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As quimeras do cronista : frei Diego Durán e a produção de uma crônica de Índias

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RENATO DENADAI DA SILVA

AS QUIMERAS DO CRONISTA: FREI DIEGO DURÁN E A

PRODUÇÃO DE UMA CRÔNICA DE ÍNDIAS

CAMPINAS

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

RENATO DENADAI DA SILVA

AS QUIMERAS DO CRONISTA: FREI DIEGO DURÁN E A

PRODUÇÃO DE UMA CRÔNICA DE ÍNDIAS

Orientador: Prof. Dr. Leandro Karnal

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Mestre em História, na área de concentração História Cultural.

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pelo aluno Renato Denadai da Silva, orientada pelo Prof. Dr. Leandro Karnal e aprovada no dia 04/02/2014.

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Campinas 2014

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vii Resumo

Esta dissertação analisa a produção da Historia de las Indias de Nueva España e Islas de la

Tierra Firme pelo dominicano frei Diego Durán, em finais do século XVI. O trabalho versa

sobre a obra, as fontes de informação utilizadas em sua composição, as leituras e andaimes de construção que presidiram sua escrita, bem como sobre a historiografia criada sobre Durán ao longo dos anos. Em especial, procurou-se analisar a tecitura narrativa a partir da utilização de diferentes registros e tradições históricas e o peso que essas tiveram no resultado final da obra. Ao contextualizar as camadas de leitura e feitura do documento, debaute-se principalmente com duas principais vertentes historiográficas, uma que interpreta a crônica como registro etnográfico e outra que a analisa como construto da retórica religiosa medieval. Salientou-se, enfim, que apesar da perspectiva bíblica guiar o olhar do dominicano sobre a história indígena, tanto as tradições europeias quanto as americanas foram ressignificadas ao entrarem em contato na Historia de las Indias.

PALAVRAS-CHAVE: Frei Diego Durán (1537-1588) - Historia de las Indias de Nueva España; Historiografia; Etnologia; Epistemologia; América Espanhola.

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ix Abstract

This dissertation examines how the Historia de las Indias de Nueva España e Islas de la

Tierra Firme was produced by Dominican friar Diego Durán in the late sixteenth century.

The text discusses the work, the sources of information used in its composition and the readings which governed its writing as well as on the historiography on Durán created over the years. In particular, we sought to analyze how Durán wove his narrative while using different records and historical traditions and the weight these have had on the final outcome of the work. By contextualizing the layers of reading and making of the document, the analysis discussed mainly with two major historiographical aspects, one who interprets the chronicle as an ethnographic record and another that analyzes it as a record of medieval religious rhetoric. It was emphasized finally that despite the biblical perspective guided the Dominican on indigenous history, European and American traditions were resignified on contact.

KEYWORDS: Friar Diego Durán (1537-15888) - The history of the Indies of New Spain; Historiography; Historiography; Ethnology; Epistemology; Spanish America.

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xi Sumário Resumo ... vii Abstract...ix Agradecimentos ... xiii Introdução ... 1

Capítulo I - Um “imperceptível frade dominicano” ... 7

Frei Diego Durán ... 7

A biografia em discussão ... 25

De missionário a etnógrafo: indígena, espanhol ou mestiço? ... 32

Capítulo II - Produção, descobrimento e fortuna de uma crônica de Índias ... 35

O manuscrito de Madri ... 35

Composição e originalidade em debate ... 39

Descobrimento e edições ... 45

As edições de José Fernando Ramírez (1867/1880) e Ángel Maria Garibay Kintana (1967) ... 54

Durán como fonte para outros cronistas ... 58

Capítulo III - Fontes e escritura da Historia de las Indias ... 67

Compor uma crônica – as fontes e sua utilização ... 74

Fontes indígenas ... 80

Fontes europeias ... 93

O Êxodo mexica: índios judeus? ... 101

A crônica – entre diferentes tradições ... 111

Considerações Finais ... 123

Fontes e Referências Bibliográficas ... 125

ANEXO I ... 135

ANEXO II ... 151

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xiii Agradecimentos

Este texto foi composto em tempos e espaços diversos. Esse percurso, ainda que exasperante pelo isolamento inerente a todo processo de escrita e pesquisa, foi facilitado pelo contato com pessoas sem as quais sua realização não seria possível. A todas elas, que compartilharam seus tempos e seus espaços comigo, sou-lhes eternamento grato. Ao apoio intelectual, à amizade e ao carinho que tornaram a pesquisa e a escrita menos árida e solitária, eu agradeço:

Aos meus pais, Regina e Celso, pelo apoio e amor incondicionais, por proporcionarem a mim e a minha irmã a possibilidade de realizarmos nossos sonhos. À Cynthia, querida irmã, por sempre estar ao meu lado, mesmo que distante.

À Cida, Natale, Gustavo, Vanessa e André, por me receberem tão bem em suas casas e em suas vidas.

Aos professores José Alves de Freitas Neto e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, não apenas pelas prestimosas participações nas bancas de qualificação e defesa desta dissertação, mas pelos anos passados na Unicamp nos quais pude sempre contar com suas aulas, ensinamentos e amizade, além das valiosas leituras e indicações que tanto contribuíram para a realização deste trabalho.

Ao professor Paulo Miceli, pelas conversas e ideias inspiradoras trocadas durante as várias disciplinas cursadas na graduação e na pós-graduação. À professora Leila Algranti, pela leitura minuciosa dispensada ao projeto que resultou em uma bolsa FAPESP. Sem suas inestimáveis observações com certeza isso não seria possível.

Aos alunos do curso de História da FREA de Avaré, pelo caloroso recebimento. Com certeza aprendi com vocês muito mais do que lhes ensinei.

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Ao Rubinho (por vezes também chamado de Rubens), meu cunhado, e ao Paulo Pizzigatti, por tudo o que me ajudaram a realizar, por me mostrarem as flores e os espinhos do magistério, pelas incontáveis caronas, risadas e lições. Estou-lhes em débito permanente.

Por fim, dois agradecimentos especiais, sem os quais essa lista não poderia se encerrar: Ao professor Leandro Karnal, não saberia como agradecer por todos os anos de orientação, que se iniciaram na graduação com a disciplina de América Colonial. Suas aulas, palestras e cursos sempre tiveram o poder de motivar o estudo e a reflexão, bem como a paixão pela América. Para além deste trabalho, devo-lhe grande parte de minha formaçao intelectual e profissional, uma dívida insolúvel iniciada no momento em que me apresentou a obra de certo religioso dominicano.

À Michelle, minha querida, que acompanhou cada passo dado, cada livro lido, cada linha escrita e cada alegria compartilhada. Sem suas leituras, paciência e companheirismo esse trabalho não seria o mesmo. Sem seu amor, eu também não.

Finalmente, agradeço à FAPESP pelo apoio financeiro que possibilitou a realização da pesquisa.

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xv

A singularidade da obra é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de completamente vivo, algo de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga de Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente, para os Gregos que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma, era a sua singularidade, por outras palavras, a sua aura.

A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica

Walter Benjamin

La preocupación por el sentido de las singularidades de mi país, que comparto con muchos, me parecía hace tiempo superflua y peligrosa. En lugar de interrogarnos a nosotros mismos, ¿no sería mejor crear, obrar sobre una realidad que no se entrega al que la contempla, sino al que es capaz de sumergirse en ella? Lo que nos puede distinguir del resto de los pueblos no es la siempre dudosa originalidad de nuestro carácter – fruto, quizá, de las circunstancias siempre cambiantes – , sino la de nuestras creaciones. Pensaba que una obra de arte o una acción concreta definen más al mexicano – no solamente en tanto que lo expresan, sino en cuanto, al expresarlo, lo recrean – que la más penetrante de las descripciones.

