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“A humanização da morte só pode consistir em usar dela com liberdade, com generosidade e com graça. Sejamos poetas da existência que sabem ajustar sua vida a rima exata em uma morte esperada.”

Ortega y Gasset

A sociedade atual vive uma cultura de negação e rejeição da morte. Esta deixou de ser encarada como um processo natural, inerente à condição da vida e foi afastada progressivamente do quotidiano familiar e social, escondida e remetida para o meio hospitalar. Contudo, do grande número de pessoas que vêm a morrer no hospital, um número cada vez mais considerável termina os seus dias em serviços não preparados para esse fim!

Como referido anteriormente, só nas últimas décadas é que se tem observado um maior interesse pelos CP, filosofia esta, que se centra na pessoa doente e não na doença, aceitando a morte como parte da vida, enfatiza a família como uma unidade a cuidar e especifica que as suas necessidades devem ser atendidas. Nesta aceitação e cuidando nesta filosofia, acompanhamos a pessoa face às perdas que vivencia naquele que é o seu processo de doença e o seu processo de morrer, onde face a cada perda se vivencia um luto (Sapeta, 2011).

A compreensão da morte como um processo normal e o conhecimento das necessidades específicas da família, que cuida do doente com doença avançada e crónica permite oferecer um apoio adequado ao doente/família, proporcionando-lhes qualidade de vida, uma morte digna e serena e um luto sem problemas.

Assim, o luto define-se como uma reação característica a uma perda significativa e é caracterizado por o período de tempo que cada pessoa necessita de viver, após a perda de alguém que lhe era muito querido. Para Gameiro (1988, p.18) “o luto não é tanto o andar ou estar de luto, andar de roupa preta ou escura. É uma experiência prolongada de sofrimento e pranto, uma sucessão de reações, emoções e sentimentos muito penosos. É uma fase de gestação para novo nascimento”.

Posto isto, o luto, como processo, entra na categoria das mudanças cruciais ou crises graves da vida. Assim, como todas as crises graves, englobam um aspeto de risco e destruição e outros de oportunidade e de nova vida.

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O luto não é uma doença, embora provoque alterações profundas no comportamento, de tal forma que, o enlutado não se reconhece nos seus atos, não é uma condição patológica. Implica muito sofrimento, mas é um processo saudável que conduz a uma reconciliação da pessoa consigo mesma, com o seu passado e com o mundo que a rodeia.

A pessoa em luto tem algumas tarefas a realizar durante todo o processo: aceitar a realidade da perda, trabalhar o lado emocional, adaptar-se à nova situação e recolocar emocionalmente a perda e continuar a viver (Pereira, 2008).

São vários os autores a definir as seguintes fases no processo de luto (Barbosa, 2010; Pereira, 2008):

 Choque, negação, descrença – caracteriza-se por períodos de angústia à medida que a realidade vai penetrando na consciência;

 Desorganização, desespero, consciencialização – a pessoa consciencializa-se da realidade, com tendência para negar a perda, caracteriza-se por preocupações e recordações, sentimento de presença do falecido e desejo do seu regresso, podem aparecer queixas somáticas;

 Reorganização, recuperação, restabelecimento – aceitação da perda, ajuste à nova condição da vida, a memória do falecido já não provoca desespero.

Para que este processo se realize, exige tempo, mais ou menos longo consoante a intensidade do luto. Esta intensidade depende de quatro aspetos, são eles: o grau de apego que o enlutado partilhava com a pessoa perdida; a sua personalidade, particularmente a maior ou menor capacidade de gestão das emoções; o apoio humano disponível (familiar, de amizade, técnico ou associativo) e o nível de aceitação social existente à volta do enlutado para a expressão das suas manifestações do luto.

Contudo, se o luto não for vivido adequadamente, pode tornar-se prolongado (ou complicado ou patológico). Por vezes, “algumas mortes surgem antes que os mais chegados tivessem tido tempo de se preparar. Essas perdas brutais conduzem a lutos difíceis” (Abiven, 2001, p.153). Segundo a American Psychiatric Association (2013) o luto prolongado atinge 10 a 20% dos enlutados e é definido como uma perturbação que se manifesta pela permanência de vários sintomas (mais de 6 meses) causando incapacidade em varias áreas de vida, como o trabalho, a saúde e a vida social.

Assim, os profissionais de saúde devem preparar/sensibilizar os familiares, envolvendo-os nos cuidados a prestar ao moribundo, de modo a permitir que eles saibam lidar com a perda; estimular as crianças a acompanhar o processo de morte, para aceitarem o processo de luto naturalmente; saber quais os rituais, costumes e estilos familiares e

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colocá-los em prática se assim for desejo deles; saber ouvir e ajudá-los em todas as fases; compreender e apoiar a privacidade familiar se estes assim o desejarem; perceber qual o papel da pessoa que morre no seio familiar, pois quanto mais próximo mais intensa é crise; e solicitar a ajuda de outros serviços sociais, facilitando a comunicação entre ambos. A ter em consideração que “o ritual permite integrar a noção de perda e torna possível a elaboração de um projeto de vida que se faz ‘sem o outro’ ” (SFAP, 2000, p. 47).

De realçar, que o apoio no processo de luto não começa apenas quando a pessoa doente morre, deve-se intervir na preparação para a perda, já que esta antecipação é fundamental para a reorganização da vida familiar, tendo em conta as suas necessidades.

A SFAP (2000, p.78) refere que “os enfermeiros podem ser mediadores ao proporem escutar as emoções ligadas ao luto, facilitar a procura de sentimentos e reforçar as estratégias de readaptação”.

Contudo, não existe consenso quanto ao período de tempo que deve decorrer entre o óbito e o primeiro contato com a família (entre 2 a 8 semanas) nem quanto à forma de contato (telefonema, carta de condolências, visita domiciliária).

Em modo de conclusão, o processo de luto deve ser vivenciado como tal, é uma fase normal da vida.

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