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Processos estruturais, soluções interdisciplinares e educação jurídica

PARTE 1 DA EXECUÇÃO

3.2 PROCESSOS ESTRUTURAIS E EXECUÇÃO

3.2.2 Processos estruturais, soluções interdisciplinares e educação jurídica

Para a solução de processos estruturais é possível apontar a adoção de respostas interdisciplinares75 focadas ao caso concreto. Não é de hoje a divulgação de estudos sobre a aplicação de outras ciências ao direito. A análise econômica do direito, bastante difundida por Richard Posner, é bem conhecida por muitos doutrinadores. Além da economia, áreas como a matemática, engenharia, gestão corporativa etc., também podem contribuir para a realização das execuções de difícil implementação. Para demonstrar isso, passa-se à análise de uma obra classificada como “não jurídica” e como o estudo de suas ideias poderiam auxiliar na execução.

74 Por vezes, a solução jurídica é relativamente simples, mas sua implementação é complexa. Se se ajuíza, por

exemplo, ação contra maus tratos em presídios, não há dúvida de que a decisão será no sentido de proibição dessas práticas. Mas resolver faticamente essa situação é um desafio enorme. Para confirmar o que aqui se defende, a saber, falta de indicação doutrinária precisa acerca de como o juiz deve implementar decisões estruturais, os seguintes trabalhos podem ser citados a título de exemplo: a) FISS, Owen. “Fazendo da constituição uma verdade viva – quatro conferências sobre a structural injuction”. Processos estruturais/ Organizadores, Sergio Cruz Arenhart, Marco Felix Jobim. Salvador: Juspodivm, 2017, pp. 25-51. Owen Fiss até discute casos concretos e a possibilidade de acordo para solucionar o processo complexo. Mas nada que possa servir de um modelo seguro para outros casos. Na verdade, o próprio autor critica uma das soluções que apresentou, no caso, a realização de acordo como forma de solução de litígios complexos. b) VERBIC, Francisco. “Ejecución de sentencias em litigios de reforma estructural en la república argentina”. Processos

estruturais/ Organizadores, Sergio Cruz Arenhart, Marco Felix Jobim. Salvador: Juspodivm, 2017, pp. 63-84.

Nesse escrito, Verbic, a partir de um caso concreto, aponta a possibilidade de criação de comitês de controle e supervisão com participação inclusive do terceiro setor e da cidadania, além da intervenção de órgãos públicos específicos para controlar alguns aspectos dessa execução coletiva. Também aponta a possibilidade de delegação da solução para outros juízes ou “funcionários especiais”. Mas não há aprofundamento nessas questões. Novamente o magistrado teria apenas breves linhas para seguir. c) VITORELLI, Edilson. O devido processo

legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. Embora tenha

feito ampla pesquisa e reconstruído a forma de se compreender o processo coletivo, com abordagem, inclusive, do processo estrutural, Vitorelli focou atenção no problema da legitimação para o processo coletivo. Não há, em seu trabalho, pelo menos não diretamente, ou em tópico específico, desenvolvimento de como o magistrado realizará a decisão advinda desses processos. É importante, contudo, destacar que Vitorelli possui preocupação com uma solução racional, buscando, inclusive, resposta mediante ajuda da comunidade científica especializada na matéria em discussão, se for o caso; d) VIOLIN, Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo

estrutural – o controle jurisdicional de decisões políticas. Salvador: Juspodivm, 2013. Na obra, Violin, focando

nas decisões estruturais com conteúdo político, aborda temas como legitimação, contraditório e atividade probatória. Ao final, reconhece que os meios de se impor a decisão coletiva não recebem tratamento adequado pela doutrina. Foca então atenção nas formas mais conhecidas que existem atualmente para isso: compromisso de ajustamento de condutas, multa coercitiva, bloqueio de verbas públicas e intervenção judicial. Não trata, contudo, da interdisciplinaridade, traçando apenas linhas gerais para problemas muitas vezes bastante complexos.

