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Sobre os Referentes das Notícias a Serem Analisadas

3. Sobre Jornalismo

3.3. Sobre os Referentes das Notícias a Serem Analisadas

O período que escolhi para fazer minhas gravações coincidiu com o processo de aprovação da lei de biossegurança pela câmara de deputados. Foram três dias de reportagens que antecederam a aprovação da lei pelo congresso (reportagens números 02, 03 e 04 do CD ROM) e um dia depois de sua aprovação (reportagem 05 do CD ROM). Anteriormente a estas reportagens, um dos temas a que estas se referem também foi abordado, numa notícia sobre clonagem de embriões humanos (reportagem 01 do CD ROM).

Assim, ao selecionar as reportagens que tinham como referente a genética e a biotecnologia, deparei-me com questões que, além de representarem problemas científicos, envolviam toda uma gama de acontecimentos e decisões que inter-relacionavam ciência, tecnologia e sociedade. Nesse caso, pareceu-me importante tecer alguns comentários sobre estes assuntos, antes de apresentar as análises das reportagens em si.

Os principais temas tecnocientíficos discutidos nas entrelinhas das reportagens analisadas são: clonagem (animal e terapêutica), terapia celular com células-tronco (embrionárias ou não) e organismos geneticamente modificados (através de biotecnologia). Todos estes se apresentam intrinsecamente relacionados a questões éticas polêmicas que tiveram maior ou menor ênfase nos discursos do JN.

A clonagem vem sendo uma das questões mais polêmicas trazidas pela mídia nos últimos anos. O assunto vem sendo abordado principalmente no âmbito da clonagem reprodutiva humana, fantástica para alguns, temida para muitos. De acordo com Zatz,

(...) no caso da clonagem humana reprodutiva, a proposta seria retirar-se o núcleo de uma célula somática, que teoricamente poderia ser de qualquer tecido de uma criança ou adulto, inserir este núcleo em um óvulo e implantá-lo em um útero (que funcionaria como uma barriga de aluguel). Se este óvulo se desenvolver teremos um novo ser com as mesmas características físicas da criança ou adulto de quem foi retirada a célula somática”

ZATZ, 2004, p. 249.

Na reportagem n° 1 analisada (reportagem n° 01 do CD-ROM), as clonagens animal, humana e terapêutica estão imersas no discurso, porém não há uma referência, ou uma maior explicação para estes termos ou para as técnicas que permitiriam a produção de clones como os mencionados no texto do JN.

É interessante levantar que a clonagem humana é proibida em diversos países, inclusive no Brasil, através da atual legislação sobre biossegurança. Estas proibições levam em conta questões de ordem ética, como as levantadas abaixo:

De fato, um documento assinado em 2003 pelas academias de ciências de 63 países, inclusive o Brasil, pedem o banimento da clonagem reprodutiva humana. O fato é que a simples possibilidade de clonar humanos tem suscitado discussões éticas em todos os segmentos da sociedade, tais como: Por que clonar? Quem deveria ser clonado? Quem iria decidir? Quem será o pai ou a mãe do clone? O que fazer com os clones que nascerem defeituosos?

ZATZ, 2004, p. 250.

Marcelo Leite (2000) levanta a necessidade de um debate público destas possibilidades biotecnológicas, defendendo que a sociedade como todo deve proceder à discussão e decisão sobre políticas públicas que envolvam a genética e outras tecnociências. Ele levanta que, muitas vezes, a justificativa de que o público não tenha a capacidade de compreender os conceitos e técnicas necessários para o estabelecimento de um debate sério destes assuntos (muito utilizada para negar-se a possibilidade de este público envolver-se nas decisões políticas sobre estas questões) parece um tanto falacioso, quando se observa algumas pesquisas de opinião pública. Ele relata que, numa pesquisa realizada em países da União Européia, há sim, uma compreensão por parte do público sobre estas técnicas, inclusive apontando para a defesa da clonagem terapêutica em detrimento da clonagem de animais inteiros (incluindo-se aí, humanos):

Dissociação comparável ocorre entre a clonagem de células embrionárias humanas (células- tronco) para fins terapêuticos, tida como aceitável em razão de potenciais benefícios (como a

esperada síntese de órgãos para transplante em laboratório ou o tratamento de doenças degenerativas), e a clonagem de animais inteiros, considerada inaceitável.

