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Este estudo contém entrevistas realizadas especificamente para a presente pesquisa e entrevista selecionada em um banco de dados. Apesar de termos feito o uso de apenas uma das entrevistas realizadas entre 2002 e 2012, estas outras entrevistas que compõem o banco de dados foram nosso ponto de partida e nos serviram de fonte para o desenvolvimento tanto do roteiro de entrevista como para os procedimentos de construção de unidades de significados para as narrativas. Ressalta-se que no banco de dados acessado existem outras entrevistas que tendo sido lidas e estudadas nos deram subsídios técnicos e teóricos para a realização da coleta. Foi de fundamental importância o contato com esses relatos para a preparação e ‘ambientação’ com o cenário e as experiências do período, além de ter sido um importante recurso didático para a aprendizagem técnica de condução e manejo de entrevistas como fonte de coleta de dados de pesquisa. Dessa forma, o corpus que compõe o banco de dados, contém vasto material que permite diferentes análises temáticas, assim como citado na experiência de Biasoli-Alves (2000), no uso de materiais armazenados em banco de dados.

Todos os detalhamentos em relação aos procedimentos de coletas de dados foram padronizados e se relacionam as entrevistas como um todo, já que foi seguido o mesmo procedimento metodológico. Para conseguirmos essa sintonia entre os dois momentos, os procedimentos de coleta de dados de Gianordoli-Nascimento (2012), foram profundamente estudados e seguidos como modelo metodológico, a fim de condensarmos aqui as experiências de coleta em períodos de tempo diferentes.

O contato com as entrevistadas foi mediado por outros militantes ou familiares de militantes que conhecemos em eventos que discutiam a temática e faziam parte da rede de contatos que possuíamos a partir do banco de dados do grupo de pesquisa. Dessa forma, os militantes que conhecemos durante os eventos, fizeram um primeiro contato com as militantes a serem entrevistadas, verificando possibilidade e anunciando nosso interesse em realizar presente pesquisa, criando assim condições de confiabilidade e aproximação necessária. O contato inicial com as entrevistadas ocorreu antes da entrevista propriamente dita, via telefone e por e-mail, momentos em que foram esclarecidos o objetivo da pesquisa e o agendamento dos encontros. Esta aceitação em falar incluía revelar aspectos de suas relações com os filhos (as) poucas vezes explicitados, acarretando reflexões sobre a relação entre suas trajetórias políticas e as consequências na vida de seus filhos, tal característica do processo de

participação foi encarada por elas como um aspecto positivo que colaborou para o consentimento em realizarmos este estudo. Todas concordaram em contribuir com sua participação considerando o tema a ser investigado algo ainda pouco explorado diante das inúmeras entrevistas e depoimentos que a maior parte delas, outrora fizeram.

Após estes contatos, e nos dias dos encontros propriamente ditos, criou-se um clima agradável de confiança e empatia, que facilitou nossa entrada em campo e criou as condições para que de fato a entrevista fosse um encontro entre pesquisador e pesquisado. Ainda que para Romanelli (1998), a empatia (criada anteriormente) não seja elemento essencial para uma pesquisa de qualidade, tendo em vista que a entrevista é um processo que ocorre entre sujeitos, “cujas posições sociais são construídas no momento e no decorrer da entrevista” (Romanelli, 1998, p. 129), para nós, o contato anterior ao momento da entrevista foi de suma importância, sendo a nosso ver o início dessa construção de um processo entre sujeitos. Aspecto salientado no processo de entrevista realizado por Gianordoli-Nascimento et al (2012) no período da realização da entrevista que compõem o banco de dados original.

