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Procedimentos de Seleção do Corpus de Análise

2. Aspectos Teórico-Metodológicos das Análises

2.1. Procedimentos de Seleção do Corpus de Análise

Para a realização das análises propostas, considerei pertinente utilizar-me do recurso de gravação em vídeo (em fitas VHS) de episódios do JN, durante um período abrangente, que pudesse trazer uma amostra dos referentes científicos que constituem os discursos deste espaço. Desta forma, durante os meses de fevereiro e março de 2005, alguns episódios do JN foram gravados por inteiro, com exceção dos intervalos comerciais. A frequência e escolha dos dias de gravação foi aleatória, de acordo com a disponibilidade de tempo para esta atividade.

Ao finalizar as atividades de gravação, o material foi catalogado conforme a data e passou por uma triagem inicial, que consistiu num levantamento das reportagens veiculadas por dia, anotação de comentários que considerei relevantes sobre as mesmas e busca das reportagens a serem analisadas, cujo critério inicial de escolha foi a presença de algumas palavras-chave, como: ciência, cientistas, nomes de ciências (como biologia, física, química, geologia), tecnologia, medicina. Estas informações foram sendo dispostas nas “fichas de avaliação das reportagens”, que constituem um dos anexos da dissertação (anexo A).

Ao final desta primeira seleção, porém, percebi que, ao utilizar-me apenas das palavras-chave, deixava de lado algumas notícias que tratavam de assuntos que se relacionavam a C&T e, também, incluía algumas notícias que não tinham como referente central estas instâncias, mas sim, que se utilizavam destas palavras em outros contextos. Assim, numa segunda seleção, optei por fazer uma análise um pouco mais aprofundada das reportagens, escolhendo aquelas que tinham como referente central a C&T.

A partir desta segunda seleção, restaram dezenove notícias que tratavam de C&T, que foram digitalizadas (em arquivos do tipo .AVI) e transcritas, para melhorar a operacionalização das análises seguintes. Percebi, contudo, que dezenove reportagens constituíam um corpus muito amplo para que houvesse um maior aprofundamento das análises. Decidi, portanto, escolher as notícias relacionadas à genética e à biotecnologia, pelos seguintes motivos: estas áreas representam campo de interesse, tanto para mim (já que, anteriormente, minha área de pesquisa era a genética), quanto para qualquer outro cidadão brasileiro (já que as pesquisas destas áreas têm desbravado limites que podem influenciar a vida de todos); além disso, nestas reportagens, foi grande a ênfase dispensada a conceitos científicos, bem como, às tentativas de explicação dos mesmos.

Desta segunda seleção emergem cinco reportagens que foram gravadas em CD ROM, constituindo o anexo C da dissertação. Este item visa facilitar ao leitor o acesso às

reportagens, possibilitando contato mais estreito com as mesmas, além das tradicionais transcrições, por promoverem também, uma visualização das imagens das notícias. Mesmo assim, as transcrições destas reportagens constituem, também, anexo da dissertação (ficha de análise das reportagens – anexo B)12. Selecionadas, gravadas e transcritas, as reportagens foram analisadas na perspectiva da AD.

A AD nos oferece um referencial teórico que implica na formulação de um dispositivo de análise, construído pelo pesquisador, com base em alguns pressupostos: em primeiro lugar, destaco que os sentidos de um texto13 não estão dados neste texto a priori, pois, como já discutimos anteriormente, os sentidos se constituem no ato da leitura, inseparável da interpretação, no domínio da subjetividade do leitor e sua relação com o texto, dentro de um contexto social. Ou seja,

Quando assumimos a leitura como ato no domínio do simbólico, devemos desconsiderar, definitivamente, a possibilidade de que os sentidos estejam dados no texto, não bastando, portanto, nos restringir apenas a ele propriamente dito.

ALMEIDA, 2004, p. 33

É importante perceber que, sendo, ao mesmo tempo, subjetivos e historicamente constituídos, os sentidos que um leitor atribui a um texto não necessariamente são os mesmos colocados pelo autor, ou mesmo, os que diferentes interlocutores atribuiriam a este texto. Desta forma, como então, fazer uma análise dos discursos veiculados pelo JN? Se os sentidos não estão dados, mas são construídos por cada interlocutor, no momento do discurso, como analisar um texto? Se analisarmos, não vai ser apenas uma interpretação – a nossa – e não o que o texto realmente queria dizer? E, se for assim, qualquer coisa serve? O que busca um analista do discurso?

