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3 MATERIAL DIDÁTICO

3.1 O PAPEL DO MATERIAL DIDÁTICO NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

3.1.1 Produção de material para o ensino de línguas

Um dos grandes desafios para professores e pesquisadores da área de ensino de E/LE envolvidos na produção de material didático é a elaboração ou a escolha de um material adequado às necessidades dos alunos. O desafio se torna maior ainda se um dos objetivos de ensino/aprendizagem desse professor consiste em dar um enfoque intercultural que promova além da troca de informações, a reflexão sobre as questões culturais da língua-alvo e da língua materna. Isso porque os materiais disponíveis carecem dessa abordagem. Além disso, muitos professores não elaboram seu material didático seguindo critérios e princípios adequados e relevantes para o processo de ensino/aprendizagem de línguas, apenas selecionam de forma aleatória o conteúdo retirado de livros-texto (algumas vezes, livros antigos), ou de outra fonte, a fim de montar uma atividade.

Richards (2005), professor renomado no ensino de línguas estrangeiras, explica que ao desenvolver materiais para quaisquer fins de aprendizagem, a compreensão que o autor tem de língua e do uso da língua terá um grande impacto na elaboração de material, pois ela cumprirá um papel importante na

determinação dos objetivos desse material e de suas atividades. O autor nos ensina que antes de decidirmos quais tipos de exercícios, tarefas e atividades a serem empregados, deve-se ter em mente um conjunto de instruções. Então, o primeiro passo a ser seguido é identificar o conjunto de princípios que irá dar suporte ao processo da produção de material. Alguns princípios do ensino comunicativo de línguas elaborados na década de 1980 pregam o seguinte:

Comunicação real é o foco principal do aprendizado;

Fornecer oportunidades para que os alunos experimentem e testem o que eles sabem;

Ser tolerante com os erros dos alunos;

Fornecer oportunidades para que os alunos desenvolvam precisão e fluência na língua-alvo;

Relacionar as diferentes habilidades: falar, ouvir, ler e escrever já que elas geralmente ocorrem juntas no mundo real.

Permitir que os alunos induzam ou descubram as regras gramaticais (RICHARDS, 2005, p.9. Tradução nossa)17

Certamente esses princípios variam de acordo com as crenças do professor sobre o ensino/aprendizado de línguas estrangeiras; portanto, acrescentarei a esses outros princípios, os quais, acredito, proporcionarão um aprendizado mais significativo da língua espanhola:

1 Produzir atividades que promovam a reflexão crítica do aluno sobre aspectos culturais relativos à cultura-alvo e sua própria cultura; 2 Desenvolver atividades em que seja possível comparar culturas

evitando os estereótipos negativos;

3 Promover atividades que valorizem as diferenças culturais e que essas sejam analisadas e discutidas;

4 Produzir atividades em que as semelhanças culturais sejam destacadas;

5 Elaborar atividades que despertem no aluno curiosidade com relação aos costumes, valores e crenças da cultura-alvo;

17

Cf. o original: make real communication the focus of language learning; provide opportunities for learners to experiment and try out what they know; be tolerant of learner’s errors as they indicate that the learner is building up his or her communicative competence; provide opportunities for learners to develop both accuracy, and fluency; link the different skills such as speaking, reading and listening, together, since they usually occur together in the real world; let students induce or discover grammar rules.

Devemos lembrar que documentos como as OCEM (2006) e os PCN (1998) orientam o ensino de línguas estrangeiras no ensino fundamental e médio. E, portanto, acredito ser importante levar em consideração o que dizem esses documentos quanto ao ensino de LE, a fim de nortear a produção das atividades interculturais deste trabalho de pesquisa.

Eles contribuem de forma significativa apresentando sugestões para o ensino da língua espanhola a estudantes brasileiros, cabendo mencionar aqui algumas delas:

a) Ensinar o espanhol sem sacrificar as suas diferenças expondo os alunos à variedade sem estimular a reprodução de preconceitos lingüísticos ou cultural;

b) Fazê-los entender o grau de proximidade/distancia entre o português e o espanhol a fim de evitar as visões simplistas e distorcidas sobre o Espanhol entre nós;

c) Refletir de forma criteriosa sobre a função da língua espanhola na escola regular, lembrando que a aprendizagem desta língua contribui para a formação do cidadão;

d) Lembrar que o professor é um agente da construção do conhecimento que conduz os alunos a ‘estar no mundo de forma ativa, reflexiva e crítica’. (OCEM, 2006, p.146)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1998), por sua vez, dão as seguintes sugestões:

As línguas estrangeiras sejam compreendidas como disciplinas inseridas numa área e não isoladas do currículo; Conhecer e usar as LEs como instrumento de acesso a informações a culturas e grupos sociais;

Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão de aspectos sociais e/ou culturais, saber distinguir as variantes lingüísticas;

Compreender o processo ensino/aprendizagem através de uma perspectiva interdisciplinar e relacionada com contextos reais. Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz.

