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3.3 PRODUTO E PROCESSO

3.3.1 Produto e processo de desenho urbano

O sentido do termo “desenho urbano” pode ser vinculado tanto a um produto quanto a um processo (CARMONA; TIESDELL, 2007, p.1) e está presente sob essas duas modalidades desde o princípio da urbanização, tornando-se parte do próprio processo de civilização.

Quando tratado como produto, o termo “desenho urbano” expressa as características de uma determinada forma urbana concretizada ou idealizada, qualificando-a. Exemplifica-se com o contexto apresentado na seguinte frase:

O desenho urbano de Ouro Preto é estreito e alongado, com a topografia acidentada dos vales e morros. Grande parte das casas tem um pavimento, mas há ruas que predominam os sobrados. Mesmo assim, a aparência homogênea da arquitetura permanece (IPHAN, 2012).

A forma urbana, ou o desenho urbano “produto” é concretizado sobre o espaço por meio de um processo que envolve diversos agentes: “As cidades evoluem nas mãos de uma miríade de designers buscando, consciente ou inconscientemente, satisfazer seus próprios interesses” (LANG, 2005, p. xix, tradução nossa).

Enquanto processo, o desenho urbano pode ocorrer de maneira inconsciente ou consciente. O processo inconsciente de desenho urbano ocorre por meio da sobreposição difusa de decisões e intervenções, em escala reduzida ou parcial, sobre a forma urbana. Esse é o processo por meio do qual a maioria das inserções sobre a forma urbana é concretizada, desde o princípio da conformação dos assentamentos urbanos (CARMONA, 2003, p.55).

É, enfim, um processo de consolidação ad hoc da forma urbana, na qual cada pedaço da cidade é gradualmente construído de acordo com uma lógica derivada do contexto social, econômico, cultural, legal, institucional e técnico vigente no momento da construção, sem conformar-se a uma intenção específica de desenho urbano (HEPNER, 2010, p. 41).

O processo inconsciente de desenho urbano dá origem a um desenho urbano “produto” em que estão presentes características de espontaneidade e organicidade, em diferentes níveis qualitativos. A compreensão do desenho urbano como processo inconsciente permite a desmistificação das casualidades e sua afirmação como elemento do processo de produção social da cidade:

A cidade de hoje não é um acidente. Sua forma é usualmente não intencional, mas não é acidental. É produto de decisões tomadas por propósitos únicos, separados, cujas inter-relações e efeitos colaterais não foram totalmente considerados. O desenho das cidades foi determinado por engenheiros, pesquisadores, advogados e investidores, cada um marcando decisões racionais e individuais por razões racionais, mas deixando o desenho da cidade para ser cuidado posteriormente, isso se for cuidado. (BARNETT, 1982, p. 9-10, tradução nossa).

O desenho urbano torna-se um processo consciente quando a forma urbana torna-se objeto de um processo de concepção anterior à sua concretização sobre o espaço (CARMONA, 2003, p.55). O processo consciente de desenho urbano tem

como objetivo esboçar uma intenção específica e orientar a configuração da forma urbana idealizada, e pode adotar distintos procedimentos ou metodologias para tal.

Lang (2005) descreve quatro diferentes tipos de processos conscientes de desenho urbano, de acordo com a maneira como os processos são conduzidos, conforme detalhado na seção 3.5. Além dessas, destaca-se que o processo consciente de desenho urbano pode ocorrer por meio da consolidação de uma regulação quanto à forma urbana. Tais medidas regulatórias podem variar de um simples compêndio de parâmetros sem caráter unificado até um nível mais restrito e detalhado de exigência de determinadas características para as edificações, como “volumetria, materiais, técnica construtiva, linguagem arquitetônica, modulação das fachadas e detalhes de acabamento de cada edificação” (HEPNER, 2010, p. 42). Esse nível detalhado de regulação da forma urbana é atingido, por exemplo, em alguns condomínios fechados de alto padrão.

Dessa forma, as medidas regulatórias do uso e ocupação do solo, esboçadas nas leis de Zoneamento, são elementos conformadores da forma urbana. Estes, entretanto, não são necessariamente elaborados com a perspectiva de composição de uma forma urbana ideal para a cidade por meio de um processo de desenho urbano consciente, pois, em diversos casos, apresentam-se apenas como um compêndio de parâmetros urbanísticos aos quais não se impôs uma idealização da forma urbana durante seu processo de elaboração. Por possuir caráter restritivo, e não necessariamente propositivo de um desígnio para a forma urbana, o Zoneamento não representa necessariamente um processo consciente.

O desenho inconsciente não significa, contudo, que a produção da forma urbana ocorra de maneira totalmente livre de restrições. De fato, boa parte das cidades possui legislações e códigos edilícios que determinam o que pode e o que não pode ser construído, quais são os usos permitidos em cada região, quais são os limites de altura, área edificada etc; no entanto, limitar o que pode ser feito não é, de modo algum, o mesmo que determinar ou induzir o que será construído (HEPNER, 2010, p. 41).

Essa leitura sobre as regulamentação edilícias é relevante à análise colocada na seção 3.6.2.4, Perspectiva social-reformista e o contexto contemporâneo.

Dessa análise é possível concluir que a maioria das grandes cidades toma forma sob uma condição dialética da presença de processos conscientes e inconscientes de desenho urbano.

Independentemente do fato de ser resultado de um ato deliberado de desenho urbano ou de processos vernaculares, espontâneos e informais, cada assentamento humano carrega consigo uma configuração urbana que possui qualidades e defeitos inerentes. Ou seja, pode facilitar ou dificultar certas práticas e fenômenos sociais, econômicos, tecnológicos e políticos (ACIOLY; DAVIDSON, 1998, p. 62).

Embora a qualidade da forma urbana resultante não seja, necessariamente, fruto de um processo consciente de desenho urbano, há uma tendência no sentido de estabelecer tal vínculo. Lynch (2010, p. 129), já em 1960, apontava o processo consciente de desenho urbano como um instrumento necessário diante da intensificação do processo de urbanização. Verifica-se, contudo, que algumas formas urbanas resultantes de processos inconscientes favorecem características tais – como vitalidade urbana, por exemplo – que são frequentemente mimetizadas por meio de processos conscientes de desenho urbano, na busca por essas mesmas características.

Vislumbrando esse fato, toma-se a definição de desenho urbano como um processo que pode se dar de maneira consciente ou inconsciente como um pressuposto, ou um elemento constante, da análise empreendida ao longo deste trabalho. Destaca-se esse aspecto, pois as demais temáticas trabalhadas apresentam aspectos sempre variáveis em relação ao desenho urbano (variáveis ao longo do tempo e segundo a abordagem de cada autor), conforme detalhado nas duas seções subsequentes: seção 3.5, Abordagens Contemporâneas e seção 3.6, Evolução Histórica.