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Processos e métodos de gestão presentes na legislação educacional específica em educação infantil

INVESTIGAÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A GESTÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

4.1 A especificidade da educação infantil na legislação educacional brasileira

4.1.2 Processos e métodos de gestão presentes na legislação educacional específica em educação infantil

Os procedimentos administrativos propostos para creches e pré-escolas, na legislação educacional analisada, incentivaram a responsabilização da comunidade escolar e o estabelecimento de parâmetros de qualidade para o atendimento da criança.

De acordo com os “Referências Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998), o planejamento, prática pedagógica e avaliação das ações do estabelecimento de educação infantil deveriam considerar a diversidade cultural da comunidade escolar e responder às demandas das crianças e suas famílias quanto à educação e ao cuidado infantil. Ainda nesse documento, foram destacadas que as interações entre crianças, adultos e crianças e entre adultos deveriam valorizar o diálogo e as mais diferentes formas de expressão construindo, assim, um ambiente acolhedor e estimulante que promovesse a aprendizagem de todos os membros da comunidade educacional. Os problemas do cotidiano escolar seriam encarados como situações de aprendizagem, em que todos

poderiam contribuir para a busca de soluções, construindo novos conhecimentos que, posteriormente, seriam socializados. Caracterizando, assim, a lógica do “aprender a aprender” da gestão gerencial.

A organização do tempo na unidade de educação infantil deveria levar em consideração,segundo esse documento, a especificidade de cada fase do desenvolvimento das crianças atendidas e os conteúdos e currículos presentes na proposta pedagógica institucional. As rotinas deveriam ser planejadas de acordo com o tempo didático e poderiam ser divididas em três modalidades: atividades permanentes, sequência de atividades e projetos de trabalho (BRASIL, 1998a, p. 55). O clima das relações entre adultos e crianças em creches e pré-escolas foi descrito da seguinte maneira:

Respeito às diferenças, explicitação de conflitos, cooperação, complementação, negociação e procura de soluções e acordos devem ser a base das relações entre os adultos. Em se tratando de crianças tão pequenas, a atmosfera criada pelos adultos precisa ter um forte componente afetivo. As crianças só se desenvolverão bem, caso o clima institucional esteja em condições de proporcionar-lhes segurança, tranquilidade e alegria. Adultos amigáveis, que escutam as necessidades das crianças e, com afeto, atendem a elas, constituem-se em um primeiro passo para criar um bom clima. As crianças precisam ser respeitadas em suas diferenças individuais, ajudadas em seus conflitos por adultos que sabem sobre seu comportamento, entendem suas frustrações, possibilitando-lhes limites claros. Os adultos devem respeitar o desenvolvimento das crianças e encorajá-las em sua curiosidade, valorizando seus esforços (BRASIL, 1998a, p. 66 – 7).

Para construir esse clima institucional uma ferramenta apresentada nos “Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998a) foram os canais de comunicação estabelecidos entre a comunidade interna e externa da unidade de educação infantil. A comunicação entre as famílias das crianças e os profissionais da educação infantil seria diária, por isso, deveria ser planejada. Desde o início os pais deveriam ter acesso à proposta pedagógica da instituição, ao seu regimento interno e às informações quanto às formas de participação nos conselhos escolares, associação de pais e professores e formas de comunicação com os professores, coordenadores pedagógicos e diretor da instituição.

Esses referenciais apresentaram, também, estratégias para o período de acolhimento das crianças nos primeiros dias na unidade escolar, como lidar com a substituição de professores, tanto em relação com as crianças como com suas famílias, e com a transição para o ensino fundamental.

Outro instrumento da gestão institucional em educação infantil, apontado nos documentos oficiais analisados, foi a construção coletiva do projeto pedagógico institucional

e do regimento interno da unidade de educação infantil. Essa prática configurou-se como uma das principais estratégias para a promoção da autonomia da escola de educação infantil. Para essa tarefa, a cartilha “Integração das Instituições de educação infantil aos sistemas de ensino” recomendou que a instituição deveria resgatar “as raízes da sua história, rever suas concepções e crenças, discutir fundamentos e princípios que alicerçam seu trabalho, retomar objetivos, conteúdos e metodologias e, assim, ir definindo sua identidade coletiva com a participação de todos os envolvidos nesse processo [...]” (Ibid., p. 71), mostrando, desse modo, a importância de se considerar a cultura da comunidade escolar na elaboração dessa proposta.

