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Produção, descobrimento e fortuna de uma crônica de Índias

Produção, descobrimento e fortuna de uma crônica de Índias.

O manuscrito de Madri

Todas as edições existentes da crônica de Durán derivam de uma única fonte, conservada na Biblioteca Nacional da Espanha com sede na cidade Madri.49 Sob a designação “J97” jaz um manuscrito do século XVI em papel europeu, com 344 fólios50

, escrito em duas colunas cujo texto é acompanhado de gravuras ao longo dos capítulos. O documento está divido em três tratados: a Historia,51 concluída em 1581, constitui a maior parte da crônica de Durán, com setenta e oito capítulos (fólios 1-221r); o Libro de los ritos

y ceremonias en las fiestas de los dioses y celebración de ellas, cuja data de conclusão é

desconhecida, é formado por um prólogo e vinte e três capítulos (fólios 226r-316r); o

Calendario antiguo,52 concluído em 1579, contém uma epístola “al curioso lector” e vinte e

49 Apesar de existirem várias cópias do manuscrito, ao que foi possível averiguar não existe nenhuma edição

que se baseie em outro documento que não o de Madri. Um dos melhores levantamentos sobre essas cópias pode ser encontrado em Hérbert; Forgang, 1998.

50 Generalizou-se empregar o termo fólio para designar as unidades de um manuscrito. Assim, os pares de

páginas dos livros manuscritos constituem os seus fólios, já os dos livros impressos são as suas folhas. No livro manuscrito, apenas o rosto dos fólios recebe numeração, designando-se cada uma das respectivas páginas mediante o recurso aos símbolos “r” (anverso, rosto ou recto) e “v” (verso). Desta maneira, temos que o fólio 10 de um manuscrito qualquer tem uma página direita que recebe a denominação de fólio 10r e uma página esquerda que será o fólio 10v. Contudo, o termo também pode designar não apenas a unidade, mas também o formato do livro. Nessa acepção, fólio seria o livro alcançado quando uma folha de papel é dobrada pela metade uma única vez, sendo, portanto, o maior formato da tipografia histórica. Com isso, no formatoin folio,cada folha de papel origina quatro páginas do livro impresso. Se dobrarmos essa mais uma vez, chega- se ao formato in quarto, originando oito páginas. Se dobrada mais uma vez, tem-se o formato in octavo, com dezesseis páginas por folha. Para o Códice Durán será preciso utilizar essas duas acepções, já que, coincidentemente, ele foi produzido no formato in folio, e como se trata de um manuscrito, devemos nos referir às suas “páginas” também pelo termo fólio.

51 Como este tratado possuí título similar ao das edições do manuscrito, é preciso esclarecer que utilizaremos

o termo Historia quando estivermos nos referindo unicamente ao primeiro tratado, e Historia de las Indias quando formos nos referir à obra como um todo, quer manuscrita ou publicada. Além disso, alguns estudiosos preferem guardar o título Historia de las Indias apenas para as versões impressas da crônica, e geralmente empregam o termo Códice Durán para nomear o manuscrito.

52 O título completo encontrado no início desse tratado é: “Comienza el Calendario Antiguo por donde

antiguamente se regían estas naciones indianas universalmente en su infidelidad, así en sus fiestas y solemnidades, como en todos los demás ejercicios que entre año tenían, de sembrar y coger y en mirar los días en que nacían los niños para conocer las venturas y sinos en que nacían”. Cf. Durán, 1984, I, p.215.

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dois capítulos (316v-344r); Originalmente a obra possuía 127 ilustrações a cores, sendo que 36 (atualmente 34) no Libro de los ritos, 21 no Calendario e 70 (atualmente 63) na

Historia. Infelizmente 9 ilustrações estão hoje perdidas (2 no Libro e 7 na Historia)

possivelmente pela encadernação das páginas em um único volume, processo ocorrido no século XIX e responsável também por “aparar” o topo de algumas das imagens e comprometer inclusive parte do texto em algumas páginas (Colston, 1973, p.15). No Anexo I, o leitor poderá conferir alguns dos fólios do Códice Durán e observar como texto e imagem estão dispostos ao longo da obra. Incluímos também uma lista contendo os títulos dos capítulos de todos os tratados, cujas estruturas básicas apresentamos a seguir.

