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Não é preciso reinventar a roda. É suficiente lembrá-la e fazê-la girar para frente.

(Alípio Freire)

Diante do objeto de investigação, a análise da forma como a opção ideológica de determinada sociedade ou grupo influi sobre suas práticas educativas, essa pesquisa se constituiu de dois eixos metodológicos principais. Pelo fato de o ambiente investigado, o assentamento Oziel Alves Pereira, apresentar-se como uma realidade organicamente revestida por um histórico de movimento social, acredita-se, por seu caráter histórico e atual de luta e ocupação da terra e a implantação da Pedagogia do MST no interior de seu espaço escolar, que a observação participante e a entrevista se constituem como opções metodológicas consistentes, já que a finalidade deste estudo implica um recorte histórico dessa realidade, com a finalidade de compreender as relações sociais no referido assentamento e a correlação de sua postura política, social e cultural com o processo de ensino-aprendizagem em seu aspecto mais amplo na escola.

Nesse momento procura-se realizar uma exposição dos processos da pesquisa de campo, bem como oferecer um esclarecimento das técnicas de pesquisa utilizadas no trabalho de campo, da mesma forma que a descrição dos meios pelos quais se obteve o contato e a aproximação com o assentamento e o grupo de pessoas entrevistadas é realizada de maneira a esclarecer as particularidades da realidade social investigada.

O assentamento Oziel Alves Pereira foi escolhido como realidade social para realizar-se um recorte sócio-histórico para se obter uma discussão acerca do objeto de investigação. O assentamento é referência estadual para o processo de organização do MST, sendo local de formação e treinamento de militância em seu Centro de Formação. Acredita-se que a realidade da escola situada no assentamento, a Escola Estadual Josimar Gomes Silva, pôde contribuir significativamente para a análise das nuances em torno do objeto de investigação e que um recorte de suas práticas educativas serviu como uma proposta interessante e rica de significados diante da intencionalidade da pesquisa.

Dessa forma, apesar de a maioria dos entrevistados não ter apresentado objeção com relação à sua identificação no presente trabalho, toma-se como critério a ausência dos nomes nos trechos transcritos, já que o presente trabalho expõe os nomes do assentamento, da escola e

alguns embates no que diz respeito à questão pedagógica no interior do espaço escolar. Optou- se pela identificação através da ocupação (professora, diretora) ou papel social do entrevistado ( líder do assentamento, pai ou mãe de aluno, criança).

5.1- “Vai estar aqui no meio de nós vivendo a nossa vida uns dias”: a observação participante

O primeiro contato com o assentamento Oziel Alves Pereira remete a lembranças árduas e curiosas. A chegada na cidade de Governador Valadares e a busca de informações sobre o local do assentamento foi um momento difícil, já que grande parte daquelas pessoas indagadas sobre o local recusou-se a responder, algumas justificando o “perigo” da aproximação dos “invasores sem-terra” e outras não querendo que a pesquisadora tivesse acesso ao local, afirmando que esta última “corria perigo de vida”. O grande preconceito que se pôde perceber ainda no terminal rodoviário da cidade levou o taxista contratado para a ida ao assentamento negar o serviço, alegando o medo de levar a pesquisadora ao local, através da observação: “eu tenho uma filha da sua idade, nunca vou levar você lá nos sem-terra, eles são perigosos, moça. Você tem que ter cuidado com o lugar onde quer ir!”. As dificuldades para o deslocamento do terminal rodoviário foram solucionadas através de uma informação dada por um policial, que estava presente no local. Através de um ônibus, chegou-se à BR 116 (Rodovia Rio-Bahia). A BR estava vazia e não se tinha a direção para onde ir. Através da informação de um transeunte, chegou-se a uma estrada pequena, que dava acesso à entrada do assentamento.

Ao chegar ao assentamento, mais especificamente diante de um campo de futebol onde havia vários homens jogando futebol, deparou-se com uma situação constrangedora e, ao mesmo tempo, hilária. Um dos assentados, que jogava na posição de goleiro, se distraiu com a presença “estranha” observando o jogo de futebol e se surpreendeu quando o jogador do outro time fez o gol de desempate de uma partida que já durava mais de uma hora, segundo o relato de uma assentada que estava assistindo o jogo. Ao terminar o jogo, todos os assentados se aproximaram, uns satisfeitos com o acontecido, outros deixando transparecer certa decepção pela derrota, para receber a pesquisadora. “Ela vai estar aqui no meio de nós vivendo a nossa vida uns dias”, foram as palavras do líder do assentamento para os assentados, que recebeu e acompanhou a pesquisadora até seu local de estadia.

