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O PROCESSO DE TROCAS DESIGUAIS: UM CONJUNTO DE RELAÇÕES DESIGUAIS

TRADUÇÃO DO CARTÓGRAFO-PESQUISADOR

1 O COLONIALISMO DA CULTURA FRENTE A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA CULTURA POPULAR

1.2 O PROCESSO DE TROCAS DESIGUAIS: UM CONJUNTO DE RELAÇÕES DESIGUAIS

No mundo da realidade concreta na qual ocorrem as relações sociais a

[...] globalização hegemônica significa uma expressão exponencial das relações transfronteiriças. [...], com a consequente transformação das escalas que tem dominado até agora os campos sociais da economia, da sociedade, da política e da cultura” (SANTOS, 2002, p.16, grifos nossos).

Há no mundo distintas formas de opressão que tem persistido durante séculos e desafiam os pesquisadores críticos a promover debates profícuos e esclarecedores. Elas

2Trataremos disso no capítulo III.

fazem parte de um “conjunto de relações desiguais” no sentido assinalado por Boaventura Santos (2002). Inicialmente, é prudente fazer uma rápida incursão em distintas maneiras de colonizar/globalizar as culturas oriundas de saberes periféricos enquanto assimetrias que dão conteúdo ao movimento de contra-hegemonia.

Esse tipo de assimetria não é algo novo, vem desde as grandes navegações no século XV. Ali começava um processo de mundialização de trocas desiguais entre o centro e a periferia do sistema global na esfera da circulação de pessoas e mercadorias.

Sendo assim, a existência de trocas entre os povos de várias etnias e nações, promoveu a ocorrência de práticas de relações desiguais. Isso vem se modernizando a cada período histórico. Por essa razão, essas trocas desiguais são denominadas de processo de globalização hegemônica.

No curso do processo histórico a globalização hegemônica recebeu várias roupagens, seja como: grandes navegações, colonialismo, escravatura, evangelização, imperialismo, desenvolvimento e subdesenvolvimento e globalização. Para compreender a ocorrência do processo de mundialização de trocas desiguais, neste recorte de pesquisa sinalizamos para tipos diferentes de globalização que estão relacionadas com a problemática em estudo, são elas: econômica, social, política e cultural.

Com isso, a defesa empreendida pelos idealizadores dos movimentos de cultura popular em favor de uma nação que guiasse seu processo histórico de crescimento de dentro para fora se tornava cada vez mais difícil nesse cenário de transformação das escalas de domínio. De acordo com Germano(2006a), a globalização econômica ocorre quando há redução da regulação pública das economias nacionais, especialmente nos países semiperiféricos e periféricos, além de uma redução radical dos direitos sociais e subordinação dos estados nacionais aos interesses dos países historicamente hegemônicos.

A redução dos direitos sociais a parâmetros mínimos se deu sob a construção de um tecido social brasileiro com severas restrições de ideias e de práticas democráticas. Estas restrições se encontram no campo da globalização social e se deram através da manutenção de uma linha abissal entre os países ricos e os pobres, estando intimamente ligada à iniquidade da distribuição da riqueza mundial, a qual “se realiza mediante o incremento das desigualdades sociais” (GERMANO, 2006a, p.2).

Isso ocorreu simultaneamente com a introdução de “importantes mudanças no sistema interestatal mundial, modificando as estruturas internas dos estados nacionais, notadamente dos países semiperiféricos e periféricos” (GERMANO, 2006a, p.3). O incremento dessas desigualdades sociais atingiu diretamente a possibilidade de tomada de consciência histórico-geográfica, de valorização da cultura popular e da participação na tomada de decisões que resvalou nas realidades existenciais populares no Brasil, especialmente na região Nordeste. Estas mudanças se deram dentro do paradigma da globalização política. Esse processo tem se voltado contra a soberania das nações semiperiféricas e periféricas, que restringe a ideia de democracia ao ferir as soberanias populares.

