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1.3. Análise dos Programas de Proteção dos Estados Unidos e Itália

1.3.2. A Procuradoria Nacional Anti-Máfia

Segundo relatado no I Seminário Nacional de Proteção a Testemunhas, já citado anteriormente, a realidade constitutiva de proteção a testemunhas na Itália está muito ligada ao combate a organismos criminosos conhecidos como máfias. Estas, segundo Pietro Grasso, constituem um modelo bem sucedido em sua estrutura secular, permitindo um profundo controle do crime organizado, tanto na esfera local como em nível internacional, entrelaçando-se com setores do mundo político-financeiro, público, privado, e na sociedade civil.

Pietro informa que um dos diferenciais da máfia e demais organizações criminosas é o fato da máfia ser fundada sobre uma estrutura hierárquica que referenda o sigilo de suas relações internas como princípio vital.

Outro aspecto diferenciador é o controle que exerce sobre o território, pois se inserem, por meio de atividades empresariais e investimentos aparentemente lícitos na sociedade civil, entrelaçando relações com o mundo legal e em particular com setores político-financeiro. Estes fatores citados dificultam as intervenções, pois as ações são, além de mascaradas, resguardadas por agentes oficiais, políticos ou empresários que contêm prestígio e poder.

Neste caso, para o estabelecimento e concretização de ações que visam erradicar o crime organizado impetrado sob a organização das máfias na Itália, as testemunhas são de extrema importância na atuação da Antimáfia.

Diante desta realidade complexa, de infiltração e poder exercido por esta organização, para o palestrante acima citado, os primeiros passos rumo ao combate foram intervenções globais de caráter legislativo, administrativo, financeiro e penal. Tais medidas não ficaram isentas de retaliações, pois como resposta, agentes mafiosos intervieram por meio de ações extremamente violentas como o assassinato de dois juízes9 importantes na luta contra a máfia que marcou, de forma chocante, todo o país.

Como estratégia de combate aos atos violentos e insanos da máfia, criou-se a Direção Nacional Antimáfia, (DNA) que funciona como uma central de coordenação das investigações visando focalizar e centralizar as ações para enfrentar adequadamente os crimes e a própria estrutura mafiosa. Como uma das estratégias utilizadas para desarticular e combater esta instituição, foi criado um sistema de proteção aos colaboradores da Justiça, fundamental para descobrir a estrutura e quebrar a lei do silêncio, da impunidade e da invencibilidade (GRASSO, 1998, p. 16).

Como requisito de admissão no sistema de proteção aos colaboradores da Justiça, a proposta de adesão é formulada pelo Procurador da República, que coordena as investigações sobre os crimes denunciados. Como requisitos fundamentais para ingresso no sistema de proteção estão: colaborar com a autoridade judiciária para a identificação e prisão dos responsáveis pelo crime e prevenir a execução de projetos futuros; o conteúdo da colaboração deve ser de utilidade, ou seja, o depoimento da testemunha deve ter credibilidade; deve-se avaliar como grave o risco que a pessoa está correndo pelo fato de ter denunciado; a

9 Falcone e Borsellino foram os juízes assassinados em 1992 e outros inúmeros homicídios foram verificados em

intervenção da proteção será feita perante o esgotamento das possibilidades de segurança pelos meios convencionais policiais, a pessoa será admitida no sistema caso esses meios não sejam suficientes para garantir a devida segurança.

Ressalta-se que o ingresso no sistema de proteção admite tanto as testemunhas e vítimas de um crime grave quanto acusados de fazer parte da organização criminosa. Nesta hipótese, o caso é delicadamente analisado para se ter conhecimento sobre os fatos criminosos e o grupo a que pertence.

Especificamente sobre o conteúdo do Programa de Proteção, este consiste numa série de ações ligadas à segurança pessoal, assistência material e formulação da proposta de um novo projeto de vida, tanto para a testemunha como para seus familiares.

Como já visto no Programa de Proteção dos Estados Unidos, a pessoa e os familiares que pretensamente estejam correndo risco, são retirados do local de residência e a proteção faz-se baseada no sigilo e “camuflagem” da realidade de proteção frente ao estabelecimento de novas relações sociais.