Historia (1581). É o maior dos tratados de Durán. Tem como principal tema a

história do povo mexica, abarcando casualmente a de outros povos. Tradicionalmente é vista pela historiografia como a tradução para o espanhol de uma história indígena escrita em náhuatl. No entanto, veremos que em sua produção estiveram presentes outros documentos e tradições históricas, tanto indígenas quanto europeias. No manuscrito e na edição de José Fernando Ramírez (1867) o tratado não possui propriamente um título: o “batismo” ocorreu na edição de Ángel Maria Garibay Kintana, de 1967.

Capítulos 1-5: peregrinação dos mexicas até sua chegada no lago Texcoco. Capítulos 6-68: história dos reis mexicas e de suas principais realizações até a chegada de Cortés.

Capítulos 69-78: Conquista de Tenochtitlan, terminando com a morte de Cuauhtemoc.

Libro de los ritos y cerimonias (data desconhecida). Esse tratado também não

possui título no manuscrito de Madri, sendo iniciado de forma abrupta após o término da

Historia. Os responsáveis pela da edição de 1888 (Ramírez já havia falecido) conservaram

essa estrutura, mas alteraram a numeração dos capítulos tal qual elas aparecem no manuscrito: o primeiro capítulo do Libro recebeu o número LXXIX (pois o último capítulo da Historia é o LXXVIII), e não o número I. Ao que tudo indica foi Garibay, em sua edição de 1967, quem introduziu um título próprio ao tratado como forma de separá-lo tanto da

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Esse livro trata dos principais deuses da região mesoamericana, narrando suas origens, festas e atributos. Conforme sugerido por Eduardo Natalino dos Santos (2002), esse tratado tem como fio condutor uma suposta hierarquia entre os deuses, baseada na importância atribuída pelos religiosos a determinadas práticas públicas consideradas ritualísticas. Assim, de acordo com a interpretação de Durán, o Libro começa pelos deuses vistos como mais importantes e termina com aqueles considerados de menor relevância. Cada capítulo segue um roteiro comum, contento a descrição das imagens das deidades, periodização das festas e os rituais envolvidos nas celebrações. Convém ainda ressaltar que o dominicano elaborou uma “geografia” dos deuses e celebrações, pois percebeu que algumas divindades estavam ligadas a determinadas localidades ou grupos (Santos, 2002). Por exemplo, Camaxtli estava relacionado à cidade de Tlaxcala; já Huitzilopochtli era reverenciado em Tenochtitlan, a capital mexica.

Prólogo

Capítulo 1: Topiltizin ou Huemac Capítulo 2 e 3: Huitzilopochtli

Capítulo 4 e 5: Tezcatlipoca e a festa de Toxcatl

Capítulo 6: Quetzalcoatl

Capítulo 7: Camaxtli, deus de Tlaxcala Capítulo 8: Tláloc

Capítulo 9: Festa Tlacaxipeualiztli e o deus Totec

Capítulo 10: Festa ao sol Nauholin Capítulo 11: Cavaleiros do sol - guerreiros águia e jaguar

Capítulo 12: Festa de Xocotl Uetzi Capítulo 13: Cihuacoatl ou Quilaztli Capítulo 14: Chicomecoatl

Capítulo 15: Toci

Capítulo 16: Xochiquetzal Capítulo 17: Iztaccihuatl Capítulo 18: Culto ao vulcão Popocatepetl

Capítulo 19: Chalchiuhtlicue ou Chalchiuhcueye

Capítulo 20-23: práticas diárias relacionadas aos deuses

Calendario Antiguo (1579). Nesse tratado, Durán procurou expor o complexo

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o livro anterior, pois descreve importantes festas, celebrações e ritos referentes aos deuses patronos de determinados dias do ano. Contudo, segundo Santos (2002), Durán não soube trabalhar suficientemente as diferenças entre os dois ciclos calendários indígenas (tonalpohualli, de 260 dias, e o xiuhpohualli, de 360) que juntos formavam um único sistema, mas que corriam de forma independente. Apesar disso, essas incoerências mostram as prioridades e os limites do dominicano na compreensão do universo indígena.

Al curioso lector – Epístola

Capítulo 1: Contagem do ano e das figuras que usavam para contar Capítulo 2: dos meses e das figuras que usavam para contar os dias Capítulo 3: das semanas e da comemoração do nascimento

Capítulos 4-21: cada capítulo representa uma das dezoito vintenas do ano, juntamente com suas festas.

