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Produtos cárneos cozidos

No documento A segurança dos alimentos em casa (páginas 135-143)

Os produtos cárneos cozidos são, como o próprio nome indica, trata- dos termicamente durante o seu fabrico. Estes produtos são habitualmente agrupados pelo tipo de preparação prévia que a carne sofre: produtos com a estrutura muscular identificável (fiambre da perna, bacon, paio York) e pro- dutos com estrutura muscular não identificável (mortadela, afiambrados, sal- sichas tipo Frankfurt – a salsichas para cachorro) (quadro 1). O tratamento térmico que estes produtos sofrem pode ser uma pasteu- rização (tratamento térmico relativamente suave, que tem que estar asso- ciado à refrigeração posterior do produto) ou uma esterilização (tratamento térmico forte do produto já dentro da embalagem, que pode depois ser ar- mazenado durante a sua longa vida de prateleira à temperatura ambiente).

Produtos cárneos cozidos – pasteurizados

Todos os produtos cárneos cozidos que quando os adquirimos estão refrigerados, foram somente pasteurizados. A maioria destes produtos é fa- bricada em peças grandes para ser fatiado – ou a pedido do consumidor ao balcão do talho ou salsicharia – ou ainda na fábrica, onde são embalados já fatiados para serem distribuídos.

Em termos de segurança sanitária, os produtos cárneos cozidos são mui- to mais seguros que os crus, pois os microrganismos que poderiam estar na carne foram mortos pelo calor quando o produto foi cozido. Por terem sido cozidos, estes produtos têm um prazo de validade muito maior que os pro- dutos crus. O perigo que estes produtos representam está muito associado a uma eventual contaminação quando é fatiado na salsicharia ou talho, ou quando em nossas casas facultamos a sua contaminação no frigorífico por não termos os alimentos de maior risco (carne fresca, aves) devidamente acondicionados (por exemplo, um saco que trouxemos do talho com bifes de porco que está a gotejar exsudado…). Se um produto cárneo cozido for contaminado acidentalmente pode tornar-se bastante perigoso, pois é con- sumido sem ser aquecido de novo (um fiambre não é cozinhado em nossas casa, é sempre consumido diretamente do frigorífico).

Um dos piores erros que se pode fazer é mexer em fiambre depois de mexer em carne fresca sem lavar muito cuidadosamente as mãos. Esse erro leva a que os microrganismos que habitualmente estão na carne, passem para o fiambre através das mãos ou de uma superfície (mesa de trabalho, tábua de cortar) – esta contaminação é vulgarmente designada por contami- nação cruzada. Isto também pode acontecer no frigoríficos de nossas casas, se o fiambre não estiver devidamente acondicionado numa embalagem fe- chada (saco ou caixa) e se houver contacto com carne fresca, também inade- quadamente embalada.

A contaminação dos produtos cárneos cozidos pode acontecer com mi- crorganismos, como as salmonelas, que podem provocar doença no Homem mesmo estando presentes em quantidades muito pequenas. Pode também acontecer com outros microrganismos, como Listeria monocytogenes, que só provocam doença quando ingeridos em quantidades maiores, mas que la- mentavelmente, conseguem multiplicar-se à temperatura do frigorifico, pelo se houver contaminação o produto pode tornar-se perigoso.

Outro problema que pode haver com os produtos cárneos cozidos é a temperatura a que são mantidos. A refrigeração deve ser constantemente mantida, pelo que se deve ter cuidado com o tempo que demoramos com as compras até casa, que num dia quente pode ser crítico para a segurança do produto. A temperatura dos frigoríficos também é importante, devendo ter- -se cuidado, principalmente nos dias quentes de verão que o frigorífico esteja devidamente arrefecido (regulação no máximo).

Os afiambrados fatiados que são comprados embalados de fábrica po- dem ser olhados de forma ligeiramente diferente. Esses produtos são fatia- dos e embalados em condições de higiene muito boas, pelo que a sua conta- minação