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5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

5.4 Procedimentos de análise

Como destacado anteriormente, os panfletos de divulgação da Marcha das Vadias que constituem nosso corpus foram objeto de estudo e de debate durante atividades acadêmicas, nas quais este pesquisador atuou como monitor. Optamos por selecionar esses enunciados por estarem relacionados a nosso processo de formação enquanto estudantes/pesquisadores e por surgirem em um momento em que o Brasil se destacava como o sétimo país onde mais se matava mulheres (WAISELFISZ, 2012).

3 Tivemos acesso a alguns panfletos enquanto auxiliávamos discentes do curso de Direito da Uneal na elaboração

do Desafio Jurídico. O contato com outros enunciados ocorreu durante pesquisas que realizamos para melhor compreender os sentidos construídos pelos discursos da Marcha das Vadias e, assim, ter uma melhor atuação durante as atividades de monitoria na disciplina de Antropologia Jurídica.

De posse dos 10 panfletos que compõem nosso corpus, realizamos pesquisas sobre as Marchas das Vadias nas quais foram utilizados. Esse processo foi de fundamental importância para termos conhecimento sobre os objetivos que cada movimento buscava alcançar e isso auxiliou o processo de construções dos sentidos dos panfletos que formam nossa base de dados. Posteriormente, realizamos uma pré-análise desses enunciados, buscando observar que recursos linguístico-discursivos e semióticos são utilizados pelos autores e que projetos identitários são construídos pelas vozes sociais neles presentes. Nesse processo, não trabalhamos com categorias predefinidas, buscamos ouvir as vozes que ressoam nos panfletos e, a partir delas, identificar características comuns que permitam agrupá-los para efeito de análise e apresentação dos dados.

Durante o período de pré-análise e mesmo durante a análise dos dados, identificamos a recorrência de alguns recursos linguístico-discursivos e semióticos que permitiram que um agrupamento de diferentes enunciados fosse realizado no sentido de responder as seguintes questões de pesquisa: que identidades das mulheres são construídas a partir dos discursos que circulam em panfletos de divulgação da Marcha das Vadias?; e que relações dialógicas são estabelecidas por essas identidades? No intuito de responder a esses questionamentos, agrupamos os 10 panfletos que compõem nosso corpus em três categorias, as quais detalharemos a seguir.

Esse processo de busca dos sentidos construídos pelas vozes presentes nos enunciados que compõem nosso corpus foi subsidiado por conceitos advindos do pensamento do Círculo de Bakhtin. De uma certa forma, estes conceitos potencializaram nossa forma de olhar os dados e permitiram o reconhecimento da inter-relação entre enunciados utilizados em diferentes Marchas das Vadias. A teoria da carnavalização de Bakhtin (2013, 2015), por exemplo, permitiu que reuníssemos em nossa primeira categoria de análise, denominada “O corpo”, panfletos que refratam a imagem de uma boca e de elementos relacionados ao baixo material e corporal. Esses recursos enunciativo-discursivos são significativos para compreender as construções identitárias presentes nos panfletos, visto que por meio deles, os autores tentam deslocar a mulher de uma posição de silêncio e posicioná-la como alguém que questiona a situação de violência a que vem sendo submetida.

A partir da identificação desses recursos enunciativo-discursivos, para efeito de análise, dividimos os panfletos dessa categoria em duas subcategorias. Na primeira delas, estão presentes panfletos que refratam a imagem de uma boca atuando na desconstrução de atos machistas. Na segunda subcategoria, estão reunidos panfletos que utilizam elementos relacionados ao baixo material e corporal para combater as práticas de violência sexual a que

as mulheres são submetidas. O motivo para que tenhamos denominado nossa primeira categoria de análise “O corpo”, advém do papel que este desempenha como elemento de renovação das relações sociais na teoria da carnavalização de Bakhtin (BAKHTIN, 2013, 2015) e nas reivindicações da Marcha das Vadias.

Outro recurso enunciativo-discursivo utilizado pelas vozes que ecoam nos panfletos analisados foi a repetição do item lexical “não”. Destacamos que não se trata da mera repetição desse recurso linguístico, mas dos confrontos que por meio dele são estabelecidos com discursos machistas. Chamou-nos a atenção a necessidade de afirmar que “não significa não” e com isso afrontar discursos que afirmam que quando as mulheres dizem “não” estão manifestando consentimento às relações sexuais. Na segunda categoria, intitulada “Desconstruindo estereótipos de gênero: a negação”, agruparam-se panfletos que afrontam vozes sociais que reproduzem papéis de submissão para as mulheres. Neles, ocorre a negação da cultura oficial, dos sentidos, das posições e das identidades que são impostas às mulheres pelos discursos machistas, fato que relaciona esses enunciados a uma visão carnavalizada do mundo, pois segundo Bakhtin (2013), no carnaval ocorre a negação de tabus, regras e hierarquias que governam a vida extracarnavalesca.

Em nossa terceira categoria, intitulada “Saia curta não é um convite: a inversão cultural”, estão reunidos enunciados que tentam promover uma inversão cultural na forma como são tratados os casos de estupro. Com esse objetivo, os panfletos questionam discursos que culpam as mulheres pela violência a que são submetidas, responsabilizam os agressores e põem em xeque o modo como a sociedade educa os sujeitos. Com essa postura, as vozes que ecoam, nos enunciados analisados, creditam parte da responsabilidade pelos crimes de estupro à sociedade, porque esta deveria direcionar sua atenção a ensinar os homens a não estuprar ao invés de ensinar as mulheres a não serem estupradas.

A partir das marcas linguístico-discursivas e semióticas identificadas nesses panfletos, no capítulo a seguir, estabeleceremos diálogos entre diferentes enunciados no intuito de investigar identidades das mulheres construídas a partir de discursos da Marcha das Vadias. Para tanto, salientamos que a análise dos enunciados se orienta pelo paradigma qualitativo- interpretativista, pois esse leva em consideração os sentidos e entendimentos construídos pelos sujeitos envolvidos em uma determinada prática de linguagem.

6. NEM DEVOTA NEM SUBMISSA: EM BUSCA DE IDENTIDADES DAS