• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – PRECAUÇÕES E OPÇÕES METODOLÓGICAS

2. CONCRETIZANDO O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

2.3. Procedimentos e instrumentos utilizados

A IAP reveste-se de uma flexibilidade que é vantajosa, na medida em que permite fazer uso de instrumentos e estratégias diversos, está aberto a contributos de várias áreas do conhecimento, permitindo adequar a intervenção a uma realidade social complexa e específica. Admite uma diversidade de técnicas, contendo “todos os ingredientes da investigação e, mais ainda, os ingredientes da acção” (Guerra,2006:75). Tentámos manter a vigilância que nos permitiu optar e adaptar instrumentos às situações, de início, imprevisíveis.

Inicialmente, baseámos a recolha de dados na análise de documentos significativos na compreensão da realidade específica. Usámos os elementos constantes do dossiê de Direcção de Turma e dados recolhidos nos serviços administrativos e directivos da escola que nos permitiram verificar a origem social dos alunos e contextualizar os CEFs na oferta educativa da escola.

Numa primeira fase da investigação, em 16 sessões, tivemos por objectivo o conhecimento e compreensão da realidade do grupo, atendendo a que a análise da necessidade deve ser feita “en extensión y en profundidad, es decir, no basta com que una necessidad sea

45

(Serrano,2000:43). Numa segunda fase, em 8 sessões, o processo de investigação conduziu-nos para actividades direccionadas à mudança. Sobre estas reflectiremos último capítulo.

Fizemos Observação Participante em contexto de aula e em outros espaços, das quais resultaram 16 Notas de Campo11 integrando Comentários do Observador12 (Anexo (A) 2) que nos ajudaram a problematizar a realidade em estudo. Complementarmente, procedemos a uma recolha feita na Internet, no sentido de perceber qual a imagem mais generalizada sobre os alunos dos CEFs.

Explicitaremos, de seguida, os procedimentos usados na primeira fase da investigação, na escuta dos sujeitos, quer em grupo, quer individualmente.

2.3.1. Entrada no terreno

A entrada na turma fez-se pela mão do Director de Turma (DT), professor de DRAEI, no dia 12 de Março de 2009, após a imediata autorização dada pelo órgão directivo. Todos os encontros vieram a acontecer durante as suas aulas. A participação dos sujeitos foi sempre voluntária e assumida num Consentimento Informado assinado por cada um. Os seus Encarregados de Educação foram, também, informados, através de carta (A9).

2.3.2. Processo de escuta

O processo de escuta desenvolveu-se com 10 alunos dos 11 que constituíam a turma à data da entrada no terreno13. Decorreu entre 19 de Março e 28 de Maio, já que no início do mês de Junho, os alunos entrariam no estágio integrado no curso. As 16 sessões desenvolveram-se nos moldes de Grupos de Discussão Focalizada (GDF)14, Conversas e Entrevistas semi-estruturadas15 individuais, incentivadas por instrumentos mais expressivos que tentámos adaptar aos objectivos de conhecimento que pretendíamos. Usámos salas disponíveis, próximas daquela onde os alunos tinham aula.

11

“O relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha”. Incluem “todos os dados recolhidos durante o estudo” (Bogdan e Biklen, 1994: 150). Nos nossos Anexos, optámos por apresentar separadamente alguns dos dados. As Transcrições contêm algumas Notas de Campo que, por uma questão de mais fácil contextualização, mantivemos nessa secção.

12

“(…) consistem em secções das notas de campo destinadas ao registo do que o investigador vai pensando e sentindo, à medida que faz as suas observações.” (Bogdan e Biklen, 1994: 210-211). Graue e Walsh (2003) chamam-lhe memorandos.

13

No início do ano a turma era constituída por 17 alunos.

14

Recolha de informação através de debates e diálogos focalizados. Permite observar as dinâmicas presentes no discurso: consensos, discordâncias, aferindo as marcas do colectivo, operadas num dado contexto cultural, explorar opiniões e fazer emergir assuntos relevantes (Christensen e James, 2005 e Galego e Gomes, 2005).

15

A distinção que fazemos entre as conversas e as entrevistas semi-estruturadas reside no facto das primeiras terem ocorrido isentas de qualquer formalidade como a deslocação para outro espaço ou a gravação áudio, acontecendo em espaços onde o encontro se proporcionou de forma natural, como a cantina da escola.

46

Realizámos quatro sessões de GDF, duas delas com um primeiro grupo, uma com um segundo grupo, e outra com elementos de ambos. A organização destes dois grupos foi natural e imprevista, resultante do facto de terem correspondido, inicialmente, ao nosso pedido de colaboração voluntária, cinco alunos. Face à vontade de colaboração de outros cinco, realizámos uma sessão segundo as mesmas linhas orientadoras do primeiro grupo, permitindo, em certa medida, uma triangulação de dados. Sendo “o tempo, o espaço e as pessoas” um sub-tipo de triangulação (Flick,2005:231 e Graue e Walsh,2003:128), aproveitámos para introduzir a variável “pessoas” de modo a consolidar ideias. Pareceu-nos que não houve influência do primeiro grupo, uma vez que, o segundo afirmou que os colegas não lhes tinham relatado o conteúdo da conversa: “Eles dizem que não podem contar.” (A1,T3) Ressalvamos que esse sigilo foi assumido pelos próprios revelando seriedade na forma de encarar a investigação.

