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Processo de definição e recepção da turma a ser investigada

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3. O FENÔMENO BULLYING

5.1 Processo de definição e recepção da turma a ser investigada

A escola campo de estudo26, ao nosso olhar, se caracterizou como um espaço eminentemente disciplinar. Os elementos que contribuíram para esta afirmação foram construídos ao longo das visitas à escola e foram sendo observados desde o primeiro dia da pesquisadora na instituição de ensino.

A escola ainda segue à tradicional formação de filas antes da entrada dos estudantes na sala de aulas. Este momento, além de ser o espaço/tempo para repassar alguma informação de interesse coletivo, era o lugar-tempo utilizado pelos profissionais para chamar a atenção dos estudantes em relação a algum problema relacionados a comportamento de alguma turma, atraso para as atividades escolares ou ausência de fardamento. O estudante que chegava após às 13:30, tinha que aguardar fora da escola27, até que todos os estudantes enfileirados entrassem na sala para que, quando o portão fosse reaberto, a diretora lhes chamasse a atenção de forma mais direta.

Nesta instituição haviam duas turmas de 6º ano, identificadas como turma A e turma B. No primeiro dia a diretora perguntou em qual das duas turmas a pesquisadora gostaria de ficar e já “adiantou” o cenário das turmas dizendo que a turma do 6º ano A era “bastante complicada” e enquanto que a turma B era “ótima”. A pesquisadora decidiu passar um dia em cada turma, com a intenção de sentir os “climas” de ambas. Ao entrar na sala de aula do 6º ano A, a diretora, na tentativa de impor algum tipo de ameaça inventou que a pesquisadora era do “conselho tutelar” e que eles deveriam se comportar, porque tudo seria registrado. Enquanto observava a turma do 6º ano A, um elemento chamou a atenção da pesquisadora: com exceção dos estudantes com necessidades educacionais especiais, todos os outros estudantes dessa turma estavam fora de faixa etária, ou seja, a idade deles não era a idade convencional referente aquela série. Após entrar e sentar em uma cadeira da sala, dois estudantes se aproximaram mais da pesquisadora e conversaram um pouco:

26 Escola da Rede Municipal de Carpina-PE.

Estudante 01: A senhora vai fazer o quê nessa sala?

Pesquisadora: Estou fazendo uma pesquisa, por isso preciso vir para a sala de vocês, pra conhecer mais sobre vocês.

Estudante 02: Mas a senhora é do conselho tutelar?

Pesquisadora: Não, sou da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Estudante: Ah... Tá! Por que a senhora escolheu essa turma? A pessoal bagunça demais aqui, os professores nem conseguem dar aula direito.

Pesquisadora: Então... Estou interessada em turmas de 6º ano, mas não sei se ficarei nesta turma ou na outra, me parece que vocês dessa turma têm mais de 12 anos, a maioria.

Estudante 01: É... Eu tenho 13.

Estudante 02: Eu tenho 14, já repeti o 6º ano e acho que vou repetir de novo (risos tímidos). Pesquisadora: Por quê, você acha isso?

Estudante 02: É muito difícil, não consigo aprender nada, principalmente matemática.

Estudante 01: A maioria da turma aqui já reprovou. Tem alunos aqui que usa drogas... A maioria vem pra escola só pra perturbar mesmo.

O recorte apresentado anteriormente foi registrado em nosso diário de campo. Na situação relatada, sentimos que, por conta do rótulo que existe sob essa turma, os próprios alunos já desenvolveram uma visão negativa sobre eles mesmos. Uma das profissionais de Atendimento Educacional Especializado (AEE) que faz o acompanhamento de dois estudantes chegou para a pesquisadora perguntando sobre a pesquisa e falou que naquela turma encontraria de tudo, falou também que tem alunos que consomem drogas, que inclusive já chegou a ir para a escola drogado algumas vezes e foi mandado para casa ou sai mais cedo da escola para se drogar. Ela também relatou que outro dia dois estudantes (um menino e uma menina da turma) foram pegos dentro da sala de aula com comportamentos similares a uma relação sexual (ela não soube explicar detalhadamente).

Ao observar a aula, percebemos que os professores pareciam não ter habilidades e recursos suficientes para lidar com a realidade daquela turma. O trabalho dos dois professores observados naquele dia nos pareceu ser bastante desafiador, pois tornar a aula um espaço-tempo agradável para aqueles alunos, que lhes chamasse atenção e lhes despertasse o interesse em aprender, demandaria, antes de tudo, livrar-se dos rótulos negativos em relação a turma, tanto por parte dos professores quanto dos próprios estudantes. A sensação que a pesquisadora teve

naquele dia foi que todos (professores e alunos) já estavam desacreditados naquela turma.

A turma do 6º ano A seria uma turma desafiadora também para a pesquisadora. Pelo que pudemos perceber, muitos processos de violência são experenciados naquele espaço. A sala de aula é ampla, mas o mobiliário daquela sala é bastante precário, talvez o mais precário de toda a escola, que já não possuía naquela época um mobiliário adequado. O “clima” naquele ambiente era bastante agitado, a profissional do AEE relatou que todos os dias ao chegar no trabalho não vê a hora do horário de aula acabar para sair daquele lugar.

Apesar disso, acreditamos que, mesmo com aqueles rótulos todos apresentados, especialmente pelos profissionais, os estudantes tinham suas potencialidades. Por isso, ao nosso ver, uma das preocupações da escola deveria ser tentar reverter pelo menos algumas das dificuldades encontradas naquela turma em propostas potencializadoras para a aprendizagem, afim de superar os desafios colocados diante daquela realidade. No entanto, a escola pareceu “desistir” e os professores pouco faziam para mudar a situação.

Em nossa investigação, nosso público de interesse não era adolescentes, e sim crianças de até 12 anos de idade. Foi este o elemento que nos deslocou para a turma do 6º ano B. Diante da definição da turma a ser pesquisada, sentimos a necessidade de justificar para os estudantes do 6º ano A sobre a mudança para que eles não pensassem que era por conta da realidade deles, alimentando julgamentos negativos que já eram feitos constantemente em relação a turma.

Ao seguir o mesmo procedimento de apresentação da pesquisadora à turma, a diretora utilizou o mesmo artifício de que ela se tratava de uma pessoa do conselho tutelar. A recepção dessa turma foi mais “cautelosa” do que a anterior (que demonstrou se importar pouco com a informação dada pela diretora, apenas em alguns momentos, quando um xingava outro, olhares eram lançados em direção à pesquisadora a fim de verificar se a situação estava sendo registrada), isto porque percebemos uma certa preocupação em relação a presença da pesquisadora. Nos primeiros dias observados sempre se ouvia coisas do tipo “olha, a menina do conselho tutelar vai anotar, visse?” das crianças e olhares desconfiados e curiosos eram lançados na intenção de descobrir o que de aquela figura estranha (pesquisadora) estaria fazendo ali. Com o passar do tempo, a pesquisadora foi conversando com eles

sobre a pesquisa e, na medida em que eles foram descobrindo o real papel dela naquele lugar, foram ficando mais habituados à sua presença.

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