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DISCURSO PROMOCIONAL

3 O PERCURSO METODOLÓGICO

3.3 Procedimentos de análise

Para chegarmos à caracterização do percurso histórico-discursivo do gênero anúncio publicitário, precisávamos compreender como os componentes do contrato comunicativo determinavam as instruções discursivas do gênero por meio da configuração textual dos exemplares de cada época a analisar, ou seja, como se estabelecia a relação entre o espaço de restrições e o espaço de estratégias por

século. Partindo do esquema abaixo, expliquemos como foi concebido esse empreendimento:

Quadro 12 – Esquema de estruturação do gênero anúncio impresso a partir da situação específica de comunicação

Fonte: Elaborado pela autora (a partir de CHARAUDEAU, 2012).

Retomando as categorias já apresentadas, elegemos três componentes contratuais – a saber, dispositivo material, finalidade e identidade dos parceiros109 para, então, estabelecer a relação entre as estratégias de base do discurso publicitário, descritas por Charaudeau e Soulages.

Essa decisão também encontrou amparo em Soulages (1996). Seguindo a perspectiva semiolinguística, o autor define uma análise do discurso publicitário com base em três questões: a) qual suporte de visibilidade escolher? b) para falar de quê?

109 Decidimos não contemplar o domínio temático e os modos de tematização como uma categoria

específica de análise dos anúncios, pois, a nosso ver, a fim de considerar os aspectos ligados à idealidade individual próprios do discurso publicitário, precisaríamos cobrir diferentes campos temáticos e avaliá-los com base nos valores sociais e culturais de cada época, o que se mostrava inviável como objetivo de pesquisa dado o recorte temporal realizado. Uma alternativa seria fazer um recorte temático para a constituição do corpus e analisar esse aspecto em anúncios de um mesmo produto ou de uma mesma marca, mas, em nossa opinião, seria um prejuízo em termos de generalização dos resultados sobre o percurso histórico-discursivo do gênero. Partimos, então, do pressuposto de que os anúncios, como um todo, se organizam em torno de uma temática voltada para o bem-estar pessoal, mas não tratamos especificamente dessa questão. No século XIX, fez-se necessário confirmar se essa temática se revelava nos anúncios do corpus, dada a problematização acerca da finalidade.

Situação global de comunicação

(Dispositivo conceitual)

Finalidade, identidade dos parceiros, [domínio temático]

Situação específica de comunicação (Dispositivo material)

e c) a quem falar e como? Assim, nos valendo dos três questionamentos apresentados, especificamos estes três aspectos para organizar metodologicamente nossa análise: a natureza da mídia jornal (associado ao dispositivo material), o modo de apresentação do objeto anunciado (associado à finalidade) e a construção das figuras dos protagonistas da enunciação (associado à identidade dos parceiros). Tais aspectos foram considerados em duas situações específicas de comunicação: anúncios impressos em jornais da Fortaleza dos séculos XIX e XX.

Inicialmente, considerando a natureza da mídia selecionada – o jornal impresso em cada século – e sabendo que tal escolha influencia o dispositivo cênico e a organização da mensagem, impôs-se uma descrição do dispositivo material específico. Contudo, a análise da materialidade deveria se estender para os dois outros aspectos, quando se estabeleceria uma relação direta com a encenação verbal e/ou visual. Assim, elegemos as funções propostas por Léon (2008), as quais são aqui relembradas: ilustração, consolidação, explicitação, elucidação, invalidação, enunciação e figuração. Tais funções perpassam, então, as duas categorias seguintes.

Complementarmente à natureza da mídia, analisamos, em um segundo momento, como se estabelece a relação entre a finalidade e o modo como o objeto é anunciado em cada período, no que diz respeito a sua existência, qualificação e resultado. Para tanto, buscamos compreender como se representava a encenação persuasiva do objeto via modos enuncivos, inclusive em sua relação verbo-visual. Nesse sentido, partimos das figuras de relato, como estratégia associada aos modos narrativo e descritivo, e dos procedimentos de pressuposição e singularização, associados ao modo argumentativo.