Foram realizadas sessões individuais com cada um dos dez alunos após a sessão de GDF do grupo a que pertenciam16. Obtendo o Consentimento Informado, utilizamos gravador áudio nas quatro sessões de grupo e numa individual para posterior transcrição. Inicialmente, notámos alguma moderação no discurso por influência deste procedimento, contudo, cremos que a intimidação se dissipou.

2.3.3. Instrumentos expressivos

Graue e Walsh (2003:148) referem que o instrumento é uma ferramenta de investigação utilizada para auxiliar de maneira sistemática na obtenção de dados e que a sua utilização deve ser criativa ultrapassando as limitações das entrevistas. Foi com este propósito que introduzimos alguns instrumentos, usados nas sessões individuais, que nos permitiram complementar os dados obtidos pelos outros meios.

2.3.3.1. Orçamento do tempo

Apresentámos uma folha A4 com uma circunferência desenhada, com um ponto assinalando o centro. Pedimos que imaginassem que o círculo representava o tempo semanal. Considerando-o um bolo, sugerimos que o dividissem em fatias representando o tempo que dispõem para os seguintes itens: Família, Amigos, Trabalho e Passatempos.

Pretendemos, com este instrumento, explorar o impacto que o trabalho escolar teria na percepção de tempo de cada aluno, uma vez que, nos discursos que escutámos nas sessões em grupo, manifestavam esta ideia. Esta técnica permitiu-nos, também, conhecer alguns pormenores sobre cada adolescente, de uma forma não invasiva: no item Família, apercebemo-nos da composição do agregado familiar e da qualidade das suas relações familiares; no item Amigos, distinguimos os amigos e colegas de turma, das amizades exteriores à escola; no item Passatempos conhecemos as actividades a que se dedicam, em clubes e associações, conhecendo os espaços de socialização em que se inserem e a importância que têm nas suas vidas.

16

47

Numa segunda fase, no verso da folha, pedimos que procedessem de igual modo, mas dividindo uma nova circunferência traduzindo as alterações que fariam à divisão de tempo semanal. Da comparação entre as duas circunferências resultou uma melhor percepção do desagrado que o trabalho escolar lhes provoca (A5).

2.3.3.2. Metáfora do rio

Apresentámos uma folha A3, em branco, pedindo que desenhassem um rio, imaginando que este representava o seu percurso desde a entrada na escola até ao presente. Inicialmente propusemos a utilização de dois símbolos, - uma bóia e uma pedra - simbolizando, respectivamente, momentos positivos e momentos negativos. Porém, acabou por estabelecer-se os traços perpendiculares às margens do rio como marcação das fases positivas e negativas da vida escolar. O desconforto sentido durante a elaboração do rio não respeitava ao conteúdo, mas aos possíveis erros que estariam a cometer no desenho e na forma de registar informação. Desvalorizámos essas questões formais ligadas aos requisitos escolares e deixámo-los à vontade. Tentámos compreender a visão que cada aluno tem do seu percurso escolar, dos factores que, na escola, produzem significados positivos e negativos nas suas vidas (A6).

2.3.3.3. Círculo de amigos

Numa folha A3, representámos quatro circunferências concêntricas. Na mais pequena, pedimos que nomeassem as pessoas sem as quais não conseguiriam viver (Círculo da Intimidade). Na seguinte, os amigos indispensáveis (Círculo da Amizade). Na seguinte, outras pessoas amigas, colegas, parceiros de grupos/clubes a que pertençam (Círculo da Participação). Finalmente, outras pessoas importantes na sua vida como prestadores de serviços, com quem podem contar, em circunstâncias específicas (Círculo da Troca).

Com a utilização desta técnica (Stainback e Stainback,2008: 97-100), quisemos conhecer que pessoas os alunos reconhecem como merecedoras de um significado nas suas vidas, discernindo, sobretudo, se os seus círculos contemplam elementos da comunidade escolar. Tivemos oportunidade de implementar esta técnica apenas a 7 dos 10 alunos (A7).

2.3.4. Tratamento dos dados

Atendendo a que “a interpretação é uma questão de relações entre os dados” (Graue,2003:192), procedemos a uma análise de conteúdo qualitativa, desenvolvendo categorias de codificação (A4), de forma a “reduzir o material textual” (Flick,2005:180). Obviamente, há um grau de subjectividade do qual não nos podemos desenredar que resulta do facto de a codificação se basear nas “questões e preocupações de investigação” (Bogdan e Biklen,1994:221). Segundo Graue (2003:192), a interpretação é a criação de significados. Como criação, poderá resvalar para um domínio cientificamente inconsistente e falível. Contudo, este exercício interpretativo e compreensivo é validado na medida em que se mantenha uma relação com os contextos locais e simultaneamente com o contexto dos quadros teóricos (idem:190). Apesar das limitações do método, tentámos usar um sentido de honestidade que passou, sobretudo, por mantermos fidelidade ao discurso dos actores e não perdermos de vista o enquadramento teórico.

48