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A PRODUÇÃO DE TEXTO E SEUS GÊNEROS

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 65-70)

Já que escrever é ter coisas a dizer para alguém, é necessário, na produção textual, ter presente a noção de interlocutor, ou seja, aquele a quem o nosso texto se destina, pois é ele, em parte, que irá determinar a linguagem a ser usada, o modo de compor o conteúdo.

No Brasil, nas últimas décadas do século XX, intensificou-se a discussão sobre concepções pedagógicas menos excludentes, sistematizadas e divulgadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1996). Com os PCNs, o debate teórico deixou os círculos restritos da academia e chegou às escolas.

A palavra gênero sempre foi usada pela teoria literária para identificar os gêneros clássicos – o lírico, o épico o dramático – e os gêneros modernos – o romance, a novela, o conto, o drama etc.

BAKHTIN (1988) foi o primeiro a empregar a palavra gêneros com um sentido mais amplo, referindo-se também aos textos que empregamos nas situações cotidianas de comunicação.

Segundo BAKHTIN (1988), todos os gêneros que produzimos, orais ou escritos, apresentam um conjunto de características relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência delas. Essas características configuram diferentes textos, ou gêneros textuais ou discursivos, que podem ser considerados por três aspectos básicos: o tema, o modo composicional (a estrutura) e o estilo (usos específicos da língua).

Quando estamos numa situação de interação verbal, a escolha do gênero não é completamente espontânea, pois leva em conta a situação de comunicação: quem fala, sobre o que fala, com quem fala, com qual finalidade. Todos esses elementos condicionam as escolhas do locutor, que, tendo ou não consciência, acaba por fazer uso do gênero mais adequado àquela situação.

Por exemplo: ao contarmos a alguém uma experiência pessoal vivida, podemos fazer uso de um relato pessoal; se um jornal pretende contar aos seus leitores os fatos mais importantes da política, faz uso de uma notícia; se um leitor

está insatisfeito com a reportagem de uma matéria em sua revista semanal, pode fazer uso da carta do leitor; se desejamos fazer uma exposição oral a respeito de um determinado conhecimento científico, fazemos uso do seminário ou da conferência;

se desejamos transmitir a alguém como preparar um prato culinário, fazemos uso da receita; e assim por diante.

Os relatos de experiências de profissionais de ensino que se propuseram a ensinar produção textual a partir do enfoque de gêneros textuais têm demonstrado que essa abordagem não só amplia, diversifica e enriquece a capacidade dos alunos de produzir textos orais e escritos, mas também aprimora sua capacidade de recepção, isto é, de leitura/audição, compreensão e interpretação dos textos.

SCHNEUWLY e DOLZ (2005) compreendem o gênero textual como uma ferramenta, isto é, “como um instrumento que possibilita exercer uma ação lingüística sobre a realidade”. Para estes autores, da dialogicidade do uso do texto como ferramenta do letramento resultam efeitos diferentes de aprendizagem: de um lado, amplia as capacidades individuais do usuário; de outro, amplia seu conhecimento a respeito do objeto sobre o qual a ferramenta é utilizada.

Assim, no plano da linguagem, o ensino de diversos gêneros textuais que socialmente circulam entre nós, além de ampliar a competência lingüística e discursiva dos alunos, aponta-lhes inúmeras formas de participação social que eles, como cidadãos, podem ter, ao fazer uso da linguagem.

Nossas ações lingüísticas cotidianas são sempre orientadas por um conjunto de fatores que atua no contexto situacional: quem produz o texto, quem é o interlocutor, qual a finalidade do texto e que gênero pode ser utilizado para que a comunicação atinja plenamente seu objetivo.

Fazemos uso de gêneros textuais constituídos sócio-historicamente, o que não quer dizer que não seja possível transformar esses gêneros, ou criar outros, de acordo com as novas necessidades de interação verbal que surgem.

O conhecimento e o domínio de diferentes tipos de gêneros, por parte do aluno, não apenas prepara para as práticas lingüísticas, mas também amplia sua compreensão da realidade, apontando-lhe formas concretas de participação social como cidadão. Ao aprender como são feitas cartas argumentativas de solicitação e de reclamação, o aluno não apenas se apropria de informações sobre seu conteúdo,

sobre sua estrutura e sobre a linguagem mais adequada a esses gêneros, mas também toma consciência de que os cidadãos devem reclamar seus direitos e solicitar providências das autoridades competentes.

O mesmo ocorre quando se aprende, por exemplo, a produzir gêneros como uma carta do leitor, um editorial ou textos argumentativos em geral. Por meio deles, o aluno toma consciência de que pode, como cidadão, manifestar seu ponto de vista, opinar e interferir nos acontecimentos do mundo concreto. Ou, ainda, no campo mais criativo e emotivo, no qual ele pode criar, com as palavras e com os gêneros, objetos de arte para fruição estética como o poema, o conto e as narrativas de ficção de um modo geral.

Ainda que se pretenda desenvolver um trabalho pedagógico que abranja diferentes tipos de gêneros literários, decidiu-se privilegiar e estimular a veia poética dos alfabetizandos, inicialmente, pelas possibilidades de dar vazão à livre expressão criadora, ajudando os alunos a realizar com mais facilidade a passagem da linguagem popular à norma culta.

