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Processos e métodos da gestão e seus atores na legislação educacional

INVESTIGAÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A GESTÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1 A gestão escolar na legislação educacional brasileira do século

3.1.2 Processos e métodos da gestão e seus atores na legislação educacional

Nos materiais sobre gestão educacional publicados pelo MEC, analisados nesta pesquisa, as unidades de registro relativas à categoria analítica “atores sociais envolvidos na gestão de instituições educativas” estiveram muito próximas da categoria “processos e métodos da gestão”, isto é, nesses documentos não houve uma caracterização desses

32 AGÊNCIA BRASIL. Para especialistas, Plano Nacional de Educação 'fracassou'. Rio de Janeiro: O Globo,

reportagem publicada em 29/03/2010. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2010/03/29/para-especialistas-plano-nacional-de-educacao- fracassou-916198747.asp>. Acesso em: 30/03/2010.

personagens (criança, professor, família, diretor, coordenador pedagógico, comunidade, funcionários não docentes), sendo que somente apareceram nas legislações como responsáveis pelos processos de gestão. Desse modo, optou-se por apresentar as perspectivas das políticas educacionais dessas duas categorias analíticas em conjunto nesta parte do texto.

No Plano Nacional de Educação (2001), a tecnologia foi um aspecto valorizado para a gestão escolar, pois deveria ser empregada na elaboração de censos e diagnósticos das condições concretas dos sistemas municipais de ensino e, também, aprimorar a comunicação entre instituições, secretarias da educação e a comunidade. A meta 33 do PNE caracterizou essa intenção da seguinte maneira: “Informatizar, gradualmente, com auxílio técnico e financeiro da União, a administração das escolas com mais de 100 alunos, conectando-as em rede com as secretarias de educação, de tal forma que, em dez anos, todas as escolas estejam no sistema” (PNE, 2001, p. 114). Essa meta, se cumprida, traria benefícios importantes para creches e pré-escolas que, por possuírem condições precárias de instalação, não contam com essa tecnologia.

Um aspecto central na lógica de gestão proposta pelo PNE (2001) foi a avaliação de resultados. A meta 40 definiu: “estabelecer nos municípios, em cinco anos, programas de acompanhamento e avaliação dos estabelecimentos de educação infantil”. O padrão de avaliação proposto envolvia a elaboração de padrões mínimos de qualidade de aprendizagem para as crianças atendidas em creches e pré-escolas.

O estabelecimento desses padrões deveria contar com a participação de professores, funcionários administrativos e as famílias dos educandos. Ao mesmo tempo, deveria promover a criação de conselhos de acompanhamento e de controle social dos recursos financeiros destinados à educação (Conselho Municipal de Educação, Conselho de Escola, Associação de Pais e Professores) e incluir levantamentos estatísticos ou censo escolar, para auxiliar no planejamento das ações em educação.

A participação da comunidade escolar nos processos de gestão das instituições educacionais foi analisada por Cury, no Seminário Internacional “Gestão democrática da educação e pedagogias participativas”, em 2006. O pesquisador revelou que a sociedade civil tem encontrado muitas dificuldades concretizar a participação nos processos de gestão da educação. Para o pesquisador, as razões disso encontram-se na formação cultural da sociedade brasileira, visto que,

Se de 1824 a 1834 nós tivemos um regime centralizado; diga-se de passagem, a lei de 1827 era a primeira lei geral de educação no Brasil. Ela é do dia quinze de outubro, por isso o dia do professor é dia quinze de outubro. Ela previa, desde a Constituição de 1924, que teriam acesso à educação apenas os cidadãos. Neste sentido estavam declaradamente fora ou subrepticiamente fora os escravos; por razões de um sistema patriarcal, boa parte das mulheres. Além disso, a lei falava que haveria a oferta da instrução primária apenas nas vilas populosas. Isso significa que as zonas rurais estavam descartadas. O nosso sistema, então, nasceu sob um signo, muito mais de uma seletividade oligárquica, do que sob o signo de uma abertura democrática. [...] Isto fez com que, por várias razões, as nossas populações tivessem uma cultura de pouco apetite em relação à participação na gestão escolar (Ibid., p. 106-107, grifos nossos).

Na educação infantil a presença dos pais ou responsáveis legais pela criança nas creches e pré-escolas é muito mais intensa do que nos outros níveis da educação, visto a idade das crianças que têm de ser acompanhadas por pelo menos um adulto na chegada e na saída do estabelecimento escolar. Em geral, as famílias têm um contato diário com a professora e/ou outros funcionários da escola; o objetivo principal desses encontros é sempre a aprendizagem e o bem estar da criança. Porém, a constante presença não significa necessariamente a participação nos processos decisórios da instituição. No próximo tópico esse tema será mais aprofundado.