LEITE, 2000, p. 43.

A clonagem para fins terapêuticos, como a autorizada na reportagem n° 01 analisada (reportagem n° 01 do CD-ROM) pelo governo britânico, também proibida pela lei de biossegurança, é defendida por inúmeros pesquisadores. Defendendo esta técnica, Zatz pondera que,

É importante que as pessoas entendam que, na clonagem para fins terapêuticos, serão gerados só tecidos, em laboratório, sem implantação no útero. Não se trata de clonar um feto até alguns meses dentro do útero para depois lhe retirar os órgãos como alguns acreditam. Também não

há porque chamar esse óvulo de embrião após a transferência de núcleo porque ele nunca terá esse destino.

ZATZ, 2004, p. 251.

Nas outras reportagens (reportagens n° 02, 03, 04 e 05 do CD-ROM), percebi um maior esforço na forma de organização textual para a explicação das técnicas de terapia com células-tronco de embriões de clínicas de fertilização ou de produção de organismos geneticamente modificados (OGM).

As técnicas de terapia com células-tronco são apresentadas, atualmente, como promessas de cura de diversas doenças que acometem a humanidade, como possibilidades de recuperação para pessoas que sofreram algum tipo de lesão nervosa que impossibilita movimentos, entre outras aplicações em saúde. Quando estas técnicas são discutidas, no âmbito do JN, leva-se em conta a pesquisa com células-tronco embrionárias, de embriões congelados de clínicas de fertilização. Segundo Zatz, “o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, obtidas de (...) embriões descartados em clínicas de fertilização, é defendido pelas inúmeras pessoas que poderão se beneficiar por esta técnica e pela maioria dos cientistas” (ZATZ, 2004, p. 254). Ao mesmo tempo, surge um questionamento destas técnicas, por se compreender (principalmente entre instâncias religiosas) que um embrião congelado representa, na verdade, uma vida humana em potencial.

Outra temática presente nas reportagens analisadas - os transgênicos - são organismos que recebem um tratamento tecnológico que possibilita a inserção e expressão de genes provenientes de outro organismo nesse primeiro. A partir daí, pode-se obter um organismo geneticamente modificado que apresente uma característica que, antes, só se apresentava num outro organismo. De acordo com Nodari & Guerra:

A transgenia é uma técnica que pode contribuir de forma significativa para o melhoramento genético de plantas, visando a produção de alimentos, fibras e óleos, como também a fabricação de fármacos e outros produtos industriais. A competência para desenvolver novas variedades ou produtos alimentícios é altamente dependente de recursos humanos qualificados, de investimentos substanciais no sistema de Ciência e Tecnologia (C&T), de domínio de conhecimento científico e de disponibilidade de germoplasma, requerendo, sobretudo, enfoque interdisciplinar. Contudo, o cultivo de plantas transgênicas a campo e consumo requerem ainda análises de risco.

NODARI & GUERRA, 2003, p. 106.

A respeito dos OGM, é interessante levantar que ainda há muitas dúvidas sobre suas potencialidades e riscos, o que situa esse tema longe de um consenso, até mesmo entre cientistas. Menasche (2005) expõe, num trabalho sobre representações midiáticas de transgênicos, alguns impasses pelos quais tem se batido a regulamentação de organismos transgênicos, no mundo todo. A primeira dicotomia que se coloca diz respeito à possibilidade de uma melhoria e aumento na produção agrícola:

De um lado, afirma-se que os cultivos transgênicos seriam mais produtivos e teriam importância fundamental para aumentar a produção de alimentos em um quadro de combate à fome no mundo. De outro lado, contesta-se a maior produtividade dos cultivos geneticamente modificados ao mesmo tempo em que a produção insuficiente de alimentos cede lugar à sua má distribuição, relacionada às desigualdades regionais e sociais, como causa principal da fome.