Capítulo 22: dias demasiados

Como se pode perceber, o último tratado a ser terminado, isto é, a Historia, é o primeiro a figurar no manuscrito, seguido do Libro de los ritos e do Calendario. Muito se discutiu a respeito do posicionamento dos tratados ao se produzir as versões impressas: José Fernando Ramírez, ao realizar sua edição em meados do século XIX, optou por desconsiderar a cronologia e seguir a ordem em que os tratados apareciam no manuscrito de Madri (Historia, Libro e Calendario); Já Garibay, autor da segunda (e até o momento última) edição de Durán, considerou que a obra deveria seguir a cronologia da produção dos tratados e, portanto, posicionou o Libro de los ritos em primeiro lugar, seguido do

Calendario e terminando com a Historia. O resultado dessas opções não é apenas estético,

mas acarreta consequências quando consideramos a crônica como um todo. A análise detalhada das edições será feita oportunamente neste capítulo.

39 Composição e originalidade em debate

O fato do manuscrito de Madri ser tradicionalmente mencionado como o exemplar original do trabalho de Durán pode levar a equívocos. Na verdade, não há um acordo entre os pesquisadores se tal documento é realmente produto das mãos de Durán ou uma cópia realizada por outra pessoa. José F. Ramírez, não obstante seu entusiasmo com a descoberta e edição da Historia de las Indias, chegou a duvidar que a Biblioteca Nacional de Madri guardasse a cópia original desses tratados. Os vários erros na escrita do náhuatl levaram-no a crer que alguém como frei Diego, possuidor de um conhecimento considerável daquela língua, não cometeria tais enganos.53 Tal qual Ramírez, Sandoval (1945, p. 56) também desconfiou da originalidade do manuscrito, ou melhor, acreditou que o Códice Durán seria a versão final de trabalhos anteriores do dominicano. Para isso o autor se baseou em uma pequena citação encontrada na Historia de las Indias, na qual Durán sugeriu a existência de um suposto rascunho (“borrador”) de sua obra:

Y holgara mucho de no haberme confundido con tanta variedad de relaciones, como de unos y otros he procurado, para poder poner la mera verdad. El cual deseo me incito a hacer más inquisición de la que debía, pero de lo mucho que en el borrador se escribió, evitando la prolijidad de los indios en contar fábulas y cosas impertinentes que cuentan, cuando les prestan atención – en lo cual son inacabables – pondré todo aquello en que hallo más conformidad en los relatores (Durán, 1984, I, p.17).

Veremos que a suspeita de Sandoval se provou correta, mas não a partir das premissas imaginadas pelo autor. O atual manuscrito é realmente a versão final de um ou mais trabalhos anteriores de Durán. No entanto, acreditamos que a passagem citada por Sandoval não se refere ao processo da cópia final, e sim à confecção da primeira versão do

Libro e do Calendario feita in quarto em 1579 e depois copiada, juntamente com a

53 “[...] su atenta lectura me induce á creer, que el MS. De la Biblioteca de Madrid es una copia,

probablemente la limpia destinada á impresión, y no un autógrafo. Esta es una simple conjetura fundada, menos aún en la viciosa ortografía castellana, que en la corrupción de las palabras de la lengua mexicana, en la cual parece era el autor muy perito, y que originalmente fueron escritas con toda propiedad” (Ramírez, 1867, p.XI).

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Historia, no atual manuscrito in folio. Primeiramente, com apenas uma exceção,54 não há indícios de que o dominicano ou outra pessoa tenha alterado o conteúdo dos dois últimos tratados entre as versões de 1579 e 1581. Dessa forma, a passagem citada por Sandoval foi escrita antes da Historia e, consequentemente, antes do novo manuscrito serem feitos. Logo, Durán não poderia estar se referindo a tal evento. Ao invés disso, é provável que ele se referisse aos diversos relatos recolhidos entre seus informantes indígenas e à triagem desse material realizada antes de introduzi-los nos tratados, processo relatado em diversos momentos ao longo do texto.55

