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CAPÍTULO 3: COMPREENSÃO LEITORA

3.4 Processo Inferencial

Uma noção importante, para não dizer central, no contexto da compreensão leitora é a de inferência. Muito embora ela seja de extrema importância para os estudos relacionados com a compreensão de textos.

(MARCUSCHI, 2008; KLEIMAN, 2000), esse conceito geralmente não é bem definido, pois cada pesquisador (ou grupo de pesquisadores) o define de maneira distinta, de acordo com o tipo de pesquisa e de dados que estão sendo analisados. Dessa forma, o termo inferência tem sido usado para descrever as mais variadas operações cognitivas, que vão desde a identificação do referente de elementos anafóricos até a construção de esquemas ou modelos mentais dos textos.

De uma maneira geral, podemos afirmar que a inferência é uma operação cognitiva que permite ao leitor construir novas proposições a partir de outras já dadas. Essa nos parece semelhante a uma visão da inferência dada (DELL'ISOLA, 2001, p. 44), o qual afirma que: Inferência é um processo cognitivo que gera uma informação semântica nova a partir de uma informação semântica anterior, em um determinado contexto.

Sobre a questão do papel das inferências na compreensão textual, é de grande valia citar o trabalho de Machado (2005), o qual apresenta a inferência como um processo particular de adivinhação, noção próxima à de Goodman (1985, p. 833): “inferência é uma estratégia geral de adivinhação, com base no que é conhecido, informação que é necessária, mas não conhecida”.

Outra questão que se ressalta neste trabalho é apresentar algumas importantes definições de inferências, do ponto de vista de diferentes pesquisadores que têm se interessado pelo tema. Aqui, apresentaremos algumas definições encontradas no referido trabalho:

1. Em Coscarelli (2003), encontramos a definição de McLeod (1977), segundo o qual inferências são informações cognitivamente geradas com base em informações explícitas, linguísticas ou não linguísticas, desde que em um contexto de discurso escrito contínuo e que não tenham sido previamente estabelecidas.

2. No mesmo trabalho de Coscarelli (2003), localizamos a definição de Frederiksen (1977), segundo o qual inferências ocorrem sempre que uma pessoa opera uma informação semântica, isto é, conceitos, estruturas proposicionais ou componentes de proposições, para gerar uma nova informação semântica, isto é, novos conceitos de estruturas proposicionais.

3. Beaugrande e Dressler (1981 apud KOCH; TRAVAGLIA, 1989) veem as inferências como operações que consistem em suprir conceitos e relações razoáveis para preencher lacunas (vazios) e descontinuidades em um mundo textual. Para esses autores, o processo inferencial busca sempre resolver um problema de continuidade de sentido.

4. Para Goodman (1985, p. 833), “inferência é uma estratégia geral de adivinhação, com base no que é conhecido, informação que é necessária, mas não conhecida”.

5. Dell'Isola (2001), fundamentando-se em Rickheit; Schnotz e Strohner (1985), afirma que: Inferência é um processo cognitivo que gera uma informação semântica nova a partir de uma informação semântica anterior, em um determinado contexto. Inferência é, pois, uma operação cognitiva em que o leitor constrói novas proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos pela experiência de vida, com os quais preenche os ‘vazios’ textuais.

Como se pode perceber, há uma diversidade de definições de inferência, das quais foram citadas apenas algumas que consideramos mais frequentes. Todas, contudo, parecem apontar uma característica fundamental desse processo, trazer uma informação que não está no texto, seja através de adivinhação, como afirma Goodman, seja através da geração de informação semântica nova, como afirmam Rickheit; Schnotz e Strohner (1985).

Rickheit; Schnotz e Strohner (1985) destacam ainda que o processo de compreensão do discurso deve ser dividido nos seguintes subprocessos de geração de informação:

Decodificação: é a geração de informação semântica a partir de informação não semântica.

Codificação: é a geração de informação não semântica a partir de informação semântica.

Inferência: é a geração de informação semântica a partir de informação semântica.

O conceito de inferência torna-se central no nosso trabalho, uma vez que, dentre os níveis de compreensão leitora a que se referem Alliende e Condemarín (2005), está em um nível de leitura chamado de inferencial, no qual o leitor é levado a usar as idéias e informações explicitamente colocadas no texto, sua intuição e experiência pessoal como base para conjeturas e hipóteses. Na verdade, os níveis de compreensão mencionados acima são em número de cinco, sendo a compreensão inferencial um deles. A pesquisa que estamos fazendo avaliará os níveis inferencial e crítico de leitura dos informantes selecionados, daí a importância de se entender o que é inferência e qual o seu papel no processo de compreensão.

É preciso destacar também, neste estudo, que há uma diversidade de classificações de tipologias de inferências, das quais citaremos a proposta de Marcuschi (1989, apud Ferreira e Dias, 2004), o qual classifica os tipos de inferências em:

Inferências lógicas: relações lógicas submetidas aos valores de verdade na relação entre as proposições (abordagem crítica).

Inferências analógicas: conhecimentos de itens lexicais e relações semânticas (os significados das palavras).

Inferências pragmático-culturais: experiências, crenças, ideologias e axiologias individuais (valores individuais).

No entanto, essa classificação deve ser complementada com a proposta de Machado (2005), o qual propõe que se combinem diversas classificações, a partir dos seguintes critérios:

a) Quanto ao conteúdo semântico:

1. inferências lógicas: são as que respondem principalmente à pergunta “por quê?” e buscam explicitar as causas e as consequências dos fatos, eventos e emoções presentes no texto;

2. inferências informativas: são as que buscam estabelecer as referências do texto (dêiticas, analógicas, metafóricas, metonímicas etc.) e o contexto espaço- temporal dos eventos. São aquelas inferências que buscam responder às perguntas: quem? o quê? onde? quando?

3. inferências avaliativas: são aquelas que, baseadas nas crenças e valores dos sujeitos, respondem às questões do tipo: a personagem agiu certo ou

errado? fez bem ou mal? qual seu estado emocional (estava alegre, triste, com medo...)?

b) Quanto à origem das inferências:

1. inferências de base textual: são aquelas inferências feitas a partir da relação de duas ou mais proposições (macro ou microposições) presentes no texto fonte;

2. inferências de base contextual: são aquelas realizadas ao se estabelecerem relações entre proposições presentes no texto fonte e o contexto;

3. inferências sem base textual: são inferências realizadas sem fundamentos textuais, constituindo-se em extrapolações ao conteúdo do texto.

c) Quanto à necessidade das inferências:

1. inferências conectivas: são aquelas necessárias à compreensão porque ligam partes do texto, e sem as quais o texto torna-se ininteligível ou sem sentido;

2. inferências elaborativas: são as que, embora possam ser feitas, não são necessárias. Ocorrem quando o leitor usa seu conhecimento sobre o tópico em discussão para preencher detalhes adicionais não mencionados no texto, ou para estabelecer conexões entre o que está sendo lido e itens relacionados ao seu conhecimento pessoal.

Como podemos perceber, a tarefa de estabelecer critérios de classificação das inferências é complexa e exaustiva. Nosso objetivo, nesta pesquisa, não é tratar diretamente dessa classificação, embora julguemos pertinente apresentar algumas noções para que possamos avaliar o quão importante é o conhecimento deste processo mental e cognitivo chamado de inferência para os estudos de compreensão leitora.

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