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Procedimentos para produção das informações e os participantes da pesquisa

Destaque importante aqui deve ser dado para a proposta de produção de informações, e não de coleta de dados. A noção de produção está diretamente ligada à ideia de que a constituição do sujeito é dinâmica e integrada dialeticamente ao seu meio social, nunca constitui um processo estático. Segundo Diogo e Maheirie (2007, p. 144):

O sujeito se constitui nas relações que estabelece em sociedade, relações estas mediadas principalmente pela linguagem. Para investigar o modo como uma pessoa chega a ser quem ela é, precisamos considerar as múltiplas dimensões que participam da sua constituição.

3.2.1 Diário de pesquisa: relato sobre uma ação de formação

Conflitos interligados às relações interpessoais na escola, notadamente envolvendo professores e alunos, prejudicam a aprendizagem e não favorecem o clima emocional da escola. Essa temática era constantemente discutida com a equipe docente. Apesar disso, a dimensão humano-interacional (PLACCO, 2010) continuava em relevo e despontava como necessidade formativa para o grupo docente. Eu e minha equipe procurávamos maneiras de abordar esse tema. No momento em que eu desenvolvia esta pesquisa, minha mente estava permeada pelas aprendizagens do Mestrado e minhas ideias se expandiam com novas leituras teóricas. Esse novo espaço de aprendizagem no qual eu estava inserida modificou meu olhar sobre muitos aspectos profissionais e me fez conhecer/perceber outras maneiras de desenvolver a formação docente.

Nesse contexto, comecei a desenhar um roteiro formativo que tivesse como cerne a escuta do professor. Considerei que faria sentido conhecer suas memórias, ter acesso às suas subjetividades. Tinha alguns pressupostos em vista: o modo de o professor atuar em sala de

aula, bem como a maneira pela qual ele atribui significados e sentidos às relações interpessoais com alunos, “(...) tem origem nas significações atribuídas às experiências vividas, que por sua vez são produzidas no social” (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 43). Assim, o objetivo proposto para uma das reuniões de formação foi disparar uma sensibilização a respeito do próprio processo vivido por cada um deles como estudante e do impacto que intervenções de professores tiveram em sua história pessoal.

Um caminho possível para alcançar esse objetivo definiu-se pelo aporte à estratégia do incidente crítico (ALMEIDA, 2015)6.

O roteiro dessa reunião de formação foi elaborado por mim e se dividiu em etapas, descritas no anexo deste estudo. Participaram dessa formação trinta e cinco professores do EF2, ou seja, toda a equipe de docentes desse segmento na escola. Essa reunião foi planejada e operacionalizada pela equipe de OE. Zaragaza (2006) foi o referencial que fundamentou a discussão. Foram escolhidos excertos desse trabalho do autor como elementos disparadores de uma reflexão coletiva; a partir disso, pedi aos professores que lembrassem e registrassem um episódio marcante na sua trajetória como alunos, explicando que esses registros poderiam ser feitos por meio de um texto escrito, um texto oral ou desenho.

Falar de si, do que viveu... espalhar suas histórias... Foi isso que aconteceu na reunião de formação. Criado um ambiente seguro e confortável, todos puderam se abrir e se sentir ouvidos e cuidados...

Uma das etapas da realização da atividade que visou a tematização de um episódio marcante na vida dos professores enquanto alunos foi a de socializar para o grupo o que cada um havia destacado e escolhido. Enquanto um professor apresentava, os demais tinham a tarefa de, ao ouvir, identificar o motivo pelo qual aquele episódio era marcante para quem relatava, quais eram os sentimentos envolvidos na situação e o que a ação do mestre provocou no aluno. O grupo de docentes, em diálogo com o professor narrador do episódio, foi tecendo uma rede de significados que relacionava a percepção de todos como ouvintes às sensações do professor que contava sua experiência. Mesmo não sendo possível afirmar plenamente qual teria sido o objetivo de cada mestre ao tomar as atitudes que afetaram os professores, então 6 Em relação à estratégia do IC, o aspecto de que nos valemos nessa reunião de formação foi o resgate da memória de episódios

marcantes vivenciados pelos professores, em outras palavras, micronarrativas de incidentes vivenciados no processo de escolarização de cada um deles.

alunos, era viável e admissível analisar a situação e supor o que seria a intenção por trás da ação e suas consequências.

