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Processo de Destituição do Poder Familiar

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CAPÍTULO III – ABRIGAMENTO INFANTOJUVENIL E O RISCO DA

3.2. Processo de Destituição do Poder Familiar

Estando clara a natureza excepcional da decisão que determina a destituição do poder familiar, analisaremos agora como deve ocorrer este processo dentro do que estabelece a lei, observados os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, tendo em vista a importância e gravidade da decisão.

Como dito anteriormente, e de acordo com o que prevê o artigo 1.635 do Código Civil de 2002, para que ocorra a destituição, é necessário que seja precedida de um procedimento judicial, que pode ser uma ação proposta por um dos genitores contra outro, ou pelo Ministério Público, contra ambos os pais, ou somente em face do pai ou da mãe da criança ou do adolescente negligenciado, de acordo com o previsto no artigo 201, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

I - conceder a remissão como forma de exclusão do processo;

II - promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes;

III - promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude;

Existe entendimento tanto jurisprudencial12, quanto doutrinário, de que na ação de

destituição do poder familiar proposta pelo Ministério Público contra os genitores da criança ou do adolescente, não se faz necessária a nomeação de curador especial ao menor, sendo que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou nesse sentido conforme ementa abaixo:

12 Súmula 22 do TJRS: Nas ações de destituição/suspensão do pátrio poder [hoje, poder familiar], promovidas

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. 1. Estando os interesses da criança e do adolescente resguardados pelo órgão ministerial, não se justifica a nomeação de curador especial da Defensoria Pública na ação de destituição do poder familiar (Precedentes desta Corte). 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 408797 RJ 2013/0341619- 1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 20/05/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2014)

Contudo, apesar do argumento de que, atuando no processo de destituição do poder familiar como parte, o Ministério Público estaria também defendendo os interesses da criança ou do adolescente, merece destaque o posicionamento de Péricles Batista da Silva, que diz:

Em suma, numa abordagem técnica, a não designação de curador especial para cuidar exclusivamente dos interesses da criança e do adolescente, implica um desequilíbrio na relação entre as partes: o julgador é imparcial; o genitor tem seus interesses cuidados por defensor, constituído ou nomeado; a sociedade e o Estado são protegidos pela atuação do Ministério Público, como custos legis. A criança ou adolescente, se não lhe é nomeado curador, não tem ninguém. Tecnicamente, está desassistido (SILVA, 2012).

De acordo com artigo 4º, inciso XVI da LC nº 80/94, é função institucional da Defensoria Pública, exercer a curadoria especial, sendo que a intervenção da Defensoria não impede a atuação do Ministério Público, muito menos há concorrência de atribuições, vez que o Ministério pode atuar no processo como parte ou como fiscal da lei. Atuando como parte no processo de destituição do poder familiar, não há que se falar que esteja também tutelando os interesses do menor, já que muitas vezes age mais com o intuito de punir aos pais da criança ou do adolescente, do que atender ao melhor interesse da criança.

Portanto, não sendo lícito ao órgão ministerial atuar como parte no processo e também como representante processual da criança ou do adolescente, inviável seu

desempenho como Ministério Público cumulado com a função de Curador Especial, cabendo tal função, conforme determinação legal já mencionada, exclusivamente à Defensoria Pública com base em sua legitimação legal estabelecida também como função institucional.

Nas palavras de Bruno César da Silva:

Esta representação judicial especial é essencial para a efetivação do princípio da proteção integral (artigo 227, CF e arts. 3º, 4º e 6º, do ECA), ao fazer com que as crianças e os adolescentes deixem de ser meros objetos da intervenção judicial quando em situação irregular, para serem considerados pessoas em desenvolvimento que são sujeitos de direitos e deveres, assim como qualquer outro cidadão, merecendo, então, terem seus interesses efetivamente resguardados em todas as demandas em que estejam envolvidas (SILVA, 2013, p.633)

De acordo com artigo 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse. Portanto, qualquer parente pode propor a ação, sendo, contudo, indispensável a citação do(s) genitor(es) para integrar(em) a ação como litisconsortes necessários, vez que é inadmissível a existência de ação de destituição do poder familiar sem a ciência dos pais para que possam se manifestar no processo.