De acordo com as informações obtidas sobre o sistema de proteção da Itália, por meio do relato de representante deste Programa, avaliamos que o cerne do sistema de proteção está na realização do depoimento com segurança, sendo este considerado como a finalidade primordial. Para que isto ocorra com o devido sucesso, há que se destacar o gasto no traslado da pessoa que está indo depor no júri, pois para resguardar e estabelecer essa ação com segurança, estes gastos tornam-se altíssimos.

Neste sentido, segundo Grasso:

Para garantir a segurança do colaborador e diminuir os altos gastos com recursos humanos e materiais, que implicam nos acompanhamentos e escoltas das chamadas localidades protegidas para os locais onde se realiza o processo, é desejável que se torne obrigatório um sistema que já encontrou aplicação: a audição à distância mediante comunicação audiovisual (as videoconferências). (GRASSO, 1998, p. 20)

Pode se dizer que este é um assunto que igualmente encontra espaço nas pautas de discussões do Judiciário brasileiro.

Sobre a mudança de identidade, a Central de Proteção deve encaminhar a solicitação para os Ministros do Interior e da Justiça somente em casos extremos, nos quais os mecanismos utilizados não tenham sido suficientes para a devida proteção. A maioria dos casos é resolvida com a emissão de documentos de fachada, que têm um caráter limitado e temporário.

No rol de ações destinadas à proteção, está a necessidade da prestação de assistência econômica e de saúde e quanto à defesa dos direitos da pessoa e dos familiares que se encontram na situação de protegidos. Mais uma vez citando Grasso (1998, p. 20), este informa que a maneira para se medir a contribuição necessária para assegurar as condições de vida é estabelecida pela Comissão Central, com base nos índices do Instituto Central de Estatísticas, conforme a análise do consumo médio global das famílias italianas.

Quanto às questões da saúde, são utilizados os recursos públicos existentes, mediante a expedição de novas carteiras de saúde com nomes diferentes, visando garantir tanto a saúde quanto a segurança. Quando aparece algum tipo de necessidade especial, que precise de mais detalhes, por exemplo, de relatórios médicos anteriores, e que requeira um especialista, faz-se a opção do serviço particular, com o pagamento mediante reembolso dos gastos às pessoas que estão sob proteção.

Brevemente, o seminarista enfoca a problemática quanto ao trabalho de proteção com crianças e adolescentes, registrando que procuram oferecer uma ação de operadores especializados que levem em consideração as exigências pedagógicas, dando prioridade para a continuidade dos estudos e a formação qualificada dos adolescentes para um futuro que lhes permita uma inserção profissional. O mesmo deixa claro que é fundamental considerar a realidade sócio-afetiva das crianças e adolescentes que, de uma hora para outra deixam suas relações e necessitam estabelecê-las novamente, por isso priorizam-se as exigências educativas, afetivas e a reintegração social.

A temática sobre a reconstrução da vida ou o “novo projeto de vida” é trabalhada conjuntamente com a questão, posta como fundamental, do trabalho, ou seja, de acordo com Grasso: “qualquer perspectiva possível de reinserção social só pode, portanto, ser pensada se for enfrentado e resolvido o problema do trabalho” (GRASSO, 1998, p. 21).

A assistência econômica é disponibilizada devido à condição singular em que se encontram as pessoas que estão colaborando com a Justiça; entretanto, o objetivo final da formatação de tal Programa é o de favorecer a saída dos colaboradores e seus fa miliares do Programa, por meio da conquista de sua autonomia financeira. Tal discussão coloca-se de modo presente, pois também os dirigentes do Programa da Itália percebem o problema do desemprego e a dificuldade em efetivar esse objetivo em curto prazo. Definiu-se, então, como ação do serviço especial de proteção italiano, fornecer os instrumentos necessários à qualificação e orientação para que os protegidos encontrem empregos de acordo com suas áreas de atuação.

Apesar da realidade específica que se apresenta na Itália, a das organizações mafiosas, a constituição do serviço especial de proteção assemelha-se com o modelo dos Estados Unidos.

O que gostaríamos de destacar, neste sentido, é que, baseados nas informações obtidas no Seminário, percebemos uma maior preocupação deste país em articular as ações para o combate ao crime, com as demais estratégias da legislação penal e com o poder executivo, entendendo que as ações devem ser integradas no combate às organizações mafiosas.