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Vida pós-cárcere

No documento PRISCILA COELHO...pdf (982.1Kb) (páginas 45-48)

CAPÍTULO I – ENCARCERAMENTO FEMININO

1.4. Condições do encarceramento feminino no Brasil

1.4.3. Vida pós-cárcere

Diante de tudo que foi exposto no decorrer desse capítulo, passamos agora a analisar as condições que mulheres egressas do sistema prisional irão encontrar nas ruas, após o cumprimento de sua pena, ou com a progressão de regime de cumprimento de pena, ocasião em que poderão, gradativamente, voltar a conviver em sociedade.

No regime semiaberto, as presas possuem autorização para trabalhar durante o dia, devendo retornar à noite para dormir na prisão. Esse benefício, previsto na Lei de Execução Penal, é concedido às mulheres que já tenham cumprido pelo menos 1/6 da pena e que possuam bom comportamento. Em tese, a progressão para o regime semiaberto ajudaria a remir a pena, vez que a cada três dias trabalhados, um dia da pena é reduzido, além de oportunizar para a presa o ganho de renda e promover sua reintegração junto à sociedade.

Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

Apesar de a ideia ser muito boa na teoria, muitas barreiras ainda precisam ser rompidas para que a proposta possa encontrar espaço para funcionar na prática, já que na grande maioria das vezes, estas mulheres não recebem qualquer tipo de instrução que as qualifique para vida profissional. Quando existe a possibilidade de trabalhar dentro do estabelecimento prisional ou de participar de oficinas que desenvolvam alguma atividade laboral, esta oportunidade não consegue abranger a todas, pela falta de vagas que atenda toda população carcerária.

Neste contexto, quando conseguem atingir os requisitos necessários, tornando-se aptas para progredir ao regime semiaberto, estas mulheres se deparam com um enorme abismo formado pelo preconceito social, acompanhado do estigma que o cárcere produz sobre qualquer pessoa, o que resulta em um grande “NÃO” da sociedade ao pedido de contratação em qualquer atividade que lhes ofereça um salário suficiente para garantir seu sustento e auxiliar aos familiares que dela dependem.

De acordo com as Regras de Bangkok:

O tratamento das pessoas condenadas a uma pena ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo, na medida em que o permitir a duração da condenação, criar nelas à vontade e as aptidões que as tornem capazes, após a sua libertação, de viver no respeito da lei e de prover às suas necessidades. Este tratamento deve incentivar o respeito por si próprias e desenvolver o seu sentido da responsabilidade.

Partindo do pressuposto de que a ressocialização é destinada às presas que já foram anteriormente inseridas na sociedade, podemos entender que isso não ocorre com grande parte da população carcerária existente no Brasil, vez que conforme já demonstrado em tópicos anteriores, o perfil da mulher encarcerada é representado por pessoas que foram durante a vida inteira, negligenciadas pelo Estado e postas à margem da sociedade, até que em algum momento da vida, essas pessoas foram pegas pela política criminal brasileira que a elas é destinada, não sendo razoável afirmar que no cárcere ocorrerá sua ressocialização, com posterior retorno à sociedade totalmente apta a ser reinserida. Francisco Munõz Conde (2002) irá dizer que falar de ressocialização do delinquente só tem sentido quando a sociedade na qual se pretende reintegrá-lo é uma sociedade com uma ordem social e jurídica justas.

Assim, sendo este um problema também da sociedade, é necessária a percepção de que sem o auxílio desta, é impossível se livrar do estigma do cárcere e do retorno à marginalização, devendo ocorrer uma devida reintegração social da pessoa que está deixando o sistema prisional em retorno à sociedade, pois de acordo com BARATTA, (1999) a reintegração constitui uma “via de mão dupla”, a abertura de um processo de comunicação a partir do qual os presos possam se reconhecer na sociedade e esta possa se reconhecer na prisão, sendo que ambos têm responsabilidade por esta aproximação.

Segundo BRAGA (2013), a prisionização seria o impacto da prisão na identidade da pessoa encarcerada, consistente na desadaptação para a vida em liberdade e na assunção das atitudes, linguagem, costumes e valores da cultura prisional. Sem o apoio da sociedade e do Poder Público em um momento pós-cárcere, para receber esta pessoa egressa do sistema prisional, oferecendo-lhe oportunidades diversas das ofertadas pelo mundo do crime, o círculo vicioso predeterminado por nossa política criminal e que as envolve a cada dia, jamais terá um fim.

Diante disso, questionamos se, apesar de expressamente proibido no artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição Federal, a existência de penas de caráter perpétuo, não é isto que encontramos em vigor atualmente no Brasil, tendo em vista que o estigma do cárcere e o eterno rótulo de ex-presidiária irão acompanhar para sempre mesmo àquelas que já cumpriram sua pena perante a sociedade e desejam recomeçar uma nova vida. A busca destas mulheres (e também homens) marginalizadas por uma readequação dentro da sociedade, apenas resulta no encontro de abandono e solidão, reproduzindo os efeitos que o cárcere produz sobre suas vidas.

Nesse sentido, de acordo com recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), a prisão adequada para uma mulher é aquela que não existe, e apesar de ignorada pelo Brasil, que por sua vez não faz cumprir as Regras de Bangkok para o tratamento de mulheres presas, devemos entender que diante de uma situação que enseje ao encarceramento feminino, devem ser priorizadas medidas não privativas de liberdade.

Regras de Bangkok - Regra 60

Serão disponibilizados recursos suficientes para elaborar opções satisfatórias às mulheres infratoras com o intuito de combinar medidas não privativas de liberdade com intervenções que visem responder aos problemas mais comuns que levam as mulheres ao contato com o sistema de justiça criminal. Essas intervenções podem incluir cursos terapêuticos e orientação para vítimas de violência doméstica e abuso sexual; tratamento adequado para aquelas com transtorno mental; e programas educacionais e de capacitação para melhorar possibilidades de emprego. Tais programas considerarão a necessidade de prover atenção para as crianças e de criação de serviços exclusivos para as mulheres. (Grifo nosso).

Desta maneira, e de acordo com o que verificamos ao longo deste capítulo, se o cárcere não se apresenta como um local apropriado para mulheres adultas, menos ainda o será para uma criança. Contudo, conforme passaremos a expor no próximo capítulo, o direito a convivência familiar entre a mãe e a criança ou adolescente, precisa ser respeitado, independentemente do descaso advindo do Poder Público, afinal, trata-se de um direito constitucionalmente garantido, não condicionado à boa vontade de autoridades públicas.

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