El laberinto de la soledad

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Introdução

A Historia de las Indias de Nueva España e islas de la tierra firme, título dado ao conjunto dos três tratados que compõem a obra do dominicano frei Diego Durán (c.1537-1588), foi produzida como um detalhado compêndio que auxiliasse os religiosos na conversão dos índios, já que, para o frade, ainda existiam traços da antiga religiosidade disseminada por todos os lugares, fazendo com que os indígenas continuassem idolatrando os deuses de sua gentilidade.1 Dessa maneira, se os religiosos quisessem converter os indígenas ao cristianismo, seria necessário conhecer profundamente tanto as línguas faladas na Nova Espanha quanto as religiões existentes antes da conquista. A Historia de las Indias era, na visão de seu criador, um importante auxiliar nessa missão: além de elencar os principais deuses e seus adereços, as festividades mais importantes ligadas ao calendário litúrgico, Durán elaborou um extenso tratado a respeito da origem dos indígenas do Vale do México, cobrindo os relatos de migração desde o norte longínquo, passando pelo estabelecimento dos mexicas no lago Texcoco até chegar à conquista de Tenochtitlán por Cortés.

Para dar conta dessa gama tão grande de temas, Durán se valeu de muitas fontes, que iam desde informantes indígenas até códices e testemunhos de conquistadores. Outros trabalhos também foram produzidos com objetivos similares: tal é o caso, por exemplo, da magna obra do franciscano Bernardino de Sahagún, a Historia general de las

cosas de la Nueva España. Tal qual a obra do seráfico, a Historia de las Indias também foi

vitimada pelo “sequestro da crônica”, episódio ocorrido em 1577 no qual uma cédula real de Filipe II proibiu a produção de trabalhos acerca dos indígenas e ordenou a recolha de todo material existente sobre o tema. Assim, a obra de Durán teve o destino de muitas outras crônicas coloniais, qual seja, a de permanecer na forma manuscrita em bibliotecas e arquivos. Esse foi seu destino por quase trezentos anos. Porém, a partir do século XIX, efetivou-se um resgate das crônicas promovido por pessoas como Garcia Icazbalceta e José

1 Tradicionalmente a historiografia interpretou a evangelização veiculada pela ordem dominicana como mais

teórica, privilegiando a pregação e o intelectualismo de vertente tomista, em oposição aos franciscanos, que teriam adotado uma perspectiva mais prática em decorrência do milenarismo espiritualista presente na ordem seráfica (Flores, 1994-1995, p.313)

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Fernando Ramírez, intelectuais que viam nessas obras o registro das grandezas do povo mexicano. Trabalhos como o de Durán passaram a figurar como as fontes por excelência para o passado nacional.

Diante disso, os religiosos que compuseram essas obras passaram a ser vistos como diligentes humanistas que procuraram salvar do esquecimento a memória de um povo que desaparecia frente à conquista espanhola. A expressão “missionários etnógrafos”, que pode ser encontrada em muitos estudos a respeito das crônicas religiosas, deriva em grande parte dessa interpretação.2 Contudo, apesar dessa abordagem ter atravessado e persistido por grande parte dos séculos XIX e XX, alguns autores começaram a problematizar a utilização das crônicas como documentos históricos. Edmundo O‟Gorman, na introdução à sua edição da Historia natural y moral de las Indias do jesuíta José de Acosta, argumentou que

En términos generales, cabe afirmar que los textos que pueden llamarse fuentes históricas han recibido de manos de nuestros historiadores un tratamiento, ciertamente serio, de crítica intensa; pero orientado de una manera insuficiente. Se encuentra fundamentalmente una actitud de considerarlos como - para usar una metáfora expresiva - minas de donde extraer ciertos datos y noticias (O‟Gorman, 1985, p. c).

Ecos dessas primeiras investidas figuram em estudos mais recentes: Jaime Borja Goméz (2002), por exemplo, partiu de pressupostos que, sem dúvida, dialogam com os estudos sobre a “invenção da América” realizados por O‟Gorman em sua obra seminal da década de 1950.3 Seguindo uma vertente que visa reconsiderar o estatuto moderno da conquista da América, o autor propôs que os séculos de conquista e consolidação do império espanhol na América foram muito mais marcados pela permanência de uma herança medieval do que pelas supostas mudanças trazidas pelo alvorecer dos tempos modernos. Nessa interpretação, a historiografia estabeleceu uma história “imaginária” da conquista da América porque, pautada pelo paradigma positivista de verdade, não considerou que as descrições dos índios e espanhóis respondiam a uma série de moldes

2 Cf., por exemplo, Garibay, 1984, Heyden; Horcasitas, 1971 e Kellogg, 1995. 3 Cf. O‟Gorman, 1992.

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preestabelecidos pela preceptiva retórica própria do século XVI. Assim, Borja Goméz reforçou a crítica de O‟Gorman à utilização das crônicas como minas de “informações e dados” ao afirmar que as crônicas visavam, acima de tudo, a elevação moral de seus leitores pela apresentação de um embate entre vícios e virtudes. Longe, portanto, dos ideais de objetividade instituídos pela historiografia científica, esses documentos não registrariam a experiência vivenciada por seus escritores, mas sim uma realidade textual formada pelas autoridades clássicas e bíblicas.

Foi a partir dessas discussões que estabelecemos o ponto inicial de nossa pesquisa: como operacionar a utilização da Historia de las Indias como documento histórico? As correntes historiográficas que elegeram Durán como uma das principais fontes para o conhecimento da história e da cultura mexica estariam se baseando em uma “mentira”? Toda a historiografia construída a partir desses documentos estaria sustentando quimeras dos homens do XVI? Assim, uma das primeiras percepções de nosso trabalho foi constatar que, grosso modo, a discussão acerca das crônicas se encontrava balizada sempre por antagonismos binários: teríamos nesses documentos uma descoberta ou uma invenção da América e dos indígenas (O‟Gorman, 1992)? Índios reais ou imaginários, de carne e osso ou de papel (Dupeyron, 1993)? Seriam ainda índios travestidos de todo o arcabouço retórico medieval (Borja Goméz, 2002)? Colocava-se, da mesma forma, as crônicas coloniais entre história x ficção, verdade x mentira, realidade x imaginação. Tendo essa proposta como norte, a intenção foi, portanto, indagar o que Durán escreveu sobre os indígenas, e como o fez. Portanto, longe de querer resgatar um susposto conteúdo real dos textos, em oposição ao conteúdo “imaginado” colocado ali por seus autores.

Nos capítulos que constitiuem a presente dissertação, procurou-se responder a essas instâncias. No Capítulo I é feito um estudo crítico das fontes e informações disponíveis sobre Durán e as principais interpretações historiográficas a respeito da vida do frade. Essa etapa do trabalho consistiu em levantar todas as informações disponíveis ligadas ao dominicano que pudessem nos auxiliar na compreensão do trabalho por ele desenvolvido. A análise demonstrou que majoritariamente o elemento biográfico conduziu as principais interpretações da Historia de las Indias, isto é, as características da personalidade de Durán seriam as mesmas que caracterizariam seu trabalho: se a obra era considerada indígena, a historiografia dotou seu autor de uma identidade ameríndia; se, por

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sua vez, era mestiça, seu autor também o seria. Deste modo, chegou-se à primeira acepção de quimera empregada no título desta dissertação: o próprio autor da Historia de las Indias seria uma “quimera historiográfica”, no sentido de ser um construto modelado a partir de determinadas interpretações da crônica. O objetivo do primeiro capítulo foi pensar, portanto, novos parâmetros para se construir tanto uma biografia de Durán quanto pensar sua relação com a obra que dispomos para análise.

No capítulo II examinou-se propriamente o manuscrito que deu origem às modernas edições da Historia de las Indias. Assim, tanto os percursos do manuscrito quanto sua fortuna crítica após sua confecção no século XVI foram analisados, apreendendo a forma como o texto de Durán foi produzido e recebido pela historiografia e ao longo dos anos. Também se incluiu um estudo do “descobrimento” do manuscrito e das edições existentes até o momento. Essa atividade foi essencial para compreender o texto que hoje se dispõe para estudo, pois evidenciou as várias fases de sua produçao, os diversos materiais que entraram em sua confecção e as diferentes pessoas que interferiram em sua escrita. Com isso chegamos a uma segunda acepção da quimera criada pelo cronista, já que, tal qual a fera mitológica derrotada por Belerofonte, o manuscrito é formado por diferentes componentes que mesmo formando um todo único, ainda é possivel diferenciar suas partes. No Capítulo III, partiu-se para um estudo mais detalhado da obra, procurando identificar a maneira específica com que Durán utilizou suas fontes de informações. O primeiro ponto trabalhado diz respeito à natureza das fontes: se o dominicano compilou diversos relatos indígenas sobre os mais variados assuntos (religiosidade, deuses, história, costumes, comidas), isso impôs ao seu texto uma “visão indigena” dos acontecimentos? Veremos que há uma quantidade considerável de estudos que se balizaram por essa premissa. Contudo, se analisar mais detidamente o diálogo elaborado entre as fontes indígenas e espanholas, pode-se perceber que determinadas tradições de escrita e leitura (principalmente as atreladas à Bíblia) tiveram grande peso na maneira que o dominicano interpretou e organizou os relatos indígenas.