No campo da cultura, o processo de trocas desiguais se baseou na tentativa de homogeneizar os universos simbólicos da sociedade brasileira, em especial de suas classes populares, conforme os interesses hegemônicos globalizantes da época ao se definir os temas e a agenda cultural de acordo com os interesses daquelas nações dominantes. Temos claro, nesta pesquisa, que a restrição de possibilidades emancipatórias na realidade existencial dos jovens e adultos atendidos pelos movimentos de cultura e educação popular da década de 1960 era reiterada pelo imperialismo cultural ocidental, particularmente o norte-americano.

Os movimentos culturais ocorridos em nosso recorte de pesquisa se constituíram num campo de confluência de uma diversidade cultural com relevante potencial para resistir a essa homogeneização hegemônica. Contou com ideias contrárias à exclusão e às desigualdades sociais, políticas e econômicas, e a favor do respeito à diversidade de culturas. Nessa perspectiva, “a multiculturalidade emancipatória, por sua vez, é um tema indissociável dos movimentos antiglobalizantes ou que lutam em favor da constituição de uma globalização contra-hegemônica” (GERMANO, 2006a, p.5).

No contexto político dos movimentos de cultura educação popular, a cultura popular passou a ser encarada como um componente importante do processo de reordenamento das diferenças, na medida em que ocorreram lutas por afirmação, pelo resgate à identidade local, pelo reconhecimento de características temporais e locais em função da liberdade que resiste ao processo hegemônico (GERMANO, 2006a).

Portanto, os movimentos culturais locais lutam por ações e políticas emancipatórias para resistir a poderes translocais, nacionais ou globais. Há uma forte relação dicotômica no espaço nacional brasileiro da época como uma instância de

mediação entre o local e o global. Germano (2006a, p. 7, grifos nossos), trata da delicada situação dos países semiperiféricos e periféricos quando afirma que

a situação dos países pós-coloniais é ainda mais complexa, pois aí residem, para além de todos os outros problemas, os riscos de perpetuação do Estado Colonial em contextos de pós- independência, mediante a persistência de uma herança pós-colonial que oprime e mata.

Existiu naqueles movimentos culturais a busca pela inclusão do outro, pela responsabilidade com os outros e pelo alargamento do sentido do “nós”. A noção de solidariedade contra-hegemônica está ligada à esperança na possibilidade de um outro mundo, e reside na esperança de um futuro melhor, diferente do presente para que haja a reinvenção da emancipação social a partir das experiências sociais da parte subordinada, consideradas localidades remotas dos países semiperiféricos e periféricos do mundo.

Todo o processo de mundialização de trocas desiguais, em seus mais diversos campos, provocou uma separação profunda entre o conhecimento científico e as outras formas de conhecimento, a exemplo da cultura popular. Esta fragmentação revestiu-se de formas diversas no seio da crise gestada pelo paradigma epistemológico dominante da época. Aqui, se faz necessário trazer a discussão do que seria o pensamento pós- moderno e pós-colonial, centrais nesta pesquisa, bem como sobre o que seria o exclusivismo epistemológico da ciência moderna e da redução das possibilidades emancipatórias na modernidade ocidental.

Para tanto, é necessário notificar que a história mundial foi marcada pelas eras imperiais que instituíram um sistema intelectual e cultural tendo como referência o universalismo europeu e norte-americano, excluindo a possibilidade de haver um diálogo entre outros saberes. Contudo, observamos no terceiro milênio que o legado da cultura e da educação vem com as marcas do mundo, dos embates travados na produção da ciência moderna em todos os campos do conhecimento.

Em síntese, essas trocas desiguais estrangularam a economia nacional brasileira da época e, ao mesmo tempo, reduziram as possibilidades de emancipação das localidades periféricas, bem como também os direitos sociais das classes populares. Essa escala de domínio global que restringia ideias e práticas democráticas com a construção de ausência da própria cultura popular aqui se estabelecia ao passo que o

imperialismo cultural norte-americano buscava homogeneizar as representações sociais nos universos simbólicos das camadas populares.