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3. Metodologia

3.2 Procedimentos metodológicos

O grupo selecionado

O foco deste trabalho está especificamente em um grupo de gays que frequentam com razoável assiduidade ambientes de consumo direcionados para este público. Como a marca inicial de um estudo etnográfico é a escolha do grupo a ser estudo e o local onde isso será feito (BELK, SHERRY e WALLENDORF, 1988), escolhi como lócus privilegiado de análise os ambientes de consumo que fossem frequentados por grande parte do grupo pesquisado, ou seja, os frequentadores da “praia gay” situada em frente a Rua Farme Amoedo. Esta escolha se deu pela minha acessibilidade a este grupo, também por ser um grupo distinto do que frequenta o trecho da praia em frente ao hotel Copacabana Palace (GONDIJO, 2007). Este

grupo se caracteriza por sua grande maioria residir nos bairros da Zona Sul (Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon) ou Zona Oeste (Barra da Tijuca) da cidade do Rio de Janeiro, e por seus integrantes serem assíduos frequentadores da praia de Ipanema, em frente à rua Farme de Amoedo, como também de academias de ginástica, serem da classe B e frequentarem ambientes de consumo gay, como boate, bares, restaurantes e cafés.

Não foram analisados nesta pesquisa aqueles que voluntariamente preferem não frequentar esses ambientes de consumo gay, ou aqueles que não têm a sua identidade homossexual aceita, pois um dos objetivos deste trabalho é entender como se dá a incorporação das posses (bens, serviços, ideias, ambientes) pelos gays na sua construção identitária.

Ao decidir realizar esta pesquisa, deparei-me no decorrer desses anos com vários questionamentos éticos acerca de até que ponto poderia ter acesso no dia-a-dia dos meus informantes e o impacto sobre a vida deles. Como defende Bulmer (1982), os sujeitos pesquisados em estudos etnográficos têm o direito de saber que estão sendo estudados, assim como o pesquisador deve sempre deixar claro a sua identidade. Também é importante frisar aqui que segui os procedimentos éticos e de privacidade e liberdade sugeridos por Warwick (1982). Para todos os entrevistados, foi solicitado que assinasse um protocolo ético concordando com a entrevista. Também informei aos entrevistados que eles eram livres para não responder às perguntas formuladas, ou até mesmo parar a entrevista a qualquer momento. Durante todo o período em que realizei a observação participante, respeitei a liberdade dos informantes e informei a natureza da minha pesquisa. Todos os dados, como nome, profissão etc., que de alguma forma identificassem os informantes, foram trocados, sem que isso, no entanto, comprometesse este trabalho. As fotos presentes no anexo foram retiradas de sites ou blogs de domínio público.

Apenas uma pessoa me falou abertamente que não gostaria de fazer parte da pesquisa, o que atendi prontamente, e em nenhum momento esta pessoa foi alvo de observação.

A coleta de dados

Uma das características mais marcantes da etnografia é a inserção do pesquisador na realidade do grupo pesquisado, para, assim, poder estudar o fenômeno internamente. Outra característica é a tendência de se trabalhar com dados que não foram codificados em termos

de um conjunto fechado de categorias analíticas. De acordo com DaMatta (1978: p. 35), “a viagem antropológica parte do pressuposto de que a compreensão dos significados das ações sociais deva partir da perspectiva dos próprios sujeitos, e não da visão do pesquisador”. O que significa, então, estudar o fenômeno pelo olhar do “outro”, ou seja, no caso desta pesquisa, do grupo gay carioca. No entanto, estudar pelos olhos do outro não significa dizer que o “outro” tenha que ser totalmente estranho ao pesquisador – fato relativamente frequente em pesquisas urbanas – pois, como afirma Gilberto Velho (2003:15), “o grupo estudado pode ser familiar ao pesquisador, que neste caso deverá exercer o movimento de ‘estranhar o familiar’”. Como neste trabalho, me propus a estudar especificamente um grupo gay masculino da cidade Rio de janeiro, com o qual já realizei pesquisa anterior e com quem já tenho uma vivência prévia, tive consciência da importância deste movimento de estranhamento com o meu objeto de estudo.

Com o intuito de manter o meu distanciamento e ao mesmo tempo ter um olhar mais atento do meu objeto de pesquisa, passei a sistematizar os dias em que estava em campo como pesquisador ou não. Quando em campo como pesquisador tentava ao máximo manter os olhos atentos para o dia-a-dia dos meus informantes, mas sem ao mesmo tempo ser visto como um intruso.