Em relação aos procedimentos administrativos, que organizam o cotidiano de creches e pré-escolas, para se assegurar qualidade ao atendimento ofertado às crianças, os “Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil” (2006c) apresentaram as seguintes orientações:

As instituições de educação infantil funcionam durante o dia, em período parcial ou integral, sem exceder o tempo que a criança passa com a família.

[...] O funcionamento em período integral implica o recebimento das crianças por até no máximo dez horas por dia.

Os horários de entrada e saída das crianças são flexíveis, a fim de atender às necessidades de organização das famílias, podendo, portanto, exceder as orientações anteriores.

As instituições de educação infantil têm formas específicas de organização da proposta pedagógica, do tempo, dos espaços, dos materiais, conforme o período de atendimento.

O calendário letivo não precisa ater-se ao da escola de ensino fundamental, mas respeitar os dias de descanso semanal e os feriados nacionais, bem como garantir o período anual de férias para crianças e funcionários.

A organização em agrupamentos ou turmas de crianças nas instituições de educação infantil é flexível e deve estar prevista na proposta pedagógica da instituição.

Os grupos ou turmas de crianças são organizados por faixa etária (1 ano, 2 anos, etc.) ou envolvendo mais de uma faixa etária (0 a 2, 1 a 3, etc.).

A composição dos grupos ou das turmas de crianças leva em conta tanto a quantidade equilibrada de meninos e meninas como as características de desenvolvimento das crianças.

As crianças nunca ficam sozinhas, tendo sempre uma professora ou um professor de educação infantil para cada grupo ou turma, prevendo-se sua substituição por uma outra professora ou outro professor de educação infantil nos intervalos para café e almoço, para as faltas ou períodos de licença.

A relação entre o número de crianças por agrupamento ou turma e o número de professoras ou professores de educação infantil por agrupamento varia de acordo com a faixa etária:

• uma professora ou um professor para cada 6 a 8 crianças de 0 a 2 anos; • uma professora ou um professor para cada 15 crianças de 3 anos; • uma professora ou um professor para cada 20 crianças acima de 4 anos.

A quantidade máxima de crianças por agrupamento ou turma é proporcional ao tamanho das salas que ocupam (BRASIL, 2006c, p. 34 – 36).

Com isso, constatou-se o estabelecimento de critérios específicos em relação ao atendimento das instituições de educação infantil, como o número de crianças por professor e período de atendimento e, também, a flexibilidade quanto ao horário de entrada e saída das crianças, estabelecimento do calendário escolar e composição dos agrupamentos de crianças.

Outro instrumento da gestão escolar presente na educação infantil caracterizado na legislação educacional específica foi a parceria com organizações privadas sem fins lucrativos e/ou com outras instituições públicas. No documento “Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino” (2002) ações conjugadas entre Secretarias Municipais da Educação e Secretarias da Saúde e Ação Social foram classificadas como positivas para o atendimento com qualidade nas unidades de educação infantil. Além disso, parcerias com o Conselho Tutelar e Ministério Público foram apontadas como iniciativas que poderiam auxiliar no combate à violência infantil.

Nos “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil” (2006b) as parcerias entre unidades de educação infantil foram consideradas como um facilitador para o fortalecimento institucional de creches e pré-escolas. Um dos principais ganhos anunciados nesse documento foram as trocas de experiências entre educadores de uma mesma cidade ou microrregião e programas de formação, que poderiam ser inviáveis economicamente para um único sistema, mas possível quando sistemas próximos se unem. Mostrando, com isso, a pretensão de desresponsabilização do Estado com o financiamento integral da educação infantil.

Na “Política nacional para a educação infantil” (2006a) o estabelecimento de parcerias com órgãos governamentais e não governamentais foi considerado uma meta para melhorar a qualidade do atendimento, visto que estimularia maior participação social e privada no financiamento e no controle dos gastos dessas instituições.