O local de realização de todas as entrevistas foi definido pelas próprias mulheres, que escolheram como espaço, suas residências, tendo nos recebido em dia e horários definidos conforme a disponibilidade de cada uma. Algumas das mulheres entrevistadas tinham agendas com muitos compromissos marcados, porém, no dia de realização das entrevistas, seguindo a recomendação de horário proposto por elas, desmarcaram espontaneamente seus compromissos para dar continuidade ao relato que estavam nos prestando. Outras duas estiveram exiladas por longos anos em outros países, e nosso contato se deu próximo a chegada delas no Brasil. Assim, algumas guardavam o sotaque estrangeiro, o que não dificultou nosso entendimento, por ser apenas uma marca, em detrimento de expressões de reconstrução de vida e da identidade em um contexto que deixaram a contragosto. Outra entrevistada estava passando por recuperação de seu estado de saúde devido ao tratamento de um câncer, além de um forte resfriado, por isso, tomamos cuidados éticos e técnicos para que a entrevista fosse realizada até o ponto em que ela conseguisse ficar confortavelmente conosco. Esta foi a entrevista de menor duração em relação às outras, tendo seu conteúdo igual valor as das demais, sendo um relato de extrema importância na análise e construção deste estudo. Todas as entrevistadas foram informadas que a entrevista poderia ser interrompida a qualquer momento que desejassem, embora nenhuma tenha sido interrompida.

Após terem lido, concordado e consentido com a realização das entrevistas, mediante a disposição para explicação de dúvidas, as entrevistadas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice A). Todas as entrevistas foram gravadas, em fitas cassetes e em

formato digital MP3. Posteriormente foram transcritas e analisadas, preservando o sigilo das entrevistadas, conforme acordado no termo assinado pela entrevistadora e entrevistadas. Este material ficará armazenado no banco de dados do grupo de pesquisa “Memória, representações, e práticas sociais” sediado na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG), conforme informado as entrevistadas, e serão utilizadas somente para fins de pesquisa, mantendo o anonimato dos sujeitos.

Ressalta-se que o cuidado em relação ao sigilo e não divulgação dos nomes reais faz parte de nosso recorte metodológico, que busca a experiência do vivido, tratando de dimensões não apenas concernentes à vida pública, mas da dimensão pessoal e íntima, com conteúdos talvez nunca antes abordados e por isso, extrapolam a necessidade de divulgação.

As entrevistas tiveram duração de três a sete horas, sendo que a entrevista coletada em 2004 teve duração de doze horas. Todas foram realizadas em um só dia de encontro, tendo sido acordado, que caso fosse preciso, outros encontros aconteceriam. Conforme Triviños (2008), não há um limite de tempo pré-estabelecido para a realização das entrevistas semiestruturadas, sendo este um critério flexível a depender do objetivo da pesquisa, do assunto a ser tratado e da disponibilidade do informante. A realização de mais de um encontro também é usual, “não só com o intuito de obter o máximo de informações, mas também para avaliar as variações das respostas....” (Triviños, 2008, p.146).

Como já indicado, a entrevista semiestruturada foi escolhida como método de coleta, pois consideramos que entre os diferentes modelos de entrevistas esta possibilita que o assunto tratado seja conduzido a partir do curso de fala e pensamento do entrevistado, mediado pelo foco apresentado pelo entrevistador (Triviños, 2008). Flick (2004) aponta alguns entraves que experimentamos na condução e mediação das entrevistas, como: dúvidas na realização de determinadas questões, e sobre a retomada do fio condutor da entrevista quando essa parece seguir assuntos mais distantes dos propostos. Entretanto, há detalhes difíceis de serem previstos, pois algumas questões e atitudes “somente podem ser tomadas na própria situação de entrevista, [exigindo] um alto grau de sensibilidade....” (Flick, 2004, p. 106). Dessa forma, a realização de entrevistas torna-se um aprendizado a cada nova condução. A direção e realização dessas entrevistas têm caráter singular, pois se trata do contato com sujeitos que passaram por experiências de clandestinidade, tortura, prisão, que embora experimentada por outros militantes, é um tipo de vivência incomum em relação à maior parte da sociedade, tendo impactos diferenciados na vida dos que passaram por isso. A condução se

torna difícil tanto por tratar de assuntos velados, quanto pelas marcas causadas nas trajetórias individuais e coletivas do grupo que pertenceram durante a militância.