O professor Ivandro Sales, consultor do Programa de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação, defendeu que era necessário oferecer formação política para a sociedade civil, para que efetivamente os cidadãos aprendessem a participar dos processos decisórios que envolvem a sua vida. Nesse sentido, definiu participação da seguinte forma:

[...] participação para mim é ter poder, ter poder de definir o que se quer e o modo de querer. Nesse sentido, a colaboração não é participação. Se eu colaboro no que eu defini, no que a minha categoria definiu, é participação. Agora eu colaborar no que outros definiram para mim, ai é negação da participação. [...] Para mim a participação seria tomar gosto para ter poder, se fazer tomar em consideração, se dar importância, não entregar os destinos a “salvador da pátria” nenhum, nem a governo [...], é ser governo, já que todos somos Estado (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2001, p. 131).

Na Nova Gestão Pública o cidadão é entendido como um cliente que paga, através dos impostos, pelos serviços públicos, desse modo, tem o direito de exigir um atendimento que atenda às suas demandas. No entanto, o que ocorre na educação infantil é bem diferente. Não há creches para todos, assim, muitos pais, principalmente os mais pobres, têm a compreensão de que a vaga para seu filho é um privilégio e que ele deve ser grato ao poder público por esse “favor”, mesmo que organizado de forma bastante precária.

Na lógica gerencial o cliente/cidadão é ouvido com a finalidade de se compreender as suas demandas em relação ao serviço prestado para que o mesmo seja aperfeiçoado. Dessa maneira, o cidadão é entendido como fonte de capital intelectual, que pode ser captado pelos profissionais da instituição escolar, com competência técnica para agregar valor ao produto que é colocado no mercado (a criança educada).

Outro aspecto quanto aos processos de gestão da escola, discutido no Seminário Internacional (2006), foi a forma de provimento do cargo de diretor. A professora Maria Auxiliadora Seabra Rezende, vice-presidente do CONSED, apresentou os resultados de uma pesquisa promovida pelo conselho de secretários de educação, em 2003, quanto às formas de escolha dos dirigentes escolares no país:

Na verdade, estou mostrando um quadro em relação à forma de escolha dos diretores. Nos números (como disse, o último levantamento do Conselho foi de 2003) já temos várias mudanças. Vários que estavam no grupo de eleição direta pela comunidade estão trabalhando e já passaram para o segundo grupo: trabalhando uma eleição direta, mas com uma seleção técnica. Então, temos Estados que trabalham com o processo de eleição direta. Alguns Estados começaram com esse processo da eleição direta e já migraram, compondo primeiro, uma prova para uma avaliação técnica, em termos de competências e atribuições. Depois os selecionados têm os seus nomes colocados à disposição para a eleição. Temos alguns Estados que trabalham com a seleção técnica, e aí a seleção técnica vai desde um concurso público como o estado de São Paulo. O cargo de direção é de concurso e é um cargo. Não é nem um concurso no sentido temporário; é uma função de cargo definido. Há até a seleção com critério técnico e político ainda. Infelizmente, o critério de seleção político ainda é muito presente na maioria dos municípios e em muitos estados também (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 119-20).

Moacir Gadotti, diretor geral do Instituto Paulo Freire, posicionou-se em relação a esse tema mostrando que para a efetivação da gestão democrática na escola era obrigatória a existência de lideranças democráticas. Para ele, o diretor não é o único gestor da escola; merendeiras, secretários, auxiliares, vigias, professores, educandos e pais também podem ser gestores. O diretor escolar é fundamental para estimular as relações democráticas dentro da escola, por isso, afirma ser a favor de um sistema de escolha de diretores misto, que envolva a avaliação da competência técnica dos candidatos e eleição, para medir a liderança dos mesmos, pois o diretor tem que ter as duas coisas. Nenhuma forma é perfeita, evidentemente. “[...] o importante é que não há escola democrática sem liderança democrática” (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 177).

As atitudes esperadas dos gestores da educação pública pelo MEC foram tratadas no volume 3 do PRADIME (2006), neste material defendeu-se que para a promoção da

qualidade social nos estabelecimentos educacionais, o dirigente municipal da educação precisaria:

• entender que a aprendizagem, considerada a aquisição de conhecimentos, a sua reconstrução e o seu contínuo avanço são o fim de todo o processo educacional;

• interagir com os demais gestores e defender as possibilidades de melhoria contínua das condições materiais de trabalho para os profissionais da educação;

• defender as possibilidades de melhoria contínua das condições e as possibilidades de estudo para todos os membros de sua comunidade;

• manter-se atualizado e assegurar o contínuo aperfeiçoamento dos profissionais da educação;

• respeitar as condições socioeconômicas e culturais da comunidade;

• entender que o processo educacional é suprapartidário;

• portar-se com ética e transparência;

• manter o clima de trabalho favorável ao crescimento coletivo;

• respeitar leis, decretos, portarias e as normas estabelecidas;

• ser flexível para implementar mudanças necessárias;

• saber ouvir seus colaboradores e agir com dignidade, incentivando o desenvolvimento de lideranças proativas;

• resgatar e saber valorizar o conhecimento da comunidade, da sua história oral e das suas tradições, sem contudo prendê-la ao passado, levando-a a aumentar a sua participação na sociedade, a divulgar a sua história, inserindo-a no contexto mundial;

• identificar o potencial das tecnologias da comunicação e da organização de secretarias para oferecer serviços educacionais compatíveis com as necessidades e com a realidade social;

• valorizar o profissional da educação, o trabalho coletivo, os conselhos, a participação e a contribuição juvenil;

• criar condições básicas para que os conselhos realmente representem seus membros (PRADIME, 2006, v. 3, p. 67-8).