Em um segundo momento, essa perspectiva foi também colocada à prova: se as crônicas são resultado da transposição de modelos europeus para a América, seus autores criaram então apenas fantasias, falsidades e imaginações (ou seja, outras quimeras)? Não diriram nada do momento histórico em que foram produzidas, nem das pessoas a quem se

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referiam? Como trabalhar evitando esses dois extremos? O trabalho realizado nos capítulos precedentes foram essenciais nesse sentido, pois nos possibilitaram compreender que a

Historia de las Indias é a convergência de diferentes tradições, materiais e histórias que

foram sempre atualizadas em razão da situação histórica dos sujeitos que as empregaram. Não se tratam, portanto, de essências cristalizadas no tempo, mas que foram ressignificadas e reempregadas de diferentes maneiras.

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Capítulo I

Um “imperceptível frade dominicano”

Frei Diego Durán

Tudo relacionado a Durán parece estar cercado por uma densa bruma de incertezas e suposições. Quando tentamos responder à simples pergunta “quem foi Diego Durán?”, nos deparamos com a parte mais obscura de um universo já bastante duvidoso. Como constatado por Stephen Colston (1973), tanto na Historia de la Nueva España4 de Alonso de Zorita, escrita em 1585, quanto em um levantamento bibliográfico semelhante feito em meados do século XX por Luis Nicolau D‟Olwer, não há sequer menção do dominicano e sua obra. Esse silêncio que rodeia Durán é, portanto, uma forte e constante característica que confronta aqueles interessados em seu estudo, fazendo com que o epíteto de “imperceptível frade dominicano”5

não seja despropositado.

A despeito dos avanços nos estudos sobre Diego Durán, pouco ainda se sabe sobre a vida do dominicano, devido principalmente à exígua documentação existente sobre o tema. Não obstante, grande parte das interpretações historiográficas sobre a Historia de

las Indias foi, ou ainda está, ancorada numa estreita relação com a biografia do frade, no

sentido de que sua vida explicaria o resultado final da obra. Desta maneira, nossa intenção ao realizar o levantamento dos dados disponíveis sobre Durán não foi o de produzir uma biografia strito sensu, mas sim obter subsídios para questionar e evitar a instauração de uma relação teleológica entre vida e obra. Além disso, espera-se obter com esse exercício uma

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Esta obra é considerada a primeira bibliografia das crônicas escritas na América, na qual figuram nomes como Motolinía, Sahagún e Mendieta. No entanto, não há nenhuma menção a Diego Durán (Sandoval, 1945). Esse predomínio de autores franciscanos na obra provavelmente se deve ao fato de Zorita ter se baseado em Motolinia e Olmos para escrever sua Historia de la Nueva Espanã (também encontrada como Relación de la

Nueva España): “La Relación de la Nueva España terminada en 1585 y publicada completa cuatro siglos

después, no es totalmente una obra original: se basa en la obra de Motolinía y en la Breve relación de Olmos, con informaciones contenidas en las Cartas de Hernán Cortés y la obra República de Indias de Gerónimo Román. La parte que corresponde a Zorita, es aquella que habla de su experiencia como oidor y la información recogida sobre el tributo y la propiedad de la tierra” (Vallejo Cervantes, 2005).

5 Durán foi assim denominado por Doris Heyden e Fernando Horcasitas (1971, p.3): “an inconspicuous

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visão mais clara de como circularam as informações sobre Diego Durán e sua Historia de

las Indias e como elas foram trabalhadas pela historiografia.

Até um período relativamente recente, a única fonte de dados sobre Durán se resumia às informações contidas na Historia de la fundación y discurso de la Província de

Santiago de México, elaborada pelo dominicano Agustín Dávila Padilla (1562-1604) em

1596. Na última seção dessa obra, dedicada à memória dos “grandes varões” da província de Santiago de México (da qual Diego Durán fez parte), lê-se o seguinte:

F. Diego Durán, hijo de México, escribió dos libros, uno de historia, y otro de antiguallas de los indios mexicanos, la cosa más curiosa que en esta materia se ha visto. Vivió muy enfermo y no le lucieran sus trabajos, aunque parte de ellos están ya impresos en la Philosophia (sic) natural e moral del padre Joseph Acosta, a quien los dio el padre Juan de Tovar, que vive en el colegio de la Compañía de México. Murió este padre año de 1588 (DÁVILA PADILLA, 1955, p.653).

É possível perceber que a maior fonte sobre a vida de Durán informava somente o nome do frade, a existência de dois livros sobre os indígenas do México (mas sem mencionar os títulos) utilizados por Acosta6 e que o religioso viveu muito doente, vindo a falecer em 1588. E assim permaneceu até o início do século XIX, quando novas descobertas documentais, incluindo a do manuscrito da Historia de las Indias, trouxeram informações que ampliaram ou mesmo contradisseram as informações existentes até então.

Em 1611, Frei Alonso Fernández (c.1527-c.1627), O.P., publicou em Toledo sua Historia eclesiastica de nuestros tiempos, abordando principalmente a atuação das ordens mendicantes no Novo Mundo. No capítulo XXXI do Livro I, dedicado aos padres da ordem dominicana que escreveram livros para auxiliar a conversão dos indígenas, figura uma pequena referência a Diego Durán que, basicamente, repete o mesmo texto encontrado em Dávila Padilla.7 Tendo em vista a semelhança do texto, e que Dávila Padilla é citado

6 Discutiremos a relação com Acosta oportunamente, quando analisarmos a utilização da Historia de las Indias como fonte de outros cronistas.

7

“El padre Diego Durá [sic] escrivio dos libros, uno de historias, y otro de antigüedades de los Indios Mexicanos, la cosa mas curiosa que en esta materia seha visto. Vivio muy enfermo, y no le luzieron sus trabajos, aunque gran parte dellos estan ya impressos en la Filosofia del padre Ioseph de Acosta de la

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como fonte no início da obra,8 Fernández deve ter retirado toda a informação referente a Durán da Historia de la fundación y discurso de la Província de Santiago de México.

A próxima menção a Durán veio do bibliógrafo, e posteriormente “cronista mayor de Indias”, Antonio de León Pinelo (c.1595-1660), que em sua Epitome de la

Biblioteca oriental y occidental, nautica y geografica de 1629, foi o primeiro a fornecer um

título ao trabalho de frei Diego: “F. Diego Duran Dominico. Historia de los Indios de Nueva-España. MS. Antiguallas de los mismos Indios. MS. Ambos libros de mucha curiosidade, por los cuales añadio su historia el P. Iosef de Acosta” (León Pinelo, 1919, p.101). Como veremos no decorrer deste capítulo, o título original da obra de Durán está hoje perdido, tornando difícil averiguar a confiabilidade das informações de León Pinelo. O mais provável é que ele tenha elaborado esses títulos a partir do texto de Dávila Padilla (ou de outro autor que seguia a tradição do arcebispo dominicano9), já que não há evidências sugerindo que o bibliógrafo espanhol tenha tomado contato direto com o manuscrito de Durán.

Em 1637, o dominicano Alonso Franco y Ortega foi comissionado cronista oficial pelo capítulo da sua província (Santiago do México). Como parte de suas atribuições, o frade continuou a empreitada de Dávila Padilla em narrar as atividades dominicanas na América e a vida de proeminentes irmãos da ordem. Deste modo, em 1645 surgiu a Segunda parte de la Historia de la Provincia de Santigo de México, que permaneceu manuscrita até 1900, quando foi impressa pela primeira vez (Cline; Wauchope, 1973, p. 156). Ao tratar de seu antecessor, Frando y Ortega observou que após a conclusão da história de sua província, Dávila Padilla foi encarregado de escrever a história da ordem dominicana. Porém, o arcebispo faleceu antes de cumprir tal tarefa:

Mas por su temprana muerte no salió a luz una tan insigne obra como de sus manos se esperaba, antes se perdieron estos y otros muchos papeles suios, assi de

Cõpañía, a quien los dio el padre Iuan de Tovar, que vive en el Colegio de la Cõpañia de Mexico” (Fernández, 1611, p. 122).