Este pequeno relato das primeiras impressões no assentamento tem a intenção, além de situar o leitor em uma realidade social que se quer apresentar, de enfatizar o preconceito dos

moradores da cidade com relação ao MST e, ao mesmo tempo de relatar a receptividade dos assentados à pesquisa. Enfim, a observação participante é apresentada, no presente capítulo, com o intuito de perceber as significações e práticas dos sujeitos, bem como de inserir-se naquela realidade social, com a finalidade de registrar acontecimentos a partir das concepções dos próprios assentados.

A observação participante tomou proporções significativas. A pesquisadora se inseriu no trabalho de embalagem de mel e leite, durante o processo de produção dos assentados, no interior do espaço escolar do assentamento, atuando como professora durante compromissos da professora efetiva e auxiliando-a durante sua prática, como acompanhante das crianças em seus passeios e brincadeiras e como companheira da professora em suas visitas, “rezas” e passeios pelo assentamento e pela cidade. Através de conversas informais, que foram numerosas e diversificadas, os registros e memórias foram se consolidando no decorrer do processo. A experiência de observação participante trouxe ricas pressuposições e situações de análise, que foram aprofundadas no capítulo referente à discussão dos resultados.

De acordo com Nogueira (1977) o conhecimento construído a partir de uma observação começa com os dados obtidos através dos sentidos, além de ser uma atividade de abstração do pesquisador que exige disciplina e orientação. Dessa forma, as impressões quanto às práticas educativas do movimento e sua correlação com a opção ideológica do assentamento investigado, foram obtidas através da presença e da participação efetiva da pesquisadora na realidade social dos assentados.

Durante o processo de intervenção e observação participante na escola do assentamento, preocupou-se com as impressões do universo infantil, que não seriam significativamente obtidas através de entrevistas ou relações formais. Como instrumentos de observação foram proporcionados momentos de ilustração, dinâmicas de interação e brincadeiras com as crianças, para que a observação do objeto de investigação obtivesse êxito também com as crianças.

5.2- “As perguntas são para fazer ciência”: a entrevista como eixo metodológico

Durante o processo de observação participante no assentamento Oziel Alves Pereira realizou-se 15 entrevistas com o líder do assentamento, professoras, diretora, pais de alunos da escola do assentamento e demais assentados. O presente trabalho não considera como

entrevista o processo de investigação realizado com as crianças, já que, como já foi relatado anteriormente, não pode ser considerado um meio de comunicação efetivo para o universo infantil.

Haguette (1997) considera a entrevista uma metodologia que envolve um processo de interação social entre duas pessoas, e, para tanto, deve contar com um roteiro, cabendo ao pesquisador avaliar o grau de correspondência das afirmações dos entrevistados com a realidade objetiva. As entrevistas foram realizadas de forma semi-estruturada, proporcionando ao interlocutor a liberdade necessária para abranger de acordo com seu desejo e convicção o tema abordado. Por isso, as informações não se limitaram aos aspectos indagados, mas tomaram as proporções relativas à situação e desejo do interlocutor, através da flexibilização do roteiro.

Com o objetivo básico de entender e compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações, a entrevista, conforme afirma Martins (2006) permite a contextualização de realidades, a fim de obter informações, levantar motivações, crenças, percepções e atitudes em relação a certa situação e/ou objeto de investigação.

A maioria das entrevistas foi realizada nas residências dos assentados, por esse motivo era muito comum a intervenção de crianças durante as conversas. Uma delas pode ser considerada importante para o presente momento, onde se deseja expor a finalidade e a prática metodológica em questão. Durante uma entrevista, na qual a mãe de uma menina que estuda na escola do assentamento relatava uma atividade relacionada à prática educativa das professoras, a criança a interrompeu e indagou sobre uma questão que proporcionou a reflexão acerca da pesquisa e suas possibilidades:

“_ Mãe, por que as pessoas vêm aqui no assentamento perguntar as coisas prá gente sobre a nossa vida?

_ As pessoas vêm perguntar prá nós porque o MST é importante. As perguntas são para fazer ciência”.

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