Utilizar gêneros textuais diversificados, para que o aluno esteja exposto à língua autêntica e a perceba como ela é utilizada no mundo real. (PCN, 1998, p.26-29)

Howard e Major (2003, p.1) declaram que as principais razões que levam professores a produzir seu próprio material podem estar vinculadas a quatro temas: um deles é a contextualização. Uma das críticas que os

materiais importados recebem é que eles são genéricos e não se destinam a nenhum grupo específico de alunos, ou a nenhum contexto cultural ou educacional, portanto muitas vezes apresentam a língua fora da nossa realidade, do nosso contexto.

A possível falta de adequação entre o contexto de ensino e livros didáticos tem sido compreendida assim: nossos livros modernos estão cheios de atos de fala e funções baseadas em situações que a maioria dos estudantes estrangeiros vão encontrar. Os livros de espanhol continuam voltados apenas para a cultura de um povo: o espanhol peninsular.

Produzir ou adaptar os materiais didáticos constitui para alguns professores a possibilidade de considerar o ambiente específico de aprendizagem e superar a falta de ajuste do livro-texto.

Outro aspecto sobre o contexto são os recursos disponíveis. Alguns contextos de ensino fornecem recursos como: livros-texto, paradidáticos, computadores, equipamento audiovisual, papel, caneta etc. Outros são carentes desses recursos e muitas vezes fornecem apenas o quadro e o giz ou piloto. A falta de material força o professor a buscar seus próprios recursos e produzir seu próprio material. O custo desses materiais didáticos muitas vezes serve como justificativa das escolas para que o professor elabore o material, dessa forma as instituições estariam reduzindo custo. Essa situação é muito comum em nossas instituições públicas carentes de recursos materiais.

Outra vantagem da produção de material didático são as necessidades dos alunos. Um dos aspectos que se discute em metodologia de ensino é a observância das necessidades e interesses dos alunos nas atividades propostas em sala de aula. As salas de aula de LE são lugares que apresentam grande diversidade não só em termos de localização, mas também com relação à heterogeneidade social dentro de um mesmo contexto. Os materiais produzidos pelo professor pode ser uma resposta para a heterogeneidade inerente da sala de aula. Essa abordagem abrange a língua materna e a cultura dos alunos, suas necessidades de aprendizagem e suas experiências.

Além disso, a produção de material fornece ao professor a oportunidade de selecionar textos e atividades que estão exatamente no nível dos seus alunos, assim eles podem propor desafios à altura do nível de conhecimento

desses alunos e mensurar o sucesso da atividade.

Ainda de acordo com Howard e Major (ibid) ao elaborar seu próprio material, os professores podem também decidir sobre o principio de organização mais apropriado ou o foco do material e das atividades. E se for necessário, isso pode ser mudado durante o percurso do programa. A maioria dos livros permanece organizada em volta dos elementos gramaticais e do modelo de ensino PPP (presentación, practica y producción) geralmente com um formato impecável, mas que talvez não desperte interesse ou não seja atrativo para o ensino/aprendizado da língua (HARMER, 2001, p.6).

Produzindo material o professor assume o controle sobre a elaboração podendo escolher tópicos, situações, noções, funções e habilidades ou uma combinação desses princípios como ponto de partida para desenvolver uma variedade de materiais que focam no desenvolvimento das necessidades de um grupo especifico de alunos.

Personalização é outra vantagem da produção de material. Block (1991, p. 212) defende o material “feito em casa” afirmando que eles adicionam um toque pessoal ao ensino e são apreciados pelos alunos. Tocar nos interesses e considerar o estilo dos alunos é uma forma de se incrementar a motivação e o engajamento no aprendizado. O autor declara que a produção do material pelo professor propicia mais liberdade para escolhas e espaço para a espontaneidade. Block (1991) também menciona que o fator tempo seria outra vantagem, porque o material pode conter tópicos atuais ou assuntos que estejam sendo discutidos no mundo em tempo real, dessa forma os tópicos abordados tornam-se mais relevantes e interessantes.

Concluindo, as vantagens de se produzir material podem ser resumidas na ideia de que eles promovem maior dinamismo e possibilitam mudanças de acordo com a recepção positiva ou até mesmo negativa dos alunos com referencia ao conteúdo apresentado, assim como reformulações e atualizações.

Quanto ao processo de elaboração de material didático, não há uma bibliografia muito extensa sobre o tema, contudo irei abordar a seguir alguns princípios norteadores da produção de atividades interculturais.