8

Cf. Fernández, 1611, p. 9.

9 No prólogo à edição de 1919, Diego Luis Molinari (León Pinelo, 1919, p. XXIX) sugeriu que Léon Pinelo

aproveitou totalmente a obra de Alonso Fernández em sua Epitome de la Biblioteca. Essa informação, contudo, não contradiz nossa hipótese, já que Fernández apenas resumiu o que Dávila Padilla havia escrito sobre Durán. Dessa forma, se León Pinelo obteve a informação através de Fernández, ela continuaria de acordo com a tradição iniciada por Dávila Padilla.

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sermones, como de Theologia expositiva y escolástica y otros tratados de varia erudicion, en especial la historia de la antigüedad de los indios que tenia acavada y prometida sacar a luz, que si vieran eran trabajos de Fray Pedro Duran, hijo del Convento de Santo Domingo de Mexico y natural de Tezcuco, con todo esso, el orden y el estilo eran del Padre Maestro Fray Augustin de Avila. Con estos papeles se han honrado otros que los huvieron a las manos, y como que fueron suios han sacado a la luz sus nombres. Era obra curiosissima y digna de tal author (FRANCO Y ORTEGA, 1900, p.195-196).

Este trecho é interessante pois sugere que Franco y Ortega teve acesso a informações a respeito de Durán que não provinham somente da obra de Dávila Padilla. Primeiramente, ele trocou o nome Diego para Pedro10. Em seguida, afirmou que Durán era natural da cidade de Texcoco, o que não consta em nenhuma das obras anteriores analisadas até aqui. A confiarmos em Alonso Franco, percebe-se que Dávila Padilla se utilizou dos trabalhos de Durán para produzir um novo tratado sobre os índios da Nova Espanha, trabalho esse utilizado posteriormente por outras pessoas sem a devida menção ao verdadeiro autor. Se o arcebispo dominicano realmente produziu tal obra, dela não restou pista alguma. Outra possibilidade, sugerida por Colston (1973), é que Franco atribuiu a Dávila Padilla a autoria dos próprios tratados produzidos por Durán.

Ainda no século XVII apareceram mais duas menções aos trabalhos de Durán em levantamentos bibliográficos. Na Bibliotheca hispana nova (1672) do bibliógrafo espanhol Nicolás Antonio11 (1617-1684), encontramos uma breve referência aos trabalhos do frade. Contudo, essa citação é praticamente uma versão resumida do que os outros autores já haviam escrito.12 De modo semelhante, na Bibliothecae Dominicanae (1677), frei

10 Fernández del Castillo (1925, p.224) sugeriu que o erro não foi de Franco, mas sim do paleógrafo que, ao

ler incorretamente o manuscrito, escreveu “Po” ao invés de “Do”, erro muito frequente, segundo o autor, ao se ler documentos do século XVI. Além disso, segundo Franco y Ortega, Durán teria morrido em 1587, e não 1588 como consta na obra de Dávila Padilla (Colston, 1973, p.3).

11 Colston (1973, p. 4) se equivocou quanto à época em que viveu esse autor. Provavelmente o engano se deu

porque Colston utilizou a reedição de 1783 da Bibliotheca hispana nova, levando-o a crer que Nicolás Antonio viveu durante o século XVIII. Christopher Couch (1987, p. 18-19) também colocou erroneamente o autor no século XVIII pelo mesmo motivo.

12

“F. DIDACUS DURAN, domo ex urbe Mexico, Dominicanus, valde juvit Josephum de Acosta de Rebus

Indicis scripturum MSS. relinquens: Historia de los Indios de Nueva España

Antiguallas de los Indios de Nueva España. Antonius Leonius in Bibliotheca Indica Occidentali , tit. XVII. &

Augustinus Davila Padilla in fine Historia província Mexicana ordinis Predicatorum” (Antonio, 1783, p. 281)

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Ambrósio de Altamura, O.P., também bebeu da tradição iniciada por Davila Padilla, adicionando que os trabalhos de Durán datavam de 1575, o que posteriormente provou-se incorreto. Apesar disso, essa obra forneceu um importante levantamento de todos os autores que já haviam citado Durán até o momento: León Pinelo, Dávila Padilla, Alonso Fernández, Nicolás Antonio, Gregório Garcia e Jacinto de la Parra.13

No século XVIII o nome de Durán continuou aparecendo em levantamentos bibliográficos sobre a América e a Ordem dos Pregadores. Tal é o caso, por exemplo, dos dominicanos Jacobus Echard e Jacobus Quetif (1721, p. 282), que basicamente seguiram as informações já existentes em outras obras.14 Da mesma forma, Juan José de Eguiara y Eguren, em seu grande projeto da Biblioteca Mexicana (1755), somente reforçou os tópicos que então já faziam parte de todas as biografias de Durán: o frade era mexicano de nascimento, havia escrito dois trabalhos que foram utilizados pelo jesuíta José de Acosta, um sobre a história e outro sobre costumes dos índios. É de se notar, porém, que ao contrário de seus antecessores, Eguiara y Eguren provavelmente se fiou pelo trabalho de Franco y Ortega e não por Dávila Padilla, já que manteve o nome “Pedro” ao se referir a Durán. Essa hipótese é reforçada pela biografia de Dávila Padilla contida na obra Eguiara y

13 DIDACUS DURAN mexicanus, omnifariae fuit doctrinae, quippe orator, Historicus, Philosofus, Musicus,

Theologus, & in omnibus his eximius. Reliquit manuscripta: Historia de los Indios de Nueva España.

Item Antiguallas de los Indios de Nueva España.

Heac opera valde iuverunt Iosephu de Acosta, quando scripsit de rebus Indicis.

Laudarunt Didacum Antonius Leonius in Biblioteca Indica Occidentali titulo XVII. Augustinus Davila Padilla in fine Historia Provincia Mexicana Ordinis nostri lib. 2. cap. ultimo, Fernandez Historia lib. 1. cap. 31. Gregorius Garcia de Predicatione Evangelica lib. 5 cap. 1. fol. 172. Bibliotheca Hispana Nicolai tom. 1. fol. 216. Hyacinthus de Párra in Catalogo de Scriptoribus Ordinis m.s (Altamura, 1677, p.359).

Não foi possível localizar as obras dos dominicanos Gregrorio Garcia (c.1556/1561-1627) e Jacinto de la Parra (1619-1684) mencionadas por Altamura. Contudo, tendo em vista que todas as outras referências citadas pelo frade puderam ser confirmadas, é de se esperar que estas duas também estejam corretas. Respectivamente, as obras em questão são: Predicación del Santo Evangelio en el Nuevo Mundo, viviendo los

apóstoles e Catalogo de Scriptoribus Ordinis. 14

F. Didacus Duran. Americanus pátria & professione Mexicanus, vir magnarum partium, nec folum teologia, fed & omnigena scientia perpolitus, vitam diu duxit infirmitatibus preffus, quod in causa fuit, ne abe o scripta opera lucem viderint. Haec faltem MS abe o relicta laudatur:

Historia de los Indios Mexicanos.

Antiguallas de los Indios de la nueva España

Liber inquiunt jucundissimus. Horum maximam partem dicitur Josephus Acosta S.J. fuo libro inferuiffe cui titulus, Historia natural y moral de las Indias, qui prodiit Hispali apud Joannem de leon 1590 in 4, nempe qui Didaci nostri opera MS a Joanne de Tovar ejusdem docietatis Jesu collegi Mexicani fodali acceperar. Sic refert Antonius Davila Hist. Prov. Mexic. p. 653, ubi & addit Didacum obiisse anno MDLXXXVIII. Ejus meminerunt Leonitus Bibl. Ind. Occid. Fernandez Histor. lib. 1 cap. 31, Antonius Bibl. Hisp. Altamura ad 1575, Garcia De Praedic. Evang. lib. 5 cap. 1 fol. 216, & alii.