Portanto, o (a) Requerido (a) (caso a ação tramite na Vara de Família13) ou o(a)

Réu(Ré) (caso a criança esteja em situação de risco e a ação tramite na Vara da Infância e Juventude) deve ser citado pessoalmente, sendo que nos casos em que se encontre em privação de liberdade, deverá haver o questionamento sobre a necessidade de nomeação de defensor público, conforme expressamente previsto no artigo 159, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Contudo, mesmo que a ação não seja contestada, o juiz deverá de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinar a realização de estudo psicossocial e a oitiva de testemunhas, conforme determina o artigo 161, §1º do Estatuto da Criança e do

13 Nesse sentido, Súmula nº 69 do E. TJSP: “Compete ao Juízo da Família e Sucessões julgar ações de guarda,

Adolescente. Importante ressaltar que, muitas vezes, a ausência de contestação do pai ou da mãe no processo de destituição, ocorre em decorrência da falibilidade da citação, que é o chamamento para participação no processo. Como não há comunicação entre as Varas de Família e as Varas de Execução Penal, a ausência de informação da mãe que está presa, faz com que esta seja tida como desaparecida ou desinteressada no processo, sendo que pode apenas não ter a menor ideia do que está acontecendo, vez que não foi informada da existência da ação.

Além disso, o ECA estabelece no artigo 161, §4º que “é obrigatória a oitiva dos pais sempre que esses forem identificados e estiverem em local conhecido”. (grifo nosso). Ora, estando os pais sob a guarda do Poder Público, em situação de privação de liberdade, então não estão em local desconhecido pelo Estado, uma vez que este tem a obrigação de cuidar para que ocorra a correta comunicação à presa da existência de processo de destituição do poder familiar que contra ela existe, com o risco da perda do poder familiar sobre seus/suas filhos/as, e envio das crianças para abrigo ou cadastro de adoção.

Nesse sentido, incabível a utilização da citação por edital sem esgotamento de todos os meios possíveis para localização dos genitores, devendo ser declarada nula a citação quando não verificado o procedimento adequado, de acordo com a sentença abaixo, da qual transcrevemos a ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ACOLHIDA PRELIMINAR DE NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. Tratando-se de procedimento para destituição do poder familiar, a citação por edital só deve ser promovida após o esgotamento das tentativas de localização da parte demandada por meio de consulta junto a órgãos públicos e empresas de telefonia, pelo menos. DESCONSTITUÍRAM A SENTENÇA. (Apelação Cível Nº 70062729827, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 23/04/2015). (TJ-RS - AC: 70062729827 RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 23/04/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/04/2015)

Destarte, apesar da necessidade de brevidade na conclusão do processo de destituição do poder familiar, determinando o artigo 163 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, o prazo máximo de 120 dias para conclusão do procedimento, entendemos que garantias e direitos precisam ser respeitados, uma vez que nem sempre a solução mais rápida, é a que visa atender ao melhor interesse da criança e do adolescente.

Importante ressaltar, que não estamos defendendo a protelação do processo de destituição do poder familiar indefinidamente, muito menos se acredita que em hipótese alguma a destituição deverá ser decretada, apenas consideramos que, por ser uma decisão excepcional e tendo em vista os programas sociais de proteção familiar presentes em nossa sociedade, não é viável que o assunto seja tratado de forma superficial e com base em interesses outros que não sejam aqueles que visam exclusivamente à solução do problema e o cuidado dos indivíduos envolvidos, ao invés da punição e julgamento injustificados.

Desta maneira, entendemos que nos casos em que for verificado o total desinteresse por parte dos genitores em manter a criança sob sua guarda e tutela, ou mesmo a inexistência do desejo de continuar exercendo o poder familiar sobre a criança ou o adolescente, manifestada a vontade de colocá-la (o) para adoção, e infrutíferas as tentativas de restabelecimento das relações familiares, inviável a protelação do processo, vez que apenas será prejudicial à criança ou adolescente, aumentando seu sentimento de abandono.

Apenas nestas circunstâncias, concordamos com Maria Berenice Dias ao afirmar que:

Infelizmente, as ações se arrastam. É tentada, de forma exaustiva, e muitas vezes injustificada, a mantença do vínculo familiar. Em face da demora no deslinde do processo, a criança deixa de ser criança, tornando-se “inadotável”, feia expressão que identifica que ninguém a quer. O interesse dos candidatos à adoção é sempre pelos pequenos. Assim, a omissão do Estado e a morosidade da Justiça transformam as instituições em verdadeiros depósitos de enjeitados, único lar para milhares de jovens, mas só até completarem 18 anos. Nesse dia simplesmente são postos na rua (DIAS, 2016).

Ressalvados os casos em que é expresso o desejo de desfazimento dos vínculos familiares, entendemos que pelo caráter excepcional, pela seriedade da decisão e as profundas implicações advindas tanto para criança ou o adolescente quanto para família, a decisão do afastamento do convívio familiar apenas e unicamente deverá ser aplicada quando representar o melhor interesse da criança ou do adolescente, de acordo com seu pleno desenvolvimento

físico e emocional e quando não houver outras opções que tornem possível o restabelecimento dos vínculos com a família de origem.

3.3. VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DA MÃE E DA CRIANÇA DENTRO DO

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