Na cartilha “Orientações sobre convênios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil” (2009b) foram apresentados os procedimentos para que as secretarias municipais de educação pudessem estabelecer convênios com organizações sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil, utilizando-se de recursos do Fundeb para esse objetivo. Destacou-se que nesse tipo de parceria a secretaria municipal de educação seria

responsável pela regulamentação e fiscalização dessas instituições que, como contrapartida, teriam autonomia para elaborar suas propostas pedagógicas (desde que não desrespeitassem o Plano Municipal de Educação) e, também, poderiam receber financiamento de outras instituições privadas para a manutenção de suas atividades.

Outro elemento que compôs o conjunto de procedimentos da gestão institucional na educação infantil, proposto nos documentos legais, foram os conselhos escolares. Estes se configuraram como espaços para o exercício da “gestão democrática” da educação infantil, de acordo com os materiais analisados. Mais uma vez a gestão democrática nesses documentos foi confundida com participacionismo e responsabilização social.

No documento “Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino” (2002) os Conselhos Municipais de Educação foram apresentados como os responsáveis pela regulamentação, autorização e fiscalização do funcionamento das creches e pré-escolas públicas e privadas das cidades investigadas. Esse mesmo material mostrou, ainda, que a constituição dos Conselhos de Educação dos municípios estudados privilegiava mais a participação de profissionais do ensino fundamental em sua constituição do que os com experiência na educação infantil e, além disso, a presença de pais e comunidade era bastante restrita nas reuniões agendadas. Esses aspectos foram caracterizados negativamente para a efetivação da gestão democrática na educação infantil, mas não foram propostas soluções para eles. Vale lembrar que nessa cartilha foram apresentados estudos de caso de municípios que realizaram a integração da educação infantil aos seus sistemas de ensino com sucesso, de acordo com o MEC.

Quanto aos conselhos escolares e às associações de pais e professores, os documentos analisados os apresentaram como importantes instrumentos para a participação das famílias e comunidade na gestão da unidade de educação infantil, no entanto, em nenhum documento houve a caracterização quanto à organização e funcionamento desses conselhos.

Um último procedimento administrativo encontrado nos documentos oficiais investigados foi a avaliação institucional. Esse instrumento considerado essencial para a melhoria contínua da qualidade do atendimento nas instituições de educação infantil foi descrito detalhadamente no material “Indicadores da Qualidade na Educação Infantil” (2009a) da seguinte forma:

Avaliação deve ser entendida como um meio para aperfeiçoamento de práticas e promoção de qualidade no trabalho com as crianças, mediante a consecução dos propósitos educativos previamente delineados pela equipe. Avaliação pressupõe compromisso com o que foi planejado e executado pelos adultos e pelas crianças envolvidas no processo educativo e, por isso, deve pautar-se por reflexões partilhadas por todos no âmbito da instituição, com base em documentação pedagógica rigorosa, resultante de observação e registros cuidadosos das realizações práticas (BRASIL, 2009a, p. 62).

Assim, foi possível constatar a ênfase na documentação dos procedimentos relacionados à criança e a necessidade da construção de parâmetros para avaliar esse atendimento. Ou seja, a avaliação deveria ocorrer continuamente pautada em parâmetros nacionais e institucionais para instrumentalizar o aperfeiçoamento contínuo da instituição de educação infantil.

Em suma, os procedimentos e métodos de gestão apresentados na documentação divulgada pelo MEC, no período estudado, privilegiaram o planejamento das ações pedagógicas, a participação da comunidade escolar na elaboração da proposta pedagógica, o aperfeiçoamento dos canais de comunicação com as famílias e comunidade, o estímulo a relações colaborativas no interior das unidades de educação infantil, a valorização da diversidade cultural e da inclusão social, as tomadas de decisões dialogadas e negociadas entre os membros da comunidade escolar através dos conselhos escolares, a avaliação institucional com o objetivo de melhorar continuamente o atendimento e o estabelecimento de parcerias com órgãos governamentais e não governamentais para o financiamento da educação infantil. Comprovando, mais uma vez, a perspectiva gerencial em gestão institucional presente nesses documentos.