Quanto à formação dos profissionais da educação, o então ministro da educação, Fernando Haddad, na ocasião da realização do Seminário Internacional, posicionou-se a favor da profissionalização do educador através da formação inicial e continuada para a melhoria da qualidade em educação no país. Nesse sentido, a estratégia era o investimento no ensino superior:

Só para vocês terem uma idéia, em quatro anos, contratamos nove mil docentes nas universidades públicas federais, contra quatro mil dos oito anos anteriores. [...] Dois mil desses novos professores são professores que vão atuar nos novos quarenta e dois campus universitários no interior do país, levando a universidade pública para o interior do país, ou seja, aproximando do professor da Educação Básica. A maioria desses campus contam com cursos de licenciatura, a grande maioria, quase a totalidade deles. Ou seja, para permitir, ao professor em serviço, ter a oportunidade de completar a sua formação ou de enfrentar um ciclo de formação continuada, de atualização permanente (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 193).

A maior aproximação do Ensino Superior público da Educação Básica foi entendida pelo MEC como vantajosa para ambos os níveis, isso porque a educação básica pode aproximar suas práticas do conhecimento científico, o que pode favorecer inovações na organização dessas escolas. Quanto às universidades, estas poderiam “[...] aumentar o seu grau de porosidade, para ouvir o que está acontecendo no chão da escola, porque muitas vezes o pesquisador não está ciente do que está acontecendo no chão da escola” (Ibid., p. 194). A expansão do número de universidades federais no país e a oferta de cursos de formação de professores têm sido incentivadas pelo MEC, mas o investimento em pesquisa na área da educação não foi na mesma proporção. Um dos riscos que se corre com essa prática é a especialização dessas novas universidades apenas na área do ensino, sem a produção de conhecimentos novos para a ampliação de sua complexidade.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE – 2007) contribuiu para o pensamento quanto aos processos de gestão escolar, ao ressaltar a importância de valorizar os profissionais da educação, através do estabelecimento de plano de carreira, de salários dignos e da melhoria nas condições de trabalho. O Piso Salarial do Magistério foi regulamentado em 16 de julho de 2008, pela lei n. 11.738 e ficou estabelecido em R$950,00 mensais (menos de dois salários mínimos)33, para os profissionais do magistério com formação em nível médio, na modalidade Normal, com jornada de trabalho semanal máxima de 40 horas. Na composição dessa carga horária deveria ser respeitado o limite máximo de dois terços da jornada para o desenvolvimento das atividades de interação com os educandos (LEI 11.738, art. 2). Compõem o grupo dos profissionais abrangidos por essa legislação

[...] aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional (LEI 11.738, art. 2, parágrafo 2º).

Os municípios que não puderem pagar o piso receberiam complementação da União e assessoria técnica para planejar e aperfeiçoar a aplicação dos seus recursos em educação, de acordo com essa lei (LEI 11.738, art. 4º). O piso deveria ser reajustado anualmente, no

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mês de janeiro, levando-se em conta o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno, referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano (LEI 11.738, art. 5º). A União, os estados, os municípios e o Distrito Federal tiveram até 31 de dezembro de 2009 para adequarem seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério a essa legislação (LEI 11.738, art. 6º).

Em síntese, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, durante o primeiro mandato, o MEC deu continuidade às ações propostas pelo governo anterior no Plano Nacional de Educação (2001), mas iniciou um processo de aproximação com a sociedade representada pelo CONSED e UNDIME, principalmente, e com grupos de empresários do país.

Posteriormente, durante o segundo mandato, a partir das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (2007), foi possível constatar mais claramente um hibridismo na lógica para a gestão da escola. Isso se justificou a partir do posicionamento do Estado, que ao mesmo tempo promoveu ações para propiciar a maior participação da sociedade na definição das políticas educacionais (fóruns, conferências) e melhoria nas condições de financiamento (Fundeb, Pró-Infância, PDDE, Piso salarial, formação para os profissionais da educação, aumento da porcentagem do PIB para o investimento em educação) e continuou priorizando a lógica gerencial para a administração da educação.

Assim, esse contexto político híbrido possibilitou a existência de fenômenos técnicos e políticos contraditórios para a gestão da escola pública, como: as parcerias público- privadas; o Projeto Político Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola; a educação para a emancipação e a valorização da competitividade e da meritocracia na organização das instituições públicas; a valorização do trabalho coletivo e a responsabilização individual do diretor escolar pela qualidade social da educação.

3.2 O pensamento científico em gestão escolar na primeira década do século