O modo de narrar também é peculiar, pois a rememoração deste passado para algumas ainda é tão vivo, cheio de lembranças, de dores, de questões não respondidas, de sentimentos que acalentam ou machucam. Romanelli (1998) pontua que o discurso construído na relação de entrevista resulta da interpretação que o entrevistado faz das questões que lhe são feitas, e embora haja um roteiro com perguntas disparadoras,

A fala é construída mediante um recorte de experiências do sujeito e aquilo que ele oferece ao pesquisador é uma faceta sintetizada de parte de sua biografia. Contudo, o discurso não é ordenado somente pelas perguntas do pesquisador. Essas constituem uma indicação, não um comando. O entrevistado utiliza a questão ou o tema apresentado e articula fatos e relações relevantes para ele.... (p. 131)

Nesta experiência de entrevistar – mesmo com um roteiro semiestruturado, que nos serviu como recurso e não como fim – foi possível compreender que quando a entrevista pressupõe relação sujeito-sujeito, choramos juntas, sorrimos juntas, viajamos no tempo juntas, e não partimos da mesma forma que entramos. De fato, nos impactamos com essas histórias, e o envolvimento não apenas com o tema, mas com o que aquelas experiências provocaram e provocam sentimentos diversos, em nós e no outro. “O encontro que ocorre na situação de entrevista é marcado por emoções e sentimentos que emergem no decorrer dessa relação.... É o momento em que os imponderáveis da cultura anunciam sua existência, dando carne e sangue ao relato” (Romanelli, 1998, p. 128).

Certamente compreendemos que a coleta de dados possui pressupostos que orientam o processo metodológico, por isso, este contexto de pesquisa é complexo, pois exige aproximação e distanciamento, recursos necessários, e que devem ser percebidos em momentos específicos pelo pesquisador. May (2004) demarca que na condução de entrevistas é necessária certa “distância” (p.153) e o “entendimento intersubjetivo” (p.153) entre entrevistado e entrevistado; um “engajamento completo” (p.153) e “uma análise desligada” (p.153), e apesar desses elementos parecerem antagônicos é preciso buscar harmonia entre eles.

Todos esses aspectos ficaram evidentes durante as entrevistas quando em alguns momentos as palavras me faltaram; em outros foi necessário a sensibilidade de perceber se deveria parar ou continuar, respeitando sempre os limites emocionais e físicos de cada uma. Em outros momentos experimentei a sensação de inadequação, tendo dúvidas, quanto à formulação de certas questões e se essas estavam condicionadas ao interesse de pesquisa ou a

mera curiosidade. Foi preciso também certo controle da atenção e das emoções quanto ao desconhecido, para que não me perdesse no relato, já que nossa proposta era compreender o sentido daquelas experiências para as entrevistadas.

Ao sair dos locais onde as coletas foram realizadas, misturaram-se os sentimentos de felicidade por ter conseguido realizar a entrevista e algumas vezes de insatisfação porque lembrara algo que deveria ter perguntado. No outro dia, o silêncio tomava conta de mim, e não conseguia falar, nem se quer pensar naquelas experiências. Era tudo muito intenso e marcante. Essa experiência do processo não era totalmente desconhecida, Gianordoli- Nascimento (2012) já havia descrito essas dimensões, mas só a experiência me mostrou que algo em mim havia mudado, o momento da entrevista de fato foi um encontro com o fenômeno estudado, experienciado por meio da história dessas mulheres que me ligaram, em termos geracionais, a tantas outras.

Ferreira (1996), Colling (1997) e Gianordoli-Nascimento (2012) também relatam experiências e sentimentos diversos durante a condução das entrevistas, e de terem sido modificadas com esta experiência. Salientam, entretanto, que é necessário o reconhecimento de que ali há um ser humano que desempenha a tarefa de pesquisador, e lida diretamente como outro humano, nesse sentido: “O conhecimento dessa condição permite que se busque construir e manter o distanciamento necessário na abordagem tanto no trabalho de campo com no da elaboração das conclusões sobre ele, para evitar resultados ‘impressionistas’ ou naturalizados” (Ferreira, 1996, p. 81).

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