Até recentemente, o ensino da escrita era feito por meio de um procedimento único e global, como se todos os tipos de textos fossem iguais e não apresentassem determinadas dificuldades e, por isso, não exigissem aprendizagens específicas.

A forma tradicional de ensino de redação, ainda hoje muito praticada nas escolas brasileiras, que consiste em desenvolver narração, descrição e dissertação, tem por base uma concepção voltada essencialmente para duas finalidades: a formação de escritores literários e talvez a formação de cientistas.

Além disso, essa concepção guarda em si uma visão equivocada de que narrar e descrever são ações mais “fáceis” do que dissertar, ou mais adequadas à faixa etária em questão, razão pela qual a dissertação tem sido reservada às séries finais, como se narrar e descrever fossem pré-requisitos para a produção de um bom texto dissertativo.

Contrariando essa visão, o ensino de produção de textos pela perspectiva dos gêneros compreende que o resultado é mais satisfatório quando coloca o aluno, desde cedo, em contato com uma verdadeira diversidade textual, ou seja, com os diferentes gêneros textuais que circulam socialmente.

Com o trabalho de produção textual centrado nos gêneros, o ato de escrever é dessacralizado e democratizado: todos os alunos devem aprender a escrever todos os tipos de textos (narrativos, argumentativos, expositivos e descritivos) que se manifestam nos mais variados gêneros discursivos.

O texto não é fruto de uma idéia momentânea, mas decorre de um processo.

Nesse sentido, GUEDES (2002) afirma que a produção de textos expressa a ação de escrever textos como um trabalho entre outros trabalhos.

Não se trata de compor, isto é, de juntar com brilho, nem de redigir, organizar, mas de produzir, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano (GUEDES, 2002, p. 87).

A reescrita resulta da autonomia que o texto escrito tem. Na interação oral, o falante tem o interlocutor presente, cooperando para construir seu próprio discurso, ajudando-o com a sua fala, ou fazendo o falante explicar as suas intenções (KATO, 1990). É exatamente isto que se pretende com o uso da rima na alfabetização.

Na escritura, ao contrário, o redator está sozinho e a explicitação do sentido fica a seu cargo, atuando também como leitor. A reescritura é muitas vezes confundida com a revisão. A revisão é a correção que ocorre durante a escrita do texto e a reescritura é a que acontece depois de o texto já estar concluído.

HALTÉ (1989) afirma que a correção dos aspectos lingüísticos intra e interfrásticos define o primeiro nível de correção; esta não deve ser confundida com reescritura. A reescritura consiste na troca de programa de partida e se traduz por modificações qualitativas ou quantitativas. Assim, ela diz respeito a toda a elaboração do texto. Segundo esse autor, o projeto de escritura, em que se define o objetivo da atividade e o produto almejado, permite esperar um primeiro estado pré-textual. A evolução dos pré-textos leva à transformação do projeto em enunciados e, estes, a uma segunda redação. O melhoramento do texto pode levar a várias reescrituras, podendo chegar, por exemplo, à quarta versão. Esta pode iniciar um novo ciclo de trabalho; cada etapa define o suporte do trabalho seguinte.

GUEDES (2002) vai ao encontro das idéias de HALTÉ (1989), ao afirmar que reescrever o texto, exercer a segunda e a terceira e a quarta chance é um direito do escritor; direito do leitor é o de receber uma explicação mais clara a respeito daquilo que fez honesto esforço para entender.

Portanto, se a reescrita faz parte do processo de escrita, ela será uma prática essencial para o ensino da produção textual, fato que a escola tem desconsiderado, o que acaba por trazer conseqüências desastrosas para a aprendizagem da escrita.

A construção de um texto envolve momentos diferentes. Segundo FIAD e MAYRINK-SABINSON (1993, p. 64) esses momentos são: planejamento, a própria escrita, a leitura do texto pelo autor e as modificações a partir dessa leitura.

As autoras ressaltam que em um trabalho de pesquisa, com reescritas realizadas junto a alunos universitários, as mudanças que os alunos realizam nos seus textos, em sua grande maioria, responderam a observações feitas pelo professor ou colega ao texto. Em segundo lugar, às mudanças que remetem a uma maior clareza e organização do texto ou a uma maior adequação ao tipo de texto exigido. Há dificuldades e preocupação, por parte dos alunos, com o gênero exigido e sua adequação.

A preocupação com maior clareza e organização do texto manifesta-se principalmente por meio da substituição de expressões que deixariam o texto mais adequado. Outros mecanismos utilizados para organizar ou clarear os textos foram a inclusão de algum elemento ou, ao contrário, a supressão.

Com a pesquisa, FIAD e MAYRINK-SABINSON (1993) observaram que os textos dos alunos, no decorrer do processo de ensino de produção textual por meio de reescrita, passam a demonstrar uma maior preocupação com seus interlocutores, visto que as modificações visaram torná-lo mais claro ou adequado a essa leitura.

Os alunos passaram a considerar um texto escrito como resultado de um trabalho consciente, deliberado, planejado, repensado. É evidente que tal afirmação modifica todo o entendimento, quando o pensado é que o processo de ensino aprendizagem valoriza o discurso individual do aluno e a valorização das características únicas de cada gênero textual. Para isso, é necessário estabelecer o papel do professor.

2 A REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO DE JOVENS E ADULTOS E O PAPEL DO

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 65-70)