvida sobre a imparcialidade do júri deve ter por si razões graves, baseadas em fatos devidamente comprovados.

Ainda em relação ao item “a”, é imprescindível o cuidado em relação à segurança do acusado, que deve ser mantida intacta, sendo que diante de perigo para a vida ou integridade corpórea do acusado, a lei autoriza seja o réu julgado noutro foro.

Outra hipótese que pode levar ao desaforamento, excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, conforme artigo 428, caput, do Código de Processo Penal Brasileiro, procura- se privilegiar o princípio da celeridade na prestação jurisdicional, bem como o da razoável duração do processo, hoje inclusive erigidos à condição de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, LXXVIII, da CF).

Sobre essa última hipótese de desaforamento, com certa dose de razoabilidade, Nucci (2008) sustenta que, embora a lei não seja expressa, cremos indispensável que essa hipótese somente seja deferida nos casos de réus presos, pois os soltos podem perfeitamente aguardar a ocorrência do julgamento por mais tempo. Refere, contudo, que não se pode esquecer que o réu também tem interesse em livrar-se de um processo o mais rápido possível, pois grandes são os transtornos que um feito criminal lhe causa, mormente quando improcedente a acusação que pesa contra si.

Para finalização, salienta-se que não se deve confundir o deslocamento de competência, referente ao desaforamento, com o Incidente de Deslocamento de Competência a que se refere o artigo 109, § 5º17, da Constituição Federal, isso porque, no que tange ao desaforamento, esse processo se desloca de uma comarca para outra, ficando, no entanto, sob a jurisdição da Justiça Estadual, ou de uma seção judiciária para outra, no âmbito da Justiça Federal. Contudo, em se tratando de Incidente de Deslocamento da Competência o processo sai da jurisdição da Justiça Estadual e passa para Justiça Federal.

17 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos

humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

3 A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E REDES SOCIAIS NA FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS

Para iniciar o debate neste capítulo, importante relembrar os principais pontos relatados no primeiro capítulo deste trabalho, o primeiro deles é a definição dos meios de comunicação massa, que segundo Pfromm Netto (1984), são sete os meios de comunicação de massa, divididos me meios impressos e não impressos, sendo que jornais, revistas, livros e quadrinhos constituem o primeiro e cinema, rádio e televisão e internet, o segundo.

No que tange às redes sociais, Gabriel (2016), refere que podem ser definidas como uma “estrutura social formada por indivíduos (ou empresa), chamados de nós, que são ligados (conectados) por um ou mais tipos específicos de interdependência, como amizade, parentesco, proximidade/afinidade trocas financeiras, ódios/antipatias, relações sexuais, relacionamento de crenças, relacionamento de conhecimento e de prestígio.

Foi abordado ainda que os meios de comunicação de massa e redes sociais, possuem papel relevante na atual situação político-social, isso porque a eventual transmissão da informação pelos meios de comunicação é uma forma de concretizar objetivos do Estado Democrático de Direito, pois exibir para a população os acontecimentos e notícias atuais de forma célere é uma das finalidades dos meios de comunicação.

De acordo com Daniel de Sá e Castro (2014), a exposição excessiva do cometimento de crimes nas mídias de comunicação de massa e redes sociais é prática comum, pois através da intensidade das imagens é possível alargar a curiosidade do telespectador, facilitando muito a formação de opiniões em relação à autoria delitiva, bem como o rendimento de valores considerando o alto número de telespectadores.

O autor afirma ainda que a transmissão de notícias relacionadas à criminalidade pelas mídias de comunicação de massa e redes sociais tem crescimento constante, repassando uma imagem negativa acerca do acusado, sendo visto como efetivo autor do crime, sendo, assim, repudiado pela sociedade.

É importante lembrar o grande fascínio que as comunicações de massa e redes sociais exercem sobre as pessoas. Um exemplo claro é a imensa participação em votações de edições de “realitos shows”, apresentados.

