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3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.3. Processos judiciais solicitando medicamentos

Em contraponto ao fornecimento de medicamentos através dos programas vigentes, tem ocorrido de forma crescente uma demanda através dos processos judiciais.

Em geral, por se tratar de questão de saúde, há necessidade imediata, razão pela qual é proposta uma ação cautelar, com pedido liminar. Para admissão dessa ação, é necessário o preenchimento de dois requisitos denominados freqüentemente como fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo na demora). Outra ação utilizada com freqüência é a ação para obrigar o Poder Público a fornecer o medicamento, com pedido liminar de tutela antecipada. Esse recurso jurídico visa assegurar a imediata entrega do medicamento, enquanto o mérito, ou seja, se o Poder Público tem, ou não, o dever de fornecer o medicamento, será discutido ao longo do processo, que pode levar anos para chegar ao fim (BRASIL, 2005a).

O juiz de primeira instância, que deferiu, ou não, a liminar ou tutela antecipada deve apreciar, de acordo com os trâmites normais da ação, o mérito da ação e proferir uma sentença. Isto acontece concomitantemente ao recurso contra uma decisão provisória – como é a liminar ou a tutela antecipada – o qual é denominado agravo de instrumento. Este recurso é apreciado por três juízes de segunda instância, também chamados de desembargadores. No caso, o tribunal de segunda instância competente para apreciação do recurso, é o Tribunal de Justiça do Estado ou, se a União também for ré na ação, o Tribunal Regional Federal. A sentença é a decisão definitiva (e não mais provisória) do juiz, que pode ser no sentido de confirmar a liminar ou tutela antecipada dada ou no sentido contrário, revogando a liminar (BRASIL, 2005a).

Somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão máximo na hierarquia do poder judiciário, o número de recursos relacionados ao fornecimento de medicamentos passou de dois em 2001 para 672 em 2004. De janeiro até a primeira semana de julho de 2005, já somavam 358 as ações desse tipo no tribunal. Não há levantamento do número total desses processos no Brasil, nem do gasto gerado pelas decisões favoráveis aos usuários (CONSTANTINO; FREITAS, 2005).

Segundo um editorial apresentado no jornal A Folha de São Paulo, a notícia de que decisões judiciais estão definindo a política de medicamentos deve ser recebida com um misto de reverência e desconfiança. “De um lado, tem-se a democracia em ação. Pacientes vão à Justiça e tentam obter o que julgam ser seu direito. O acúmulo de decisões pode produzir resultados positivos: a política oficial de distribuição de medicamentos contra o vírus da AIDS – internacionalmente louvada – começou na Justiça. No outro pólo, porém, a prática retira das autoridades sanitárias a capacidade de decisão e de otimização do sistema. Os recursos para a compra de medicamentos são finitos. Se um paciente consegue, por liminar, o direito de receber determinado medicamento, outros doentes da rede pública deixarão de ser contemplados. A Secretaria de Saúde paulista afirma que 6% de sua verba para medicamentos já é determinada por juízes, para atender a um universo da ordem de 7.200 doentes por ano. A parte “sacrificada” acabará sendo a dos pacientes mais pobres, para os quais faltarão medicamentos às vezes básicos” (RECEITA JUDICIAL, 2002).

Em São Paulo, entre 1996 e 2002, o número de sentenças que obrigaram o governo do Estado a fornecer medicamentos novos, de alto custo, cresceu cerca de seis vezes e meia. Segundo registros de 2002, chegavam por mês à Secretaria de Estado da Saúde cerca de 600 ordens judiciais – inclusive várias coletivas – para o fornecimento de medicamentos que não constavam das listas oficiais de distribuição do Ministério da Saúde. Em 1996, não passavam de 80 determinações da Justiça. A Secretaria de Estado da Saúde estimou em cerca de R$ 1.500,00 os gastos por mês para cumprir cada ação judicial. Na prática, para o cumprimento das sentenças, são gastos anualmente mais de R$ 10 milhões (LEITE, 2002). Atualmente cerca de 10 mil pacientes recebem tratamentos de saúde através de ordens judiciais no Estado de São Paulo, sendo que os custos com as ações judiciais no ano de 2005 (cerca de 40 milhões de dólares) cresceram 79% em relação ao ano de 2004. Esse custo corresponde a 30% do orçamento para a saúde (APPIO, 2005).

Em 2002, a partir de ações civis públicas, a Justiça determinou que a Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul passasse a fornecer medicamentos para tratar o Mal de Parkinson e Alzheimer. Conforme reportagem no

jornal Folha de São Paulo, diante da não disponibilização de medicamentos para tratar a hepatite C, em julho de 2004 a Associação dos Portadores de Hepatite Crônica do Rio Grande do Sul incentivava mais de 200 pacientes a ingressarem com ações individuais na Justiça (LEITE, 2002).

Um trabalho publicado em 2005 apresenta a análise dos processos judiciais demandando medicamentos, encaminhados a Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ), nos anos de 1991 a 2002. Nesse estudo vários produtos utilizados no tratamento de pacientes HIV positivos foram responsáveis por ações judiciais e a doença por HIV não específica (B24 – classificação da CID-10) era, até 1998, a condição patológica dominante nas ações, sendo que esse perfil sofreu alterações após 1998. A partir de 1999, pela variabilidade de condições patológicas entre os pacientes que encaminharam pedidos à justiça, ocorre uma grande diversificação com relação aos medicamentos pleiteados. No ano de 2000, os medicamentos mais solicitados foram a toxina botulínica A, o riluzol e a olanzapina. Já em 2001, os medicamentos mais solicitados foram os acetatos de ciproterona e de gosserrelina. Nesse ano também se iniciam os pedidos de hidrocloreto de sevelamer, mesalazina, infliximabe e interferon peguilado. (MESSEDER; CASTRO; LUIZA, 2005).

Também em 2005, membros do Programa DST/AIDS do Ministério da Saúde, publicaram um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/AIDS no Brasil por meio de ações judiciais. Além de analisar o comportamento do Poder Judiciário e de outros atores envolvidos no acesso a novos medicamentos e a novas tecnologias, o estudo mostra a complexa tramitação da incorporação dos anti-retrovirais na rede pública de saúde, ressaltando as variantes do contexto em que se inserem as ações judiciais. Os autores do trabalho sugerem que devem ser discutidas formas e alternativas ágeis que possibilitem ao médico prescritor obter mais informações das autoridades competentes sobre as recomendações técnicas dos novos medicamentos anti-retrovirais, antes da sua inclusão em consensos terapêuticos, além de ser imprescindível que as autoridades competentes incluídas aqui as entidades representativas de classe como os Conselhos de Medicina, monitorem as ações de marketing indireto da indústria farmacêutica, visando medir suas conseqüências e influências (BRASIL, 2005a).