A primeira de minhas idas a campo se deu em meados de 2004, quando entrevistei 10 homens gays residentes na cidade do Rio de Janeiro. Naquele período, também comecei a observar as práticas de consumo deste grupo em idas às principais avenidas onde este público fosse encontrado, como também da minha própria rede de amigos. A partir daquela pesquisa, comecei a observar vários eventos e locais frequentados e direcionados para o público gay, como:

- Paradas de orgulho gay do Rio de Janeiro, nos anos de 2005, 2006 e 2008; - Paradas de orgulho gay de São Paulo, nos anos de 2005 e 2006;

- Parada de orgulho gay da cidade de Toronto, em 2007; - Festas raves : X- Demente, Bitch, ReVolution;

- Boates: LeBoy, em Copacabana; Cine Ideal, no Centro; The Week, no Cais do Porto, entre outros;

- Praias: Ipanema, em frente a Rua Farme de Amoedo, “coqueirão”; Copacabana, em frente ao Copacabana Palace; Barra da Tijuca, na reserva.

Adicionalmente à ida a estes espaços também frequentei reuniões na sexta-feira à noite do grupo de ativismo gay chamado Grupo Arco-íris, no ano de 2005, porém o grupo fechou as portas naquele ano e só reabriu recentemente. Informei aos dirigentes do grupo a natureza do meu estudo e fui autorizado a participar das reuniões. Durante estas reuniões, procurei me socializar com os demais e muitas vezes foram realizadas entrevistas informais. Sempre que possível notas de campo foram incluídas em minha pesquisa, com as minha impressões em cito ou gravadas no mp3.

Entre dezembro de 2006 e março de 2007, após a qualificação de doutorado, passei a sistematizar a minha observação em notas de campos, leituras de revistas direcionadas ao público gay, visitas a sites, entrevistas informais e observação participante. Esta coleta de dados que vinha realizando regularmente foi interrompida quando, em julho de 2007, fui para o Canadá realizar o meu doutorado sanduíche na Shulich Business School, em Toronto. Porém, nesta época também decidi realizar pesquisa de campo no village gay de Toronto, onde morei 8 messes. Também realizei observação participante e entrevistas com 8 homens gays. Durante a minha permanência lá, também visitei organizações gays como Gays Toronto, Youth LGBT. Participei de um seminário para executivos da comunidade GLBT, chamado “OUT in BAY”, como também da semana da parada gay e frequentei a associação de estudantes gays da York University. Apesar de não utilizar os dados colhidos no Canadá, neste estudo, toda esta vivência em campo me trouxe grande benefícios como pesquisador, pois através da distância do meu objeto de pesquisa no Rio de Janeiro consegui ter uma vivência com uma comunidade gay em que os direitos civis dos homossexuais foram alcançados há mais de 10 anos. Neste período, realizei uma pesquisa similar com consumidores gays em Toronto e um dos resultados foi perceber que no Canadá existe um movimento de desestigmatização da homossexualidade. Esta experiência me fez ter uma nova perspectiva sobre como o estigma ligado à identidade homossexual ainda tinha uma forte influência no dia-a-dia do grupo gay carioca.

De volta ao Rio de Janeiro, em julho de 2008, retomei a pesquisa de campo na cidade. Realizei observação participante de agosto de 2008 até fevereiro de 2009, como também mais 10 entrevistas semiestruturadas com gays masculinos residentes na cidade.

Adicionalmente ao uso do snowball sampling, foram entrevistados sujeitos que faziam parte da minha própria rede de relacionamentos e de outros com quem cruzei durante o período de observação participante. Estes sujeitos foram selecionados por mim por serem representativos de alguma forma da comunidade gay. Um exemplo disso foi a entrevista com um ex-empresário da noite gay carioca, com quem encontrei um dia em um café. No momento em que o conheci, falei da minha pesquisa e conversamos um bom tempo sobre o tema do mercado gay no Brasil, tendo ele se interessado a ponto de perguntar se eu gostaria de entrevistá-lo no dia seguinte. Outros casos semelhantes aconteceram no decorrer da minha pesquisa de campo, alguns se limitaram a entrevistas informais e outros resultaram em entrevistas formais.

A observação participante se deu com a minha convivência com o grupo em seus principais locais de convivência e consumo como praias, bares, boates, reuniões de amigos etc. Durante este período, utilizei-me de gravadores digital e diário de campo para anotar minhas observações in loco. Devo enfatizar aqui que este método de coleta de dados foi essencial para uma melhor compreensão das dinâmicas, linguagem e estrutura simbólica do fenômeno estudado. Também foi por meio deste método que foi possível realizar entrevistas informais com sujeitos, que talvez não se sentissem confortáveis para falar com um pesquisador numa situação mais formal de uma entrevista.

A análise de dados

Para analise os dados provenientes das notas de campo e entrevistas me vali da análise do discurso para avaliar a fala dos informantes por meio de processo hermenêutico (THOMPSON, 1997). Esta análise foi utilizada por Thompson (1994) para se compreender como consumidores constroem, e ressignificam o mundo dos produtos onde vivem. Neste tipo de processo, os textos resultados das entrevistas e notas de campo são lidos inúmeras vezes para que o pesquisador ganhe um melhor senso do todo e uma maior compreensão dos significados relacionados ao consumo. Neste exaustivo trabalho, o pesquisador adquire uma compreensão holística das histórias de vida dos sujeitos.