Teixeira (2011) discorre sobre o assunto afirmando que:

É indiscutível o fascínio que as mensagens televisivas exercem sobre as pessoas. Pode-se dizer que o espetáculo midiático tornou-se uma válvula de escape para o telespectador, que fornece, cada vez mais, audiência a programas que relatam o cotidiano humano, como os reality shows. Por exemplo, como explicar os mais de 2 bilhões e 500 milhões de votos nas 10 edições do Big Brother Brasil? Os números da participação popular são alarmantes e demonstram que o público não somente alimenta esse tipo de espetáculo, mas gosta da interação proporcionada pela mídia.

Contudo, sabe-se que é inevitável a veiculação de notícias, pois esta prática instrumentaliza a democracia. Porém, o que não deve acontecer quando está se tratando de crimes, é a divulgação equivocada dos fatos, criando um juízo de valor, o qual poderá de alguma forma influenciar na decisão dos jurados que compõe o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.

É o que Sanguiné (2001) dispõe:

Quando os órgãos da Administração de Justiça estão investigando um fato delitivo, a circunstância de que os meios de comunicação. social proporcionam informação sobre o mesmo é algo correto e necessário numa sociedade democrática Porém uma questão é proporcionar informação e outra é realizar julgamentos sobre ela. É preciso, portanto, partir de uma distinção entre informação sobre o fato e realização de valor com caráter prévio e durante o tempo em que se está celebrando o julgamento. Quando isso se produz, estamos ante um juízo prévio/paralelo que pode afetar a imparcialidade do Juiz ou Tribunal, que, por sua vez, se reflete sobre o direito do acusado à presunção de inocência e o direito ao devido processo legal (SEGUINÉ, 2001, p. 268).

Com a leitura do trecho da doutrina acima, percebe-se que o legislador preocupa-se em reforçar a democracia em relação à publicidade, ou seja, mostrando o direito da mídia em veicular notícias/informações à sociedade.

Toaldo (2012), Nunes (2012) e Mayne (2012), referem que havendo qualquer tipo de conflito entre a publicidades e qualquer direito fundamental, que visa preservar a dignidade da

pessoa humana, deverá, o segundo prevalecer, acabando por justificar a necessidade do segredo de justiça em determinados assuntos ou até mesmo o desaforamento.

Salientam, também que tal norma guarda inteira relação com o direito à informação, pois uma vez sendo constitucionalmente obrigatória a publicidade dos julgamentos, permite que a mídia faça a cobertura do processo, contudo, deve atender os objetivos de uma profissão com ética, preservando os interesses das partes envolvidas.

Mesmo com as normas que garantem a dignidade da pessoa humana, em determinadas circunstâncias o que verifica-se é uma pressão expressa, pois os meios de comunicações, ao transmitir os fatos, promovem simulações em formas de teatros, criando características para o acusado e sugerindo penalidades a serem impostas, produzindo em consequência disto, uma consciência pública.

De acordo com Toaldo (2012), Nunes (2012) e Mayne (2012 a mídia é apontada como sendo o quarto poder, pois se percebe que ela hoje possui o poder de alterar a própria realidade, de manipular e produzir a sua versão dos fatos para introduzir novos posicionamentos, exercendo notável influência até mesmo nos poderes executivo, legislativo e judiciário.

A ampla publicidade, o fato de os jurados serem pessoas do povo e a competência para julgar crimes contra a vida tornam o Tribunal do Júri a instituição que mais desperta o interesse da população e é mais suscetível de sofrer influência da mídia. Dessa forma, a mídia acaba por “ocultar mostrando”, ou seja:

Mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade (WERMUTH, 2011, p. 46).

O perigo decorrente destas ações, conforme Wermuth (2011) é justamente o fato de que mídia de massa impõe ao conjunto da sociedade uma forma bastante peculiar de enxergar os problemas sociais, fruto de uma lógica mercadológica que busca, a todo custo, a audiência, ou seja, o sucesso comercial.

A potenciação desse perigo ocorre em virtude do fato de que o poder de evocação exercido pela mídia tem efeitos de mobilização.

A intenção das redes sociais e comunicações de massa é alcançar determinado resultado, que no estudo em comento os crimes dolosos contra a vida.

