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Capítulo 4 – Processos volitivos – eixos de discussão

4.3. Processos volitivos

Há alguns capítulos atrás, ao abordar o problema da consciência procuramos orientar nossa escrita por uma descrição objetiva do texto “A consciência como problema da psicologia do comportamento” (1925, 2013c). Este mecanismo intitulado consciência, que entre suas características tem a função de filtrar e modificar a realidade, por si só nos oferece o embasamento necessário para discutir os processos internos que concernem à vontade

Os processos que levam os homens a explicitar suas atitudes – sejam elas por palavras ou atos – ocorrem na consciência e sua complexidade se justifica pelos diversos fatores que tomam parte neste locus. A metáfora do funil elaborada por Vigostski é uma tentativa de tornar acessível os mecanismos que determinam nossas escolhas – aquilo que o homem produz fruto de sua consciência. É deste afunilamento de sensações, afetos, sentimentos, contextos e significações que emergem os atos volitivos, uma vez que uma das características do ato volitivo é seu caráter eletivo. A faculdade de realizar uma escolha entre duas ou mais possibilidades.

O que está subtendido no desenvolvimento teórico deste trabalho é que o problema da vontade emerge de uma questão filosófica. Por mais que não seja o objetivo desta pesquisa realizar este diálogo com a filosofia, nossa hipótese é que Vigotski desenvolve suas explanações tendo este pressuposto154.

Nesta perspectiva, realizamos um mapeando – no que concerne à bibliografia consultada –, de quais são as características que determinam os processos dos atos volitivos. Procuramos salientar aspectos que nos direcionem para a elaboração de um panorama que nos propicie visualizar – ainda que em linhas bem gerais – quais são os processos e características que determinam o problema da vontade.

A vontade, que tantas vezes foi (é) exaltada como expressão autêntica da liberdade humana, cuja construção histórica e apropriação pela psicologia advêm da reflexão

filosófica-religiosa que antecede a modernidade (OLIVEIRA, 2009); articulada pela filosofia aristotélica-tomista como potência orientada pelo intelecto, tem suas raízes nas relações sociais construídas e significadas pelo homem. O que lhe é apregoado de mais característico como construção autêntica e autônoma (individual/subjetiva) do agir humano, não se configura em seu cerne por essência própria. Sua essência não é sua, e sua propriedade não é particular. A minha vontade não é minha. A minha vontade é/foi fruto da vontade do outro. É a partir do outro que edifico minha vontade. Sobre essa natureza sócioideológica do psiquismo, Bakhtin irá comentar:

O indivíduo como proprietário dos conteúdos da sua consciência, como autor das suas ideias, como personalidade responsável por suas ideias e desejos, é um fenômeno puramente sócioideológico. Portanto, o conteúdo do psiquismo “individual” é tão social por sua natureza quanto a ideologia, e o próprio grau da consciência da sua individualidade e dos seus direitos interiores é ideológico, histórico e está inteiramente condicionado pelos fatores sociológicos. (2017, p.129)

O que existe em nossa consciência necessariamente passou pelos nossos sentidos. Esta afirmação antes proferida por Aristóteles (384-322 A.C.) – Nihil est intellectu quod prius non fuerit in sensu155 – se reconfigura nas explanações de Vigotski, sendo compreendida,

que é por meio da atividade externa “[...] que se criam as possibilidades de reconstrução da atividade interna” (AGUIAR, 2000).

Para resumir as ideias apresentadas sobre o domínio da própria conduta – identificada (também) como vontade – Vigotski em poucas linhas destrincha os princípios gerais discutidos neste capítulo,

A vontade se desenvolve, é um produto do desenvolvimento cultura da criança. O domínio da própria conduta, os princípios e meios deste domínio não se diferenciam – fundamentalmente – do domínio sobre a natureza circundante. O homem é parte da natureza, seu comportamento é um processo natural; a dominação do homem se estrutura como qualquer domínio da natureza, segundo o princípio de Bacon < é obedecendo a natureza que se vence a ela >. [...] as

ferramentas e os meios auxiliares são os fundamentos da atividade humana (VIGOTSKI, 1931, 2012e, p.300)

A vontade é fruto do desenvolvimento cultural dos sujeitos, e assim como a cultura, modifica o meio para o próprio benefício do homem. O desenrolar deste processo dialoga com diversas FPS não sendo possível estabelecer um caminho linear, nem princípio ou meio, a única clareza que temos é sobre o fim, quando o ato volitivo se transforma em ação realizada. Discutir sobre esses processos interfuncionais revela o percurso realizado pelos atos volitivos, bem como, quais são os principais mecanismos que interagem neste processo.

Como já apontado, as FPS são processos mediados por signos e estes se caracterizam como determinantes no direcionamento e domínio do comportamento humano. A evolução deste processo respeita fases, por onde gradativamente a criança (adolescente) em desenvolvimento vai se apropriando das FPS. Vigotski aponta que é na idade escolar:

[...] que as funções intelectuais superiores, cujas características principais são a consciência reflexiva e o controle deliberado, adquirem um papel de destaque no processo de desenvolvimento. A atenção, que antes era involuntária, passa a ser voluntária e depende cada vez mais do próprio pensamento da criança; a memória mecânica se transforma em memória orientada pelo significado, podendo agora ser usada deliberadamente pela criança. (2008, p.112,113).

Uma vez que a criança/adolescente toma consciência e se apropria deste processo, ela passa a exercer o controle volitivo sobre as FPS. Os processos de desenvolvimento do controle volitivo do comportamento são dialógicos e mediados, não é possível eleger uma função superior como determinante do controle da própria conduta, são diversas as funções que dialogam tendo como base a consciência. Ao mesmo tempo que a compreensão dos processos afetivo-volitivos é basilar para adentrarmos no pensamento, conhecer o pensamento de alguém também nos leva a identificar suas motivações, interesses, emoções, necessidades, etc.

O que reside como determinante destas relações é o papel da linguagem, uma vez que ao internalizar o processo de mediação com o outro produz significado – na medida em que a matéria semiótica se constitui como base do psiquismo humano.