75 Ivani Fazenda aponta a dificuldade de se desenvolver ensino e pesquisa interdisciplinar no Brasil. Esses

Um importante livro sobre execução é de autoria de Larry Bossidy e Ram Charam: “execução – a disciplina para atingir resultados”76. Nenhuma obra jurídica citada nesta tese

referiu-se a esse livro, pois os autores acima não são da área legal. Trata-se de estudo destinado a grandes executivos, procurando demonstrar que, no contexto da administração, a atividade executiva possui tanta ou talvez mais importância do que a de planejar. Não adianta estabelecer objetivos, se não se consegue executá-los. Em termos práticos: uma decisão

inexequível não resolve o caso.

Neste livro, explica-se que de nada adianta elaborar estratégias impressionantes se não se consegue executá-las. Para isso, sete comportamentos essenciais são salientados77:

conhecer seu pessoal e sua empresa; insistir no realismo; estabelecer metas e prioridades claras; concluir o que foi planejado; recompensar quem faz; ampliar as habilidades das pessoas e conhecer a si próprio. Na efetivação das decisões, esses comportamentos podem trazer alguma diferença.

O magistrado precisa conhecer bem o que faz e os limites da atuação do judiciário, considerando os recursos que este possui. Precisa saber com quem pode contar, dentro e fora de sua secretaria, não impedindo a manifestação dessas pessoas. É preciso saber lidar com as incertezas e com os recursos existentes. Não adiantam decisões bem elaboradas no que diz respeito ao direito aplicado ao caso, mas inexequíveis. É preciso saber lidar com as prioridades – de se pensar, nesse contexto, como são estabelecidas as metas cobradas pelo CNJ. É preciso saber como concluir (finalizar) o que foi decidido, mesmo que em etapas. Recompensar a equipe é algo essencial. Os serventuários da justiça precisam sentir-se valorizados. Ampliação de capacidades existentes e, por fim, o juiz precisa se conhecer, sabendo seus limites e abrir-se ao diálogo. Pessoas de outras áreas podem eliminar pontos cegos e deficiências. O instituto do amicus curiae é interessante nesse sentido.

O problema é que não há uma preparação adequada dos agentes do Direito nessa perspectiva. E nem se pode afirmar que isso é um problema recente. Já em 1953, F. H. Lawson, jurista comparatista, referindo-se à realidade norte americana, salientava que o

e quebrar paradigmas tradicionais de solução de problemas. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes.

Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 18. ed. Campinas: Papirus, 2012.

76 BOSSIDY, Larry. Execução: a disciplina para atingir resultados/ Larry Bossidy, Ram Charam, com Charles

Burck; tradução de Elaine Pepe. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Larry Bossidy possui ampla experiência no setor executivo empresarial, já tendo atuado, inclusive, como CEO de empresas como a AlliedSignal e a General Eletric Company. Ram Charan é um consultor e autor de vários livros sobre gestão, já tendo realizado consultoria para empresas como a General Eletric, KLM, Bank of America, Praxair e Jaypee Associates.

aumento da complexidade da vida em sociedade trazia reflexos direto no Direito e seu ensino. Salas de aula cada vez mais numerosas, tempo exíguo para apresentação dos conteúdos sempre crescentes acarretando um ensino de massa com discussões cada vez mais rasas e professores despreparados 78.

Em tempos mais recentes, e tratando da educação jurídica da América Latina, Pérez Perdomo salienta que a educação jurídica focou por demais no estudo dos códigos79. Embora houvesse uma razão política para isso – necessidade de se estudar um direito eminentemente nacional, desvencilhado daquele aplicado nas nações que ora haviam subjugado as colônias – o fato é que essa visão de ensino de direito também foi responsável pelo surgimento de uma literatura que atualmente não lida diretamente com muitos dos problemas práticos enfrentados melos magistrados: o manual de direito, livro que expressa o monólogo do professor ao aluno, pensado com fins de facilitar o ensino dos códigos80, sem a preocupação de indicar

caminhos para solução de casos concretos.

As questões apontadas acima, a saber, necessidade de desenvolvimento e aplicação de estudos interdisciplinares no Direito e educação jurídica focada na solução de problemas, ainda necessitam de atenção doutrinária no Brasil. Além disso, tais situações não afetam apenas o enfrentamento dos processos complexos. Mesmo execuções singulares podem requerer soluções interdisciplinares e formação jurídica específica. O que ocorre é que nos processos estruturais tais pontos ganham maior relevância.

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