Aliado a tudo isso, a mídia cumpre, ainda, o papel intensificador dos sentimentos de medo e insegurança que relegitimam o sistema penal. Isso ocorre com a divulgação de discursos que incitam à punição, sem identificar as mazelas de que se reveste o sistema punitivo. Outra forma de auxiliar na intensificação do sistema penal reside na aniquilação conceitual dos direitos e garantias fundamentais de suspeitos, acusados e condenados, reduzindo-se o ideal garantista à falácia de “tolerância à bandidagem”. (BUDÓ, 2006, p. 11). Quando ocorre o cometimento de delitos famosos, ou seja, casos de grande repercussão, mesmo antes da sessão do Tribunal do Júri, a população e automaticamente eventuais jurados, acompanham um legitimo julgamento do acusado em rede nacional, que na maioria das vezes já é considerado culpado sem mesmo ter sido submetido à processo contraditório e ampla defesa.

Os meios de comunicação de massa e redes sociais, dedicam muito do seu tempo na “investigação” de crimes dolosos contra a vida, para posterior publicação de fatos escabrosos que atiçam a curiosidade da sociedade/espectador. Com essa prática, a população, por óbvio, em clima de revolta, clama por uma condenação. Sérgio Salomão Shecaira, refere que:

O mundo atual, mundo das comunicações, vive da ficção, da fantasia, em que a definição da realidade assume um papel maior que a própria realidade. As notícias disseminam-se com rapidez incontrolável e com cores muito fortes: textos e imagens, fotos e vídeos, depoimentos e closes revelam a crueza dos acontecimentos – corpos mutilados, nus, desfigurados; vidas devassadas sem qualquer pudor ou respeito pela privacidade; armas sofisticadas são retratadas em profusão; histórias de premeditação, de infortúnios e de deslizes morais. Nada escapa ao arguto olhar do repórter/narrador, que passa seu percuciente olho clínico na realidade, construindo seu próprio objeto de investigação e análise. Sentimentos intensos e ocultos como a agressividade, os preconceitos sociais, raciais e morais e, principalmente, o medo ganham vida própria no grande espetáculo (SCHECAIRA, 2002, p. 378).

Em atenção ao trecho acima, ocasião em que percebe-se um legítimo massacre público em relação ao suposto autor do fato, é possível que o acusado não tenha o devido julgamento,

ou seja asseguradas as garantias constitucionais e entre elas o princípio da presunção de inocência,

Ressalta-se que a não observância do correto procedimento do júri, bem como de seus princípios norteadores e garantindo a defesa plena, fere o direito de culpados e inocentes, pois uma vez criada a pré-convicção do julgamento no íntimo dos jurados, torna-se extremamente difícil para a defesa sustentar sua versão dos fatos.

Na tentativa da busca pela “verdade” os meios de comunicação exibem imagens, depoimentos e sons que podem ser editados, sem averiguar adequadamente a veracidade da fonte, isso porque, estes interessam mais ao entretenimento do público, deixando de lado o esclarecimento da verdade processual.

Todas essas práticas, infelizmente, são utilizadas pelos meios de comunicação de massa e redes sociais, apesar de não atenderem qualquer dos requisitos para constituir prova formal no rito processual do júri, contudo, muitas vezes, essas provas “não seguras”, são valoradas pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, colaborando, assim, na formação de seu posicionamento, no sentido de condenar o acusado.

É nesse mesmo sentido a linha de pensamento de Ana Lúcia Menezes Vieira (2011, p. 246):

A publicidade prévia do ato criminoso ou dos atos do desenvolvimento processual pelos meios de comunicação, perante os casos da competência do Tribunal do Júri, é particularmente preocupante, pois, uma vez que o julgamento é feito por juízes leigos, a impressão que a mídia transmite do crime e do criminoso produz maior efeito neles do que as provas trazidas pelas partes na instrução e julgamento no plenário.

Percebe-se, assim, que os jurados são bombardeados por todo tipo de informação que a mídia veicula bem antes do rito do júri, tornando muito difícil para a defesa do acusado desconstituir a convicção previamente implantada no íntimo dos jurados, que, no Tribunal do Júri, julgam sem motivar.

3.2 Influência das comunicações de massa e redes sociais no caso “MENINO BERNARDO

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