A importância de serem ouvidos ficou evidente quando o tempo do encontro de formação coletiva que se encerrava e vários professores, que não tinham tido a oportunidade de contar seu episódio marcante, pleitearam que novo encontro fosse marcado para esse fim. Como houve concordância de todos quanto a essa nova reunião, ela foi agendada e então todos puderam contar suas histórias. Foi curioso que alguns professores pediram para repetir o que já haviam falado na primeira reunião, uma vez que alguns dos colegas não estiveram presentes nela. Além disso, alguns deles também desenharam ou escreveram mais do que um episódio. Esses dois pontos comprovam o envolvimento dos docentes e revela que se sentiram bem ao resgatar essas memórias.

Refletindo sobre os resultados dessa ação formativa, pude aprender muito.

A dinâmica, de trocas legítimas, confirmando o espaço da escola como palco de aprendizagens não só para alunos, mas para professores, que se debruçaram sobre as próprias experiências, valorizando-as como saberes práticos, alinha-se com as ideias de Canário (1998). Uma das quatro dimensões que o autor considera nesse movimento de ressignificar os processos formativos é a do “professor como profissional da relação”. O exercício de analisar outras experiências relacionais enriqueceu o repertório e a visão sobre a necessidade de o professor ir para além da transmissão de conteúdos e entender melhor o aspecto relacional que está totalmente imbricado na relação professor-aluno-conhecimento.

Percebi que, durante a interação dos professores nos encontros, alguns se surpreendiam com a leitura interpretativa que os colegas faziam de seus relatos. Também percebi a multiplicidade de sentidos gerados para um mesmo episódio. Como afirmam Placco e Souza (2006, p. 42) “não são as semelhanças que promovem o crescimento do grupo, mas as diferenças, que põem em xeque nossas certezas, nos levam a fazer novas perguntas e nos fazem aprender em situação de formação”. O efeito produzido pela atividade mostrou um olhar mais sensível e aberto às questões das relações interpessoais.

A proposta do encontro não estava, a princípio, relacionada ao propósito deste trabalho, mas o efeito intenso que teve sobre os docentes, a forte conexão entre os participantes e a atividade sugerida, provocaram a decisão de analisar com maior profundidade, ainda numa perspectiva de formadora, os elementos que emergiram no decorrer da atividade, a saber:

trechos de alguns depoimentos dos professores, alguns relatos escritos sobre suas memórias, bem como desenhos retratando recortes da memória.

A leitura desse material provocou em mim vários questionamentos a respeito do meu próprio processo enquanto aluna, na infância, e o estabelecimento de conexões entre passado e presente deu-se de maneira intensa e instigante.

A proposta feita aos professores para que contassem um episódio marcante de sua vida escolar revelou momentos intensos e significativos na história de cada um deles. Contar esse episódio para um grupo de colegas, na reunião de formação, trouxe a oportunidade de tornar valor uma experiência vivida a medida que ela representou uma fonte de discussões e reflexões. A força de cada caso narrado revelou o quanto eles, por meio de suas micronarrativas, traziam as características de um incidente crítico. Situações simples e corriqueiras sentidas de forma singular, marcante e até, em algumas situações, transformadoras (ALMEIDA, 2015).

A intensidade desse episódio foi determinante para que então fosse feita a escolha de aprofundar o estudo sobre o percurso individual de cinco professores. Os dados produzidos na entrevista compõem o corpus de análise desta pesquisa.

Na seção seguinte, trago a definição de entrevista reflexiva e explicito como ela foi aplicada com os professores.