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7. As concreções carbonatadas 76

7.3. Processos de formação das carbonatações 96

Subjacente à precipitação de carbonatos, que originaram as crostas e concreções carbonatadas no interior das grutas, houve anteriormente uma cadeia de reacções que implicou a interacção de vários factores.

Primeiramente surgiram as condições à dissolução do substrato calcário envolvente, através de água carregada de ácido carbónico (H2CO3). A provável

existência de um solo com vegetação terá contribuído para o aumento de CO2 presente na água que o atravessou e foi penetrando no afloramento pela sua porosidade primária, mas também muito pelas juntas de estratificação e diaclases.

Neste contacto, a água agressiva começou a reagir com o CaCO3 do biocalcarenito e iniciou processos de dissolução. A proximidade do topo da abóbada em relação à topografia da superfície faria com que rapidamente a água já carregada de iões de cálcio e hidrogenocarbonato (HCO3-) chegasse

ao interior da gruta (fig.22).

No caso da QA4, após a sua abertura, as areias, siltes, minerais de argila e bioclastos foram-se desagregando das paredes e tecto da câmara, misturando-se com as inumações e espólio aqui depositados dando início à sua sedimentação.

Houve também uma contribuição de minerais de argila e siltes, alóctones a este espaço, que terão entrado pelos acessos que, apesar de selados, não seriam absolutamente estanques à entrada de fluidos e partículas. Nesta fase, os fluidos (água) circularam essencialmente na base da

câmara e antecâmara da QA4 e não tanto nas paredes. Por outro lado, devido ao efeito de capilaridade, os depósitos ficam gradualmente impregnados destas substâncias. O aumento da temperatura, que poderá estar ligado à sazonalidade climática, levou à diminuição do teor de CO2 presente nos fluidos e fez aumentar a evaporação. A crescente saturação da água em carbonatos e sais levou à sua consequente precipitação. Esta foi ocorrendo da base para o topo dos sedimentos, por vezes em folhetos sub horizontais mais maciços e compactos, outras vezes em crostas descontínuas ou mais polvorolentas.

Este processo terá como consequência a cimentação dos detritos e dos artefactos e vestígios osteológicos que passam a ser parte constituinte destas crosta e concreções servindo as suas superfícies também como áreas de precipitação de carbonatos.

Contudo, as variações de pluviosidade e temperatura terão originado novas reacções de dissolução, mas agora também dos carbonatos secundários e dos bioclastos e ossos existentes nestes depósitos. Novas alterações levaram a uma reprecipitação com a contribuição dos carbonatos provenientes dos restos das conchas Miocénicas e dos ossos das inumações.

Um factor determinante nesta cadeia de reacções foi a existência de um ambiente interior, calmo e com pouca turbulência do ar e da água. A energia cinética do meio solvente facilita por um lado a dissolução dos carbonatos, mas por outro dificulta a sua precipitação. Deste modo, os contactos com o ambiente externo e as perturbações antrópicas terão sido poucas ou nenhumas durante esta fase de edificação de concreções.

Este foi genericamente o processo que deu origem a estas formações na QA4, existindo algumas variantes de acordo essencialmente com uma diferente circulação de fluidos. Por exemplo, no ponto de inflexão com a cavidade natural, mas ainda da parte de dentro da câmara, encontramos concreções carbonatadas estruturadas em folhetos sub verticais também com uma forte componente detrítica oriunda do substrato envolvente.

O facto destes serem inclinados mostra uma adaptação do processo de carbonatação à superfície, onde se dá a deposição e precipitação. Os folhetos são a repetição da morfologia desta parede, sendo paralelos a ela, mas sub perpendiculares às laminações internas do substrato. À vista desarmada, a estrutura é o que distingue esta formação, da rocha Miocénica porque do ponto

de vista textural e composicional são muito semelhantes. Registe-se que embora não tenham sido detectados materiais arqueológicos, há algumas esquírolas de ossos que denunciam a incorporação de espólio osteológico nas carbonatações como acontece nas do chão da câmara.

Não causa espanto, que outros investigadores no passado tenham confundido contornos antrópicos da cavidade com os contornos naturais das carbonatações. Por exemplo, na zona de transição entre a câmara e os algarochos há colmatação do ângulo vivo suavizado por carbonatações.

Fora da QA4, nas paredes e base das formas de dissolução verticais (algarochos), encontramos de novo estes folhetos que aqui, tem a particularidade de terem uma componente granulométrica mais fina de areias, siltes e argilas. Devido à quase verticalidade da parede, não permitiu que aí se fixassem grãos maiores de areia.

Estas carbonatações têm uma espessura fina a meio da parede engrossando à medida que vão descendo, aumentando também a percentagem detrítica sem no entanto, aumentar o calibre dos seus componentes. Os fluidos carbonatados circulavam pelas paredes, vindos do exterior, precipitando em proporções diferentes de acordo com a profundidade. A permanência de água carregada HCO3- que se acumulava no fundo destas

fendas naturais favoreceu a constituição de carbonatos. Na base do algarocho as carbonatações dão lugar a uma argila de tipo terra rossa, fruto da dissolução do substrato (fig. 33). Ainda dentro deste espaço, a estrutura composta por duas grandes lajes e um bloco, bem como outros mais pequenos, estão envolvidos por um sedimento areno-argiloso que foi cimentado por CaCO3. Esta estrutura originalmente foi colmatada com sedimento pelos seus construtores. No entanto, a precipitação litificou-a permitindo que esta tivesse maior resistência.

Uma diferença notória na composição destes depósitos externos à gruta, e dentro destas pequenas cavidades naturais de dissolução, é ausência total de qualquer tipo de materiais arqueológicos. Este é um aspecto distintivo das carbonatações que se formaram no interior da gruta artificial QA4 em relação aquelas que aparecem no espaço das cavidades naturais.

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Figura 33 - Processos ocorridos na formação de carbonatações calcárias na QA4. 1- Dissolução e sedimentação. 2- Precipitação e um tempo de abandono da QA4. 3- Novas deposições e inumações. 4- Abandono da gruta QA4 e colapso da abóbada.

Figura 34 – Processo de formação das concreções calcárias na gruta QA3. 1- Os fluidos carbonatados circulam nas descontinuidades que atravessam o chão da câmara. 2- À medida que vão precipitando os carbonatos no topo destas diaclases vai-se formando um espeleotema de secção em meia cana no chão da câmara.

No caso da QA3, registam-se algumas diferenças na génese das concreções. Estas resultam essencialmente da precipitação de CaCO3, sem que haja sedimentação de componentes detríticos. Os fluidos carregados de hidrogenocarbonato de cálcio circulam por percolação através das diaclases que atravessam o interior da gruta QA3 (fig. 34). Quando são criadas as condições de precipitação, os carbonatos vão-se formando no topo das descontinuidades. Com o tempo, os mais recentes, à medida que vão crescendo de baixo para cima, vão empurrando os mais antigos para os lados gerando acumulações maciças de secção em meia cana ao longo das diaclases.

Mais uma vez, e à semelhança de uma gruta cársica, o ambiente sem turbulência do meio aquoso e do ar, propiciou estes espeleotemas. Uma alteração ou perturbação da estabilidade interna dificultaria a existência destes processos.

Finalmente, a circulação de fluidos carbonatados nas zonas mais baixas das paredes e no chão da cavidade criou finas películas de CACO3 nestes sítios. Também estes não têm detritos provenientes do substrato ou materiais arqueológicos incorporados.