MENASCHE, 2005, p. 171.

Um outro debate se estabelece quanto à possibilidade que os OGM trazem para uma diminuição da utilização de agrotóxicos e, em consequência, para uma agressão menor ao meio-ambiente. Por outro lado, há a possibilidade de contaminação de outros organismos com estes gens, o que poderia acarretar um desastre ecológico:

Ao tempo em que defensores dos transgênicos argumentam que esses cultivos possibilitam a utilização menos intensiva de agrotóxicos, causando menores danos ao meio ambiente e proporcionando maior rentabilidade aos produtores, aqueles que combatem a tecnologia afirmam que em pouco tempo ervas invasoras e insetos deverão, através de seleção natural, adquirir resistência aos agroquímicos utilizados em seu controle, o que requereria dosagens cada vez mais elevadas e acarretaria maiores danos ao meio ambiente e menor rentabilidade aos produtores.

MENASCHE, 2005, p. 171.

Menasche ainda levanta a questão da possibilidade de domínio político e econômico que este tipo de biotecnologia pode começar (a meu ver, já começou) a estabelecer, se levarmos em conta o contexto histórico em que estamos inseridos:

Enquanto uns afirmam que a adoção da tecnologia significaria a subordinação dos interesses nacionais às grandes corporações transnacionais detentoras de patentes de sementes transgênicas, outros argumentam que a não adesão à transgenia implicaria em perda de competitividade no mercado internacional.

MENASCHE, 2005, p. 171.

Além dissso, Cavalli levanta que uma série de riscos à saúde humana podem estar sendo ignorados na liberação de alimentos transgênicos:

Uma série de riscos dos alimentos transgênicos para a saúde estão sendo levantados e questionados, como o aumento das alergias, resistência aos antibióticos, aumento das substâncias tóxicas e dos resíduos nos alimentos. Com relação a segurança alimentar em prol do bem estar da população, é necessário um aprofundamento nas pesquisas, para que se possa consumir esses alimentos sem riscos a saúde.

CAVALLI, 2001, p. 45

Considero importante destacar estas colocações, para firmar um posicionamento bastante controverso no que diz respeito à própria comunidade científica a respeito da liberação de OGM, seja esta no âmbito da pesquisa, da produção ou da comercialização destes organismos.

Os debates, presentes nas quatro últimas reportagens analisadas, se estabeleceram em torno da votação (e posterior aprovação), pela câmara dos deputados, da Lei de Biossegurança Nacional. Esta lei, por sua vez,

(...) estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CTNBS, reestrutura a Comissão Técnica de Biossegurança – CTNBio, dispões sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB (...)

BRASIL, 2005, p. 01.

A lei discorre, em sua maior parte, sobre a regulação da pesquisa, produção e comercialização de OGM. É interessante ressaltar, que, em minha leitura da lei, percebi que pouco espaço foi destinado à regulamentação da utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas (de 42 artigos que compõem a lei, apenas os artigos 3°, 5° e 6° fazem menção às células-tronco), parecendo-me que a lei apenas dispõe sobre sua liberação, contanto que estas não visem a clonagem reprodutiva humana. Esta ausência, este silêncio, já pode ser notado no primeiro artigo da lei, que

(...) estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção

à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

BRASIL, 2005, p. 01.

Trago todas estas reflexões, para estabelecer um panorama sobre as questões que vêm sendo tratadas nas reportagens analisadas e, para destacar que, apesar de não haver tanta ênfase, na própria lei, sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, foi esta a grande polêmica por mim percebida nos discursos do JN que tinham como referente a votação da Lei de Biossegurança Nacional...

4. Análise e Discussão das Reportagens Sobre