Por sua vez, Ángel Maria Garibay possuía uma opinião completamente diferente, convicto de que o manuscrito era realmente um hológrafo do dominicano. Seu juízo foi fundamentado na comparação entre a caligrafia encontrada na denúncia descoberta por Fernádez del Castillo e aquela presente no manuscrito.56 Contudo, exames mais detalhados do documento foram de encontro à tese de Garibay, mostrando que, na realidade, a questão da autoria era ainda mais complexa. Tais detalhes passaram despercebidos porque, como veremos, nenhum dos dois editores consultou in loco o manuscrito ao produzirem suas publicações. Após examinar os documentos em questão, Christopher Couch (1987, p. 38-39) propôs que dificilmente a letra da denúncia confere com aquela do manuscrito madrileno devido às várias inconsistências entre a ortografia utilizada nos dois textos,57 o que sugere que pessoas diferentes foram responsáveis por sua escrita.

54 Alguns estudiosos (Colston, 1973; Couch 1987) acreditam que quatro capítulos iniciais foram retirados do Libro de los ritos e substituídos pelo tratado da Historia entre a versão de 1579 e a de 1581. Contudo, o

conteúdo dos demais capítulos restante permaneceu inalterado. Essa questão será revisitada adiante.

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Um exemplo dessa questão pode ser visto na passagem a seguir: “[…] pero otra relación dice – y esta es de los de Azcaputzalco – que en aquel tempo que iban y venían a buscarle los mexicanos para matarle, murió su padre en Azcaputzalco y que le eligieron por señor y que le trujeron y que reinó en lugar de su padre y gobernó a Azcaputzalco siete años. Pero la historia mexicana y la Relación de Coyoacan dicen lo contrario, que es que realmente lo mataron. Y es más verdadero, por lo que adelante diremos” (Durán, 1984, II, p.372- 373).

56 “Prueba de ser el original y no copia es la comparación con un documento que se da en reproducción aquí

para cotejo [...]. Para mí, lo más importante de este documento es que nos ayuda a comprobar que Ms de Madrid es del puño y letra del mismo Durán. Ológrafo por tanto, y no copia como se ha dicho” (Garibay, 1984, p. xv-xvii). Contudo, Garibay não apresentou os documentos a que faz referência para que o leitor pudesse examinar as caligrafias.

57 “Both were written in itálica, but the formation of the letters differs. Additionally, the scribe of the Madrid

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O texto do manuscrito contém outra particularidade que aponta na direção indicada por Ramírez, isto é, de que o manuscrito de Madri é uma cópia preparada visando à publicação, que por razões desconhecidas nunca chegou a ser feita até o século XIX. No entanto, não foram as palavras em náhuatl, como pensava o intelectual mexicano, que denunciaram essa possibilidade, mas sim a existência de uma segunda caligrafia que perpassa quase todas as páginas do documento, alterando a grafia, pontuação e até mesmo rasurando palavras e passagens inteiras do texto. Deste modo, conjectura-se que essa letra seja de um suposto editor, que preparava o manuscrito para publicação. Um exemplo dessas alterações pode ser observado no seguinte trecho: “que todo esto que dicho aqui con los demas que he dicho demuestra” foi alterado para “que todo esto que he dicho aqui con los demas demuestra” (Couch, 1987, p.40). Couch sugeriu que as mudanças, em sua maioria, foram feitas no sentido de deixar o texto mais claro. No entanto, na parte em que Durán narra os episódios da Conquista, trechos inteiros foram rasurados, indicando um viés político na atuação do editor e não apenas uma tentativa de melhorar a clareza do texto (cf. Anexo II).

Há ainda uma terceira característica que também passou despercebida aos editores: as ilustrações que aparecem no Libro de los ritos e no Calendario apresentam textos em seus versos. Um dos primeiros estudiosos a realizar uma análise dessas imagens foi Donald Robertson (1968), cujo trabalho seminal propiciou uma nova maneira de interpretar o manuscrito. Ao examinar detalhadamente as ilustrações, que até então só estavam disponíveis na forma de litografias presentes da edição de Ramírez, o autor pôde observar que as ilustrações dos dois tratados mencionados pertenciam na verdade a outro manuscrito mais antigo, de onde haviam sido recortadas e coladas nas posições que hoje ocupam no manuscrito de Madri.

Além disso, algumas dessas imagens são composições, fruto da junção de dois ou mais fragmentos de ilustrações anteriores.58 Essa configuração das imagens levou

consistently used the spelling “munchos” (for muchos), rarely found in the Madrid text” (Couch, 1987, p. 38- 39).

58 Existem seis ilustrações dessa natureza no manuscrito, todas encontradas no Libro de los ritos: f. 228r,

compostas de três fragmentos de diferentes imagens; f. 230r, cinco fragmentos; f. 231r. nove fragmentos; f. 232v, dois fragmentos; f. 235r, dez fragmentos; f. 236r, oito fragmentos. A ilustração do folio 325v é

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Robertson a propor que o manuscrito de Madri seria a mais antiga cópia sobrevivente do trabalho de Durán, mas que sem dúvida teria existido pelo menos uma versão anterior. Uma primeira versão, contendo os tratados dos ritos e do calendário, teria sido copiada no novo manuscrito (isto é, o de Madri), que passava a contar com um novo tratado, a Historia (cujas imagens não são coladas, mas sim elaboradas diretamente no papel do manuscrito).59 Porém, talvez por falta de tempo, recursos ou disponibilidade de artistas, as antigas imagens desse esboço original não foram copiadas, mas sim recortadas do primeiro trabalho e coladas diretamente na nova versão. No Calendario encontramos o exemplo mais radical desse processo: dezessete ilustrações desse tratado chegam ao extremo de serem, na verdade, a página inteira do trabalho feito in quarto, do qual foram retiradas e depois coladas no manuscrito de Madri (Couch, 1987, p.37; cf. Anexo I).

Essa operação pode também ser comprovada pelas diferenças de formato e disposição das imagens em cada um dos tratados. Como a “versão original” foi feita in

quarto e o manuscrito de Madri in folio, as ilustrações do Libro de los ritos e do Calendario tendem a possuir altura maior do que a largura, não abrangendo, portanto, a

largura total das páginas. Tal característica está ausente na Historia, cujas ilustrações apresentam uma composição mais regular, abrangendo sempre a total largura da página e ocupando seu terço superior ou inferior (Couch, 1987, p.35-37; cf. Anexo I).

Robertson também sugeriu que um cotejamento dos escritos dos versos das imagens poderia indicar se elas vinham de uma versão mais antiga do trabalho de Durán ou se provinham de outra fonte não relacionada com a Historia de las Indias. Porém, o autor se eximiu de tal tarefa julgando ser extremamente difícil fotografar o reverso das gravuras e também por não possuir, na ocasião, o tempo necessário para fazer tal estudo em Madri. Tal cotejamento foi realizado por Couch anos depois,60 permitindo ao autor afirmar que a caligrafia desses fragmentos é diferente tanto daquela presente na denúncia (que

também uma colagem, porém, ela é diferente das demais porque o texto que ela apresenta no verso está presente no texto do tratado, enquanto que o das outras não (Couch, 1987, p.60).

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A própria data de conclusão dos tratados indica que à época da produção da Historia (1581), Durán já havia terminado o Libro e o Calendario (1579). Contudo, supunha-se que esses dois tratados presentes no manuscrito de Madri fossem os “originais” feitos em 1579, e não uma cópia mais recente elaborada em 1581.

60 “During the months of June and July, 1983, I attempted to read and transcribe the texts on the reverses of

these paste-overs. I did this using the relatively simple method of holding the pages up to the light, and reading the texts trough magnifying lenses” (Couch, 1987, p.59-60).

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provavelmente é a de Durán) quanto no manuscrito.61 Não obstante, o texto confere, praticamente palavra por palavra, com aquele encontrado nos atuais tratados, fortalecendo, portanto, a suspeita de Robertson de que as imagens provinham de uma versão anterior a do manuscrito da Biblioteca Nacional de Madri.

As únicas exceções nas quais o texto do verso não corresponde ao dos tratados são as sete primeiras ilustrações do Libro de los ritos, seis das quais são aquelas formadas por colagens de fragmentos de diversas outras imagens. Discutiremos as implicações desse fato oportunamente. No momento, queremos salientar o fato de que se pode identificar pelo menos três diferentes mãos no que se habituou chamar de “manuscrito original” da Historia

de las Indias, e que provavelmente nenhuma delas pertence a Durán: a mais antiga é aquela

responsável pelo texto no verso das imagens, que preparou uma versão in quarto do Libro e do Calendario; depois temos a caligrafia que produziu o texto da nova versão in folio, conservada hoje na Espanha; por fim, existe a mão de um provável editor, que corrigiu

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