Sem diminuir a importância dos dois primeiros aspectos para influenciar a encenação persuasiva, Soulages (1996) refere-se ao terceiro (a quem falar e como?) como a dificuldade máxima não só da publicidade, mas de todas as comunicações de massa. Para a análise desse aspecto, a fim de melhor caracterizar diacronicamente o anúncio, consideramos, em cada século, a relação entre as identidades dos parceiros e a construção das figuras dos protagonistas da enunciação, analisando, para tanto, os modos enunciativos com base nas figuras de enunciador. Tal aspecto também foi observado na relação entre o verbal e o visual.

Dessa forma, apresentamos o quadro de análise a seguir, que pretende resumir as relações entre o espaço de restrições e o espaço de estratégias:

Quadro 13: Categorias de análise a partir da relação entre o espaço de restrições e o espaço de estratégias ESPAÇO DE RESTRIÇÕES (POR SÉCULO) ESPAÇO DE ESTRATÉGIAS (POR SÉCULO)

Relação texto / imagem: funções propostas por Léon (2008) · Ilustração · Consolidação · Explicitação · Elucidação · Invalidação · Enunciação · Figuração Dispositivo material

A natureza do jornal como mídia impressa:

· Configuração semiológica

Finalidade (Incitativa e/ou informativa)

O modo de apresentação do objeto anunciado:

· Modo descritivo (nomeação, localização e quantificação)

· Modos narrativo: figuras de relato (ficção e realidade) · Modo argumentativo: pressuposição e

singularização

Os parceiros da comunicação

O modo de construção das figuras dos protagonistas da enunciação:

· Modo enunciativo: figuras de enunciação (presença, interpelação, apagamento e paradoxa)

Fonte: Elaborado pela autora.

Antes de passarmos à apresentação e discussão dos resultados, retomemos uma última ressalva de Soulages acerca dos riscos de uma análise diacrônica. Segundo o autor,

é sempre arriscado avançar a hipótese de rupturas categóricas na discursividade social, aqui, entre o que conviria designar como as formas de uma paleopublicidade, tomando os termos de empréstimo de Umberto Eco, que se apagaria em comparação com uma neo-publicidade, que surgiria no fim dos anos 70. Parece mais pragmático destacar a existência de regimes dominantes em uma época dada, mas que coabitam com outros modelos divergentes ou minoritários que sobrevivem localmente ligados a tipos de produto (o sabão), universos de referência (o automóvel) ou estratégias particulares de uma marca (provocação, escárnio), etc.)110. (SOULAGES,

2009b, s/p, tradução nossa)

110 No texto original: “Du point de vue diachronique, il est toujours risqué d’avancer l’hypothèse de

ruptures catégoriques dans la discursivité sociale, ici, entre ce qu’il conviendrait de désigner comme les formes d’une paléo-publicité, en empruntant les termes à Umberto Eco, qui s’effacerait face à une néo- publicité qui surgirait à la fin des années 70. Il apparaît plus pragmatique de relever plutôt l’existence de régimes dominants à une époque donnée, mais qui cohabitent avec d’autres modèles divergents ou

Embora tenha tratado especificamente acerca da publicidade televisual, consideramos que sua orientação também pode se estender à nossa pesquisa, pois, em todos os casos, há sempre diversos fatores de coerção que concorrem para motivar ou inibir transformações na atividade publicitária. Somou-se, pois, às nossas preocupações de analista que se aventura num empreendimento dessa natureza a cautela que deve sempre existir com a interpretação e a generalização dos dados encontrados.

minoritaires qui survivent localement liés à des types de produits (la lessive par exemple), des univers de référence (la voiture) ou bien des stratégies particulières à une marque (provocation, dérision, etc.).”