Acredito que sim, sempre estará presente a minha construção de sentidos em primeiro lugar. Para o analista do discurso, porém, se coloca uma expansão dos modos de se olhar para o espaço de análises, tendo como base, exatamente, esta concepção de que existe a possibilidade de múltiplas interpretações. A partir da noção da historicidade discursiva, o analista, toma o discurso como “o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos” (ORLANDI, 2003, p. 17) que são constituídos historicamente.

12 As transcrições das reportagens que não foram utilizadas para as análises finais, mas que também tratavam de

assuntos científicos e tecnológicos. também encontra-se disponibilizadas no anexo C (CD-ROM).

Assim, consciente de que pode não haver um único sentido no texto que analisa, o analista do discurso amplia suas buscas, para além do que o texto quer dizer: ele busca como o texto pode produzir sentidos. Para tal, tenta resgatar o cenário onde o discurso foi produzido, e todos aqueles fatores que influenciaram sua produção, tentando se aproximar de uma realidade histórica (mesmo assumindo que talvez esta aproximação não seja efetiva), na qual aconteceu aquele discurso, procutando análisá-lo de forma mais abrangente.

E... como fazer isso? Analisando, além do texto, as condições de produção do discurso. De acordo com Almeida, estas seriam:

contexto histórico social de formulação do texto; interlocutores (autor e a quem ele se dirige); os lugares (posições) em que eles (os interlocutores) se situam e em que são vistos; as imagens que fazem de si próprios e dos outros, bem como do objeto da fala – o referente.

ALMEIDA, 2004, p. 33

Através destas condições, pode-se tentar reconstruir o cenário no qual o discurso foi produzido, aproximando assim, o analista do discurso de diferentes efeitos de sentidos que podem ser produzidos por meio desse texto.

As condições de produção do discurso devem ser buscadas em praticamente todas as fontes disponíveis (textos sobre o autor; outros textos do autor; documentos; instituição à qual pertence, etc), constituindo, assim como o texto em si, parte do dispositivo analítico criado para esta pesquisa.

Para este trabalho, investiguei o fazer telejornalístico, através de leituras de artigos na área, conversas informais com profissionais do ramo, publicações sobre o próprio JN, sobre divulgação científica, entre outros textos que contribuíram para a constituição de um panorama de como o JN produz seus discursos sobre C&T. Os resultados desta investigação estão organizados no próximo capítulo, no qual busco estabelecer um contexto de produção das notícias do Jornal Nacional e, no capítulo seguinte, onde traço uma leitura das relações entre estas condições e as análises dos textos em si.

Sendo assim, resgato a função do analista do discurso, trazida por Orlandi: “a finalidade do analista do discurso não é interpretar, mas compreender como um texto funciona, ou seja, como um texto produz sentidos” (ORLANDI, 2001, p. 19).

Ao olharmos para um programa televisivo sob a perspectiva da AD, não podemos afirmar que este apenas esteja “emitindo um significado” determinado ao espectador. Portanto, não é possível buscar o que este programa significa a respeito de tal ou tal assunto, mas como ele produz sentidos.

Perguntas como “o que determinado texto significa?” ou “qual é a sua função?” não são compatíveis com essa abordagem, pois nela os sentidos estão associados a sujeitos social e historicamente localizados, e sentidos e sujeitos se constituem mutuamente, não cabendo, portanto, suposições que remetem a origem de um discurso apenas à individualidade do sujeito, o qual, por viver neste ou naquele lugar, num dado tempo, ocupando estas ou aquelas posições, significa de maneiras diferentes.

ALMEIDA, 2004, p. 33

Colocadas essas considerações sobre a metodologia do trabalho, nos próximos capítulos passarei às condições de produção e às análises do material gravado, através das quais traço um panorama da produção de sentidos sobre C&T nos textos do Jornal Nacional.