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12

Eguren, na qual o autor reafirmou que o arcebispo dominicano havia utilizado os escritos de Durán para compor uma história dos índios e que posteriormente outras pessoas se utilizaram dela sem mencionar o verdadeiro autor. Franco é mencionado diretamente como fonte dessa informação (Cf. Eguiara y Eguren, 1986, vol. 2, p. 557).

O jesuíta Francisco Xavier Clavijero, em sua Historia antigua de México publicada entre 1780-1781, elaborou uma “Noticia de los escritores de la historia antigua de México”, que consistia numa relação de obras sobre a história mexicana ao longo do período colonial. Apesar de não haver um verbete especificamente relacionado a Durán, o nome do dominicano acabou sendo mencionado na parte dedicada a Dávila Padilla:

Agustin Dávila Padilla, noble e ingenioso dominico de Méjico, predicador del Rey Felipe III, cronista real de América y arzobispo de la isla de Santo Domingo. A más de la crónica de los dominicos de Méjico, impresa en Madrid el año de 1596, y la Historia de la Nueva España y de la Florida, impresa en Valladolid el año de 1632, escribió la historia antigua de los mejicanos, sirviéndose de los materiales recogidos antes por Fernando Durán, dominico de Texcoco; pero esta obra no se encuentra (Clavijero, 1844, t.2, p.302)

Tal como Eguiara y Eguren, Clavijero também deve ter se utilizado dos escritos de Alonso Franco y Ortega, pois sua opinião de que Dávila Padilla escreveu uma história dos índios com base nos documentos de Durán é idêntica à expressada pelo padre do século XVII. Além disso, também sugeriu que frei Diego era natural de Texcoco, informação que remonta a Franco y Ortega. Há também o equívoco do nome: ao invés de Diego, Durán foi chamado de Fernando pelo jesuíta.15

Em inícios do século XIX, uma novidade relacionada à vida de frei Diego Durán veio à tona na obra de José Mariano Beristáin y Souza, intitulada Biblioteca

hispano-americana septentrional. Publicado entre 1816 e 1821, esse trabalho trouxe uma

notícia até então inédita: aos oito de março de 1556, Durán entrou para a ordem dominicana no convento da Cidade do México. Apesar de Beristáin não informar sua fonte, pelo teor da

15 Beristáin de Souza na Biblioteca Hispano-Americana Septentrional (1980, v.1, p.442-443) retificou a

informação de Clavijero e devolveu a Durán o primeiro nome correto e a autoria dos trabalhos. Além disso, esclareceu que Fernando Durán, “con quien Clavigero equivocó al anterior [Diego Durán]. Nació en Panamá, y tomo el habito de S. Francisco en el Convento de Guatemala, donde fué Lector de Teología [...]”.

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informação é possível que ela proceda de algum dos arquivos da Ordem dos Pregadores. Além disso, o autor sugeriu que um homem chamado Juanote Durán, a quem Beristáin classificou de “primeiro cartógrafo do México”,16 fosse o pai do frade. Esta foi possivelmente a primeira informação relativa ao parentesco de Durán a aparecer na literatura.

DURAN (Fr. Diego) á quien el Illmô. Eguiara pág. 324 de su Biblioteca dá equivocadamente el nombre de Pedro, y á quien el Jesuita Clavijero llama

Fernando con igual equivocacion. Fué natural de Tezcuco, antigua Corte de los

Emperadores megicanos; y profesó el Orden de Santo Domingo en Convento Imperial de Mégico á 8 de Marzo de 1556. Era varon docto en Teología, y de vasta erudicion en la historia antigua de los Indios; pero molestado de enfermedades en sus años últimos, no pudo dar á la luz pública los bellos libros, que tenia compuestos, los mas amenos y gustosos, que hasta entonces se habian escrito sobre las cosas de Indias, como se explica el Illmô. Dávila Padilla, y repitieron después los críticos franceses Quetif y Echard. El referido Arzobispo añade, que el P. Juan de Tovar, Jesuita megicano, en cuyo poder paraban los Manuscritos de su paisano Durán, se los Dio al P. José de Acosta, á quien sirvieron mucho para su Historia natural y moral de las Indias; en lo cual convienen Pinelo y D. Nicolás Antonio. Los dichos Ms. eran Historia de los

Indios de la N. E.; Antigüallas de los Indios de la N. E (Beristáin de Souza, 1980,

v.1, p.442).

Nota-se que em princípios do século XIX, depois de quase 250 anos da morte de Durán, praticamente nada de novo foi adicionado ao que havia sido escrito por Dávila Padilla no século XVI, já que a maior parte deste verbete de Beristáin foi retirada da obra do arcebispo dominicano. Além disso, o padrão das citações encontradas sugere que durante o período colonial correram paralelas duas correntes historiográficas17 em torno de Durán: a primeira seria composta por aqueles que seguiram a Dávila Padilla, da qual fazem parte Alonso Fernández, León Pinelo, Nicolás Antonio, Ambrosio de Altamura, Quetif e

16

“DURAN (Juanote) vecino de la Nueva España y acaso padre de Fr. Diego. Pué el primer Geografo de Mégico. La Crónica del Canónigo Cervantes, escrita á la mitad del Siglo 16 habla de este Juanote como Autor de una Geografia de la N. E. en 18 Tablas ó Mapas. Leon Pinelo y D. Nicolás Antonio lo incluyeron en sus Bibliotecas” (Beristain de Souza, 1980, v.1, p.443).

17 Sandoval (1945, p.59) foi o primeiro historiador a analisar esse padrão. Contudo, nomes importantes como

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Echard,18 e Beristáin de Souza. A segunda, por sua vez, seria constituída por aqueles que se pautaram em Alonso Franco, ou seja, Eguiara y Eguren e Clavijero. O fato da obra de Franco ter permanecido manuscrita até a última década do século XIX pode ter dificultado sua consulta e restringido seu acesso, o que não aconteceu com a obra de Dávila Padilla, publicada desde o final do século XVI.

É importante frisar que muito provavelmente nenhum desses autores teve contato direto com o manuscrito de Durán. Assim, o fato do nome do frade não ter desaparecido das bibliografias desde o século XVI até o XIX pode levar a equívocos. Durán era lembrado, mas dificilmente lido.19 Isso também pode ser inferido através dos nomes genéricos com os quais seus tratados eram chamados (Historia de los índios de Nueva España e Antiguallas de los Indios de Nueva España), possivelmente confeccionados a partir do texto de Dávila Padilla (1955, p.653): “escribió dos libros, uno de historia, y otro de antiguallas de los indios mexicanos”. Além disso, vale notar que a imensa maioria das referências a Durán partiu de autores dominicanos,20 indicando que a notícia da existência de seus trabalhos corria dentro de um circuito um tanto quanto restrito. É plenamente aceitável que pessoas não pertencentes à ordem dominicana também pudessem ler as compilações bibliográficas nas quais constava o nome de Durán (como de fato fizeram León Pinelo, Eguiara y Eguren, Clavijero, entre outros) e até mesmo utilizar o manuscrito (tal como fizeram Tovar e Acosta, ambos jesuítas). No entanto, tudo leva a crer a notícia de seus escritos foi mantida mais pela repetição de compêndios bibliográficos da Ordem dos Pregadores do que por uma utilização prática de seus trabalhos.

Com o “descobrimento” da crônica por José Fernando Ramírez e sua publicação finalizada em 1880, a pesquisa sobre a vida de Durán foi facilitada de duas maneiras: primeiramente, a Historia de las Indias contém referências acerca da vida de Durán indisponíveis em qualquer outro lugar; além disso, a procura por mais dados a respeito do frade e sua obra aumentou à medida que Durán e seu trabalho se tornavam mais conhecidos pelos estudiosos (Colston, 1973). Como vimos, de acordo com a informação

18

Fernández del Castillo (1925, p.224) sugeriu que esses autores retiraram muitas de suas informações diretamente de Franco, e não de Dávila Padilla.

19 A não ser indiretamente através de autores como Acosta e Tovar que se utilizaram dos trabalhos do

dominicano.

20 Dávila Padilla, Alonso Fernández, Franco y Ortega, Ambrósio de Altamura, Gregório Garcia, Jacinto de la

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15

fornecida por Franco y Ortega, acreditava-se até então que Durán havia nascido na Nova Espanha, mais especificamente na cidade de Texcoco. Porém, na crônica existe uma passagem na qual o frade eliminou essa possibilidade: “pensarán algunos que alabo mis agujas en decir bien de Tezcuco; ya que no me nacieron allí los dientes vínelos allí á mudar, dado que lo bueno ello se está alabado, siendo á todos notorio y manifiesto lo que digo” (Durán, 1867, p.12). Isso sugere que em meados do século XVII, ou ainda antes, a circulação do manuscrito já era extremamente difícil, pois é de se esperar que caso Franco e os autores subsequentes tivessem lido a Historia de las Indias diretamente, jamais afirmariam que Durán havia nascido em Texcoco.

Mesmo que a suposta origem texcocana de Durán ficasse assim desmentida, ninguém duvidava que o dominicano havia nascido na América, ainda que o local exato continuasse desconhecido.21 Ao escrever sua introdução à primeira edição da Historia de

las Indias, Ramírez propôs que Durán seria um mestiço, filho de um espanhol com uma

indígena, nascido no México por volta de 1538. Embora Ramírez tenha reconhecido que alguns elementos da crônica poderiam indicar uma origem europeia, o autor desconsiderou essa possibilidade após investigar um enorme caudal de documentos, os quais seriam anexados à edição da Historia de las Indias (Ramírez, 1867). Infelizmente esse dossiê foi perdido após a morte do intelectual mexicano (Bernal, 1994, p.566; Chavero, 1880). No entanto, é importante notar que a tese da origem americana do frade dominicano continuava predominante entre os estudiosos.

Em 1925, com a publicação de um documento inquisitorial descoberto por Francisco Fernández del Castillo na Cidade do México, teve lugar uma reviravolta na situação relativamente estável na qual se encontravam os estudos sobre a vida de frei Diego. O documento consistia em uma denúncia escrita por Durán de seu próprio punho22 e apresentada diante do tribunal da inquisição em 1587, na qual o autor da Historia de las

21 Não obstante essa informação trazida diretamente por Durán, Colston afirmou que alguns autores, como

Winsor (1886) e Weber (1911) se mantiveram fiéis à obra de Franco y Ortega, atestando o nascimento de Durán em Texcoco. Cf. Colston, 1973, p. 5.

22 Christopher Couch (1987, p.19) propôs que talvez este seja o único documento existente escrito pelas mãos

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16

Indias acusava o também dominicano Andrés de Ubilla de má conduta.23 Ao final do documento, encontra-se a seguinte passagem:

En la Ciudad de México quinze dias del mes de junio de mil y quienientos y ochenta y siete años ante los SS. Inquisidores licenciado Bonilla y Sanctos García en su audiencia de la mañana parecío de su voluntad sin ser llamado y juró en forma de derecho de decir verdad un relixioso que dixo llamarse FRAY DIEGO DE DURAN SACERDOTE DE LA ORDEM DE SANTO DOMINGO, NATURAL DE SEVILLA DE HEDAD DE CINCUENTA AÑOS y presento su declaración, de su letra y mano conthenida en la hoja de esta otra parte, la cual juro ser cierto y verdadera y que no lo haze ni dice por odio, sino por lo que debe al servicio de Dios y prometió el secreto. Pasó ante mi, Pedro de los Ríos (Fernández del Castillo, 1925, p.228).

Assim, descobriu-se que em 1587 Durán contava com cinquenta anos de vida e que era natural de Sevilha. Era o fim, portanto, da tese da origem “mexicana” do dominicano.24 Além disso, pela primeira vez foi possível estipular uma cronologia minimamente segura para sua vida, já que até então apenas eram conhecidas as datas prováveis de sua morte (1588) e de seu ingresso na ordem dominicana (1556). Portanto, aliando as informações da denúncia às já existentes, Durán teria nascido aproximadamente em 1537, ingressado na vida religiosa em 1556 aos dezenove anos de idade, terminado seus tratados entre 1579 e 1581, e falecido no ano de 1588. No entanto, essa descoberta gerou novas inquietações: se Durán era um espanhol peninsular, quando e por que teria vindo para a América?

23

Além da denúncia, Fernández del Castillo (1925, p.225) encontrou outra referência ao frade nos processos inquisitoriais, na qual Durán é citado como intérprete de uma mulher indígena que não falava espanhol e que era testemunha no julgamento de um espanhol acusado de praticar secretamente o judaísmo. O documento é datado de 1586. No entanto, diferentemente da denúncia, não fornece dados sobre a vida de Durán.

24

“Sin duda provino el error de hacerlo nativo de texcoco por haberlo confundido con fray Fernando Durán, franciscano, que allí vivió mucho tiempo, y en cuanto a la opinión de que naciera en México me la explico fácilmente como una falsa interpretación dada a Dávila Padilla, quien, cuando habla de fray Diego dice: hijo

de México, y en esta Crónica, como en las demás, al llamarlos hijos se refieren, no a que sean naturales de X,

sino hijos de la Provincia religiosa, y así vemos que en esa misma Crónica llama hijos de México a los que en la biografías pone como naturales de España, dando el nombre de la población y llamándolos hijos de la

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17

Com certeza Durán já se encontrava na Nova Espanha em 1556, data de seu ingresso na ordem dominicana. Em certo momento da obra, Durán afirmou ter visto a libertação de escravos indígenas pelo vice-rei Antonio de Mendoza:

[…] y aunque yo no alcancé el herrar esclavos con hierros calientes en el rostro, como hierran caballos encerrados en corral como agora los encierran en los repartimientos, empero viles herrados con el hierro señalado en los rostros y por intercesión de los religiosos los vide después libertar en tiempo del cristianísimo Vixorrey Don Antonio de Mendoza (Durán, 1880, p. 67).

Portanto, segundo esse relato de Durán, em 1550 o frade já se encontrava em terras americanas para ter sido capaz de presenciar tal fato, já que Don Antonio de Mendoza, primeiro vice-rei da Nova Espanha, governou de 1535-1550. Deste modo, em algum momento entre 1537 (provável data de nascimento de Durán) e 1550, o pequeno Diego Durán cruzou o Atlântico rumo ao Novo Mundo.

Outra referência sugere que o dominicano possivelmente já estivesse na América antes do final do governo de Mendoza: basta lembrarmos o comentário de Durán sobre sua relação com a cidade de Texcoco, transcrita anteriormente. Nela, o dominicano afirmou que apesar de seus dentes não terem nascido enquanto vivia em tal cidade, foi ali que os trocou (Durán, 1867, p.12). Ainda que vago, esse trecho indica que Durán se encontrava em Texcoco quando ainda era criança, possibilitando a elaboração de algumas suposições relativas à infância de frei Diego na Nova Espanha. Colston, por exemplo, sugeriu que o dominicano poderia ter vindo para a América entre os anos de 1543-1550,25 ou até mesmo antes, já que é possível que Durán tenha vivido em alguma outra cidade do império espanhol no Novo Mundo antes de se estabelecer em Texcoco (Colston, 1973). Porém, não há um consenso entre os pesquisadores sobre uma data exata: Sandoval (1945) sugeriu que Durán teria sete ou oito anos quando veio para o Novo Mundo; Ignacio Bernal (1994) propôs a idade de cinco anos; Heyden e Horcasitas (1971) afirmaram que antes dos seis anos Durán já seria fluente no náhuatl com o sotaque de Texcoco. Não obstante essa

25

Segundo o autor, esse longo intervalo decorre do fato da pouca precisão de Durán ao contar essa história, já que o frade não diz se a sua segunda dentição começou a aparecer (o que costuma acontecer aos 6 anos de idade) quando já estava Texcoco ou foi ali que o processo se completou (geralmente aos 12 ou 13 anos).

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18

incerteza que paira sobre o tema, é muito provável que Durán foi muito novo à Nova Espanha, e ali passou boa parte de sua infância.26 Vale lembrar, no entanto, que todas essas datas partem da suposição de que a denúncia inquisitorial indica a idade exata de Durán em 1587. Apesar disso ser plenamente possível, Colston (1973) frisou que no século XVI era costume aproximar, para mais ou para menos, os anos de vida das pessoas. Logo, a denúncia poderia se referir a uma idade em torno de cinquenta anos.

A grande questão que anima e perpassa todos esses estudos não é propriamente o interesse em saber a data exata da chegada de Durán na América, mas sim como a criação fora da Espanha teria influenciado a visão de Durán sobre os indígenas do Novo Mundo. Veremos logo a seguir que o mesmo aconteceu com a teoria do suposto passado judaico de Durán: habituado a viver entre culturas e religiões diferentes (judaísmo e cristianismo), o frade seria capaz de analisar a alteridade indígena e “traduzi-la” para seus leitores cristãos. Ao enfocar e acentuar determinados aspectos biográficos de Durán, essas interpretações criaram determinadas leituras da Historia de las Indias. Contudo, constrói-se de antemão a imagem a ser veiculada, montando-se a personagem de acordo com a demanda do pesquisador (Freitas Neto, 2003). Por exemplo, veremos que José F. Ramírez sugeriu que Durán fosse um mestiço, já que a imagem do indígena em sua obra jamais poderia ser de autoria de um espanhol. De modo semelhante, Tzvetan Todorov (1993) construiu a imagem de Diego Durán como mestiço cultural após analisar a Historia de las Indias em seu clássico A conquista da América. Na interpretação do autor, a obra contém uma visão “mestiça”, isto é, nem indígena nem espanhola, dos acontecimentos, característica que somente seria possível se eu escritor também fosse um mestiço.

Por fim, a última descoberta de informações inéditas sobre a vida de Durán veio da pesquisa de Fernando Sandoval nas atas do convento de Santo Domingo da Cidade do México. Nessa documentação, Sandoval descobriu que em setembro de 1559 Durán havia sido nomeado diácono do convento dominicano da Cidade do México e que dois anos depois, em 1561, foi mandado para o convento de Oaxaca juntamente com outros dominicanos (Sandoval, 1945, p.54).

26

Ao longo da crônica Durán relata alguns episódios vivenciados por ele quando criança na Nova Espanha. Por exemplo, há referência a uma visita à Cidade do México (1984, I, p.194) e de ter provado etzalli, prato indígena à base de feijões (1984, I, p.259).

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19

O tempo que permaneceu na região zapoteca é desconhecido, mas Colston propôs que não deve ter sido por um período muito longo, já que em algumas passagens da crônica Durán demonstra não conhecer muito bem a região (Colston, 1973, p. 9). Sugeriu-se também que o conhecimento do náhuatl possuído pelo frade não Sugeriu-seria de grande ajuda em seu trabalho missionário em localidades como Oaxaca, onde predominavam outros idiomas indígenas, o que pode ter apressado sua transferência de volta ao Vale do México (Couch, 1987, p. 23). Ignacio Bernal (1994) compartilhou a opinião de que a estadia de Durán naquela região foi muito efêmera, pois de outro modo não teria passado praticamente despercebida: não há registro de seu nome entre os dominicanos que trabalharam naquela província. Além disso, todas as referências a trabalhos missionários fornecidas por Durán dizem respeito somente à área do Vale do México. Para Bernal, a frágil saúde de Durán deve tê-lo impedido de se destacar e ganhar fama na região.

Fernando Sandoval encontrou evidências que Durán foi vigário na casa dominicana de Santo Domingo de Hueypan, no atual estado mexicano de Morelos, e que provavelmente o frade se encontrava em tal localidade no ano de 1581:

Fué vicario de la casa de Santo Domingo de Hueyapan, donde se encontraba en 1581, pues en las relaciones geográficas que se levantaron en la Nueva España por orden de Felipe II, está incluida la de los pueblos de Tetela y Hueyapan, en cuya última parte se da noticia de un episodio de la conquista, que reproduce con extrema fidelidad el Padre Durán (Sandoval, 1945, p.54).

Sandoval baseou essa suposição em um documento inquisitorial no qual constava o seguinte: “[...] todos los que entonces eran uicarios [vicarios] y io lo era de ueyapan [Hueyapan] [...]” (Sandoval, 1945, p.85, nota 15). Infelizmente o autor não forneceu mais detalhes de como chegou à conclusão de que Durán seria o autor de tal documento, impossibilitando uma análise mais aprofundada da informação.

Outro problema relacionado ao estudo de Sandoval diz respeito à exatidão da data sugerida (isto é, 1581), pois o autor afirmou que Durán retirou da relação geográfica de Hueyapan não apenas um episódio da conquista envolvendo Cortés, mas muitas informações relativas ao período pré-colombiano que estariam reproduzidas no Libro de los

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20

Hueyapan, título da relação geográfica citada pelo autor, só foi concluída em 1581, o que

torna muito difícil aceitar que Durán a utilizou da forma sugerida por Sandoval. Além disso, o suposto episódio mencionado pelo autor que foi “reproduzido com extrema fidelidade” por Durán foi obtido, segundo o dominicano, não através de uma obra escrita, mas sim oralmente: “Dígolo por un cuento que me contaron [...]” (Durán, 1880, p. 67). Couch (1987, p.25) também relativizou a opinião de Sandoval, sugerindo que “the inclusion of this incident indicates only that, for Durán to have been able to colect the account, he was in Hueyapan sometime prior to 1581”.

Existe, portanto, uma relação entre as duas obras que carece de estudos mais detalhados para que possa ser esclarecida de forma satisfatória. Essas similitudes podem indicar que, ao contrário do que pensou Sandoval, por volta de 1581 o autor da Relación, o

corregidor Cristovão Godinez Maldonado, utilizou o trabalho recém-concluído de um frade

dominicano que residia no convento dominicano de Hueyapan como forma de complementar o trabalho produzido a mando de Filipe II e do Vice-rei Martin Henriquez. Além disso, é bem possível que Durán estivesse familiarizado com as duas cidades, já que ambas eram vizinhas27 de povoados visitados pelo frade e citados em sua obra, como Ocuituco e Chimalhuacan. Além disso, Cristovão Godinez afirmou que realizou o trabalho juntamente com os índios mais velhos de Tetela e Hueyapan, a fim de coligir informações sobre as “coisas antigas” dos índios da região (Paso y Troncoso, 1905, t. VI, p. 290). Se à época Durán realmente esteve nas casas dominicanas em questão, seria possível que Godinez também tenha buscado mais informações junto ao frade, ou ainda, que Durán e o

corregidor tenham consultado os mesmo anciãos.

Há um intervalo de vinte anos, entre a ida para Oaxaca e o convento de Hueyapan, nos quais Durán não deixou nenhum vestígio na documentação. Assim, o que o frade fez nesse período pode ser apenas especulado. Alguns autores, entre eles Colston (1973), sugeriram que foi nessa época que Durán começou a procurar pelos materiais que posteriormente foram utilizados na produção da Historia de las Indias, já que na crônica existem algumas menções de viagens realizadas com o propósito de interrogar anciãos sobre uma história ou investigar o significado de pinturas e códices. Entre as localidades

27 As cidades e vilarejos que faziam fronteira com Tetela e Hueyapan podem ser conferidas em Paso y

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21

visitadas podemos encontrar Acolman, Chiauhtla, Texcoco, Cidade do México, Coyoacan, Coatepec-Chalco, Cholula e Ocuituco (Colston, 1973, p.10). Durán também afirmou ter consultado indígenas de Chimalhuacan Atenco e Chicualoapan, o que provavelmente indica sua presença nesses lugares (Durán, 1984, I, p. 89). Apesar de nenhuma dessas viagens serem datadas, elas nos indicam os prováveis locais nos quais Durán viveu e trabalhou como evangelizador.28

Sabe-se que foi nessa época que Durán completou sua obra, pois o manuscrito guarda as datas de conclusão de dois dos tratados (Calendario em 1579 e Historia em 1581).29 Logo, é plausível que esse período tenha sido de intensa atividade para Durán, aliando ao trabalho missionário a escrita da crônica, já que uma tarefa complementava a outra: o trabalho junto aos indígenas lhe fornecia cada vez mais conhecimento e material para sua obra, e esta propiciava um prático manual para a atividade de evangelização e extirpação das idolatrias.

Nas atas estudadas por Sandoval só há mais uma referência a Durán, escrita no dia oito de maio de 1587 por um frade dominicano preocupado com a saúde de frei Diego: “que nuestro padre haga guardar el parecer que dieron los médicos acerca de la enfermedad del padre Fray Diego Durán, por los inconvenientes que dello resultan” (SANDOVAL,

28 Por exemplo, podemos citar: “Bien he entendido el disgusto que estos naturales reciben de descubrir y

declarar estas cosas y heme fácilmente persuadido a ello a causa de que he sospechado en algunos pueblos en que he vivido” (Durán, 1984, I, p.152); “Sobre esta mi opinión quiero contar un cuento que me acabó de confirmar en ella y es que, viviendo yo en un pueblo no muy lejos de México” (Durán, 1984, I, p.178); “Aquí me pareció no pasar sin contar una cosa tocante a esta superstición, la cual hallé en cierto pueblo, después de muchos años que era ministro de estos naturales” (Durán, 1984, I, p.199).

29 Além dessas datas fornecidas por Durán, existem outras duas referências na crônica que têm sido utilizadas

para situar a produção dos tratados na década de 1570: “Con haber cincuenta y cinco años y más que los tratan, huyendo como el primer dia” (1984, I, p.58). Com isso teríamos que Durán escreveu tal passagem quando já se haviam passado cinquenta e cinco anos de trabalhos missionários no México. O único problema é determinar o que Durán concebia como sendo o início da evangelização. É certo que ele não se referia à chegada da ordem dominicana em 1526, pois assim teríamos o ano de 1581, e o tratado na qual se encontra a citação foi terminado em 1579. Para um religioso mendicante, o mais lógico seria pensar na chegada dos franciscanos em 1524, quando teria se iniciado efetivamente a “conquista espiritual” da Nova Espanha (1524 + 55 = 1579, portanto, dentro do aceitável). Contudo, em outra parte deste mesmo tratado, Durán (1984, I, p.152) afirma que a religião antiga estava tão arraigada que nem mesmo cinquenta e sete anos foram capazes de fazê-la desaparecer. Deste modo, nem a chegada dos seráficos pode ser utilizada se nos basearmos nessa citação, pois também teríamos uma data posterior ao término do tratado (Couch, 1987, p.24, nota 9). Assim, Colston (1973, p.39, nota 42) sugeriu que o frade poderia estar se referindo ou ao início da conquista (1519), o que nos daria o ano de 1574 (ou 1576 com base na segunda citação), ou ao final desse processo (1521), resultando no ano de 1576 (ou 1578, com base na segunda citação). De modo geral (e não obstante a precariedade na qual se fundamenta essa conclusão, já que Durán fornece duas datas para o mesmo evento), o intervalo entre 1574-1576 é o mais utilizado pelos estudiosos para situar o início da produção da Historia de

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1945, p. 56). Por fim, temos duas datas possíveis para sua morte: 1587, segundo Franco y Ortega, e 1588, de acordo com Dávila Padilla. Praticamente todos os autores preferem seguir este último, pois é possível que ele tenha conhecido Durán no convento dominicano da Cidade do México e presenciado seus últimos dias de vida.30

Se a quantidade de informações a respeito da vida de Durán mostrou-se exígua, a identificação da família do frade é um assunto ainda mais delicado, já que não existe praticamente nenhuma fonte a esse respeito. A proposição de Beristáin, de que Juanote Durán pudesse ser o pai do dominicano, carece de fundamentos capazes de resistir a uma crítica mais minuciosa.31 Somente em dois momentos da Historia de las Indias Durán fez menção sobre as possíveis condições em que sua família vivia. A primeira é que alguns de seus parentes, residentes na Cidade do México, possuíam indígenas escravizados, o que parece indicar uma razoável situação econômica.32 A segunda refere-se ao etzalli, prato indígena à base de feijões e milho, degustado por Durán quando era criança,33 mostrando que, de alguma forma, sua família adotara alguns dos costumes do novo lar (Colston, 1973, p.8; Couch, 1987, p.22).

Sandoval (1945, p.52) sugeriu que esse silêncio indica que Durán provavelmente era filho de algum hidalgo empobrecido que se mudou para a Nova Espanha, juntamente com sua família, em busca de melhores condições de vida. Segundo o autor, também é possível que Durán tenha sido enviado para morar com parentes já estabelecidos na América, enquanto o restante da família permaneceu na Espanha. Se consideramos que alguns familiares de Durán dispunham de uma situação econômica ao

30 São dessa opinião, por exemplo, Sandoval (1945), Colston (1973), Couch (1987). 31

Fernández del Castillo (1925, p. 226) qualificou de pouco provável a informação de Beristain, já que Juanote Durán, filho de Pedro López e Isabel Villel, “pasó con el Almirante Francisco Montejo a Yucatán, en donde estuvo mucho tiempo y después a México en donde vivía cuando fray Diego nació en Sevilla; por otra parte, Juanote era de Barcelona y Fray Diego de Sevilla”. Porém, o autor não considera totalmente impossível tal suposição, já que mesmo morando na Nova Espanha, Juanote poderia ter feito uma viagem à península Ibérica e retornado posteriormente (o que, para o autor, é pouco provável). Por fim, Fernández afirmou não ser possível nem afirmar nem negar totalmente a proposta de Beristáin, necessitando a questão de mais evidências.

32

“ […] sacaban muchos indios e indias y niños y los herraban en las caras y los llevaban á vender por esclavos para minas y otros servicios personales, y aun cargaban navíos de ellos para fuera de la N. España,

de los cuales esclavos conocí yo en casa de deudos míos, herrados en la cara con letras que decían el

nombre de quien los había vendido” (DURÁN, 1880, p.67). O grifo é nosso.

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“Y porque en mí niñez lo comí muchas veces, es de saber que es unas puchas de frisol com maíz cocido entero dentro. Una comida tan sabrosa para ellos y tan deseada y apetecida, que no en balde tenía día particular y fiesta para ser solemnizada” (DURÁN, 1984, I, p.259).

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ponto de possuírem escravos indígenas, essa hipótese de Sandoval se torna verossímil. Caso esses parentes tenham de fato se estabelecido na Nova Espanha antes da família de Durán, é provável que isso tenha estimulado sua mudança para o Novo Mundo. Na opinião do autor, a única certeza é que nem os familiares nem os pais de Durán haviam sido

encomenderos ou conquistadores, haja vista o desprezo com que o dominicano se referiu a

essas pessoas em sua obra. No entanto, em nossa opinião, apenas o fato de Durán ser contrário às encomiendas e aos conquistadores não é necessariamente uma prova para tal afirmação. Basta lembrar, por exemplo, de Bartolomé de las Casas, que antes de se dedicar à causa indígena foi ele próprio um encomendero. Logo, essa elucubração de Sandoval a respeito do background familiar de frei Diego Durán deve ser tomada com cautela, já que criticar os maus tratos e as encomiendas havia se tornado a posição oficial da Igreja e, portanto, um lugar comum nas obras dos religiosos independentemente de seus históricos familiares.

Outra questão referente à família de Durán é o debate em torno da possibilidade do frade ser descendente de judeus ou até mesmo um recém-convertido. O primeiro a levantar tal suspeita, mesmo que indiretamente, foi Fernández del Castillo na seguinte passagem:

El Fray Fernando Durán, con quien confundió el buen Abate Clavijero a Fray Alonso Durán, fue natural de los Angeles, hijo de un Alonso Durán y de María Rodríguez (…). Solicitó ser del Santo Oficio y se mandaron hacer las informaciones de limpieza con los deudos que el mismo ha de haber señalado en Mérida y Llerena en 1617 y aunque dijeron no conocer a la Familia, la mayor parte de los testigos declararon que los Durán y los Silva gozaban de reputación de cristianos nuevos y que a un Lic. Durán lo habían penitenciado y María González de Silva fue relajada por la Inquisión. (…) No fue aceptado en la Inquisión con ningún cargo. De modo que Clavijero tiene un anacronismo de cerca de medio siglo al confundir a ambos Durán. Fray Fernando, según Beristáin, nació en Panamá y escribió varias obras; pudiera ser otro del mismo nombre (FERNÁNDEZ DEL CASTILLO, 1925, p. 228).

Referências

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