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Procedimentos ético-discursivos para o planejamento

3. Incidências da Ética do Discurso na educação

3.2. Escolarização, produção e reprodução cultural da sociedade

3.2.3. Procedimentos ético-discursivos para o planejamento

Muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado recentemente vem ampliando a recepção do pensamento de Habermas na educação, dentre muitas destaco algumas que podem contribuir para o esclarecimento do tema desta dissertação: a Ética do Discurso.

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HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.1. p. 150s.

O primeiro trabalho a examinar199, foi originalmente uma tese de doutoramento defendida em 1994, na UNICAMP, onde o autor José Marcelino de Rezende Pinto, baseado no marco teórico habermasiano enfrenta o paradoxo de uma sociedade atual que demanda por mais participação, democracia e liberdade, por um lado; e esta mesma sociedade, por outro lado, confronta-se com as poderosas forças do mercado e da burocracia, as quais levam o indivíduo a sentir-se crescentemente impotente. Esta tese dividida em duas partes, tem na primeira a fundamentação teórica e a articulação da Teoria do agir comunicativo, e na segunda parte a apresentação de um estudo de caso onde a partir dos elementos teóricos anteriores analisa-se o funcionamento do Conselho escolar. O ponto de interesse para esta dissertação consiste em explicitar o que concerne especificamente à Ética do Discurso neste trabalho que em certo sentido é um discurso de aplicação. O autor José Marcelino após apresentar no quadro teórico os paradigmas sociológicos que concorrem para o estudo das organizações, explicita a contribuição de Habermas como vemos a seguir:

“Habermas e a organização

Nesta altura do trabalho, podemos então tentar esquematizar quais seriam os principais elementos de um modelo organizacional baseado na teoria da ação comunicativa:

1. Libertação do mundo da vida dos imperativos sistêmicos mediante uma desregulamentação e desmonetarização de suas estruturas (cultura, sociedade, pessoa). Na prática, isto implica em:

a. Luta contra os imperativos financeiros e burocráticos que regem a produção tanto cultural quanto científica; controle público sobre os meios de comunicação de massa com vistas a garantir uma formação democrática da vontade;

b. Enxugamento progressivo da tessitura legal que rege as relações entre as pessoas enquanto componentes de uma estrutura social normativamente legitimada. Preocupar-se mais com o conteúdo das normas do que com sua processualística. Promover uma moralização dos temas públicos, via discussão política, aberta a todos;

c. Restringir ao máximo a legislação sobre a família e a escola e empreender a sua desburocratização radical, visando assegurar a formação de uma personalidade autônoma;

2. Manutenção dos sistemas econômicos e administrativos guiados pelos mecanismos do mercado e da administração burocrática mas submetidos a controle externo;

3. Este controle será exercido por associações espontâneas (vemos aqui as Organizações Não-governamentais, ONGs) organizadas na esfera dos espaços públicos autônomos (vemos aqui a presença dos Conselhos). Fica claro que sua força não virá de mecanismos formais de poder mas de sua legitimidade;

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PINTO, José Marcelino de Rezende. Administração e liberdade: um estudo do conselho de escola à luz da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. 170p.

4. Valorização de mecanismos de deliberação coletiva que estimulem o entendimento e não a mera conquista do poder (por exemplo, deliberação por consenso e não votação).”

Na prática, todos estes tópicos em alguma medida vão conduzir à práxis discursiva de caráter normativo, o que insere os participantes, portanto, no campo da Ética do Discurso. O tópico 1 tratando de desregulamentação e desmonetarização; no tópico 2 controle externo sobre os subsistemas economia e poder, no tópico 3 o poder legiferante e legitimador da sociedade civil organizada e finalmente no tópico 4 o entendimento mútuo, pressupõe procedimentos ético discursivos que colocam como constituintes do debate, considerações relativas aos princípios moral e da democracia.

Na linha exposta acima, dos discursos de aplicação, a dissertação de mestrado de Bianco Zalmora Garcia200, discute o processo de gestação do projeto político pedagógico no âmbito da escola publica. Como no caso anterior, a perspectiva da Teoria do agir

comunicativo na prática, vai conduzir aos desdobramentos da Ética do Discurso, muito

particularmente aos desdobramentos realizados por Habermas na reformulação do principio do Discurso que resultam no principio democracia, tratando da participação coletiva na formulação de instrumentos legais, como é o caso específico do Projeto Político Pedagógico para a estruturação e funcionamento da escola em conformidade com os interesses de nossa sociedade. Na conclusão do trabalho de Garcia, temos que:

“O problema central do pensamento de Habermas está direcionado no sentido de demonstrar que uma compreensão exclusivamente instrumental da racionalidade é de algum modo inadequada para estabelecer os fundamentos normativos da integração social, o que representa uma ameaça ao potencial comunicativo daquelas esferas institucionalizadas que constituem o mundo vivido, entre as quais, a escola. Neste sentido procuro explicitar os esforços de Habermas para desenvolver uma concepção mais abrangente da razão frente à uma concepção estreita inerente à autocompreensão positivista de ciência: redução da dimensão pratica em nome da reivindicação exclusiva da técnica. Desta forma, é possível reconceituar os

200

GARCIA, Bianco Zalmora. A construção do projeto político-pedagógico da escola pública na perspectiva

da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. (Dissertação de Mestrado, inédita ). São Paulo: Programa

fundamentos da problemática relação teoria- pratica que se constitui na Modernidade.”201

O diagnóstico da situação da sociedade contemporânea é bem sustentado por Bianco a partir da racionalidade comunicativa habermasiana, contudo, os problemas normativos já endereçam a reflexão para a teoria discursiva da ética. Se o agir comunicativo nos orienta para práticas democráticas nas quais as ações coordenadas estabelecem relações de solidariedade, a definição dos procedimentos educacionais coloca todos os concernidos diante dos aspectos normativos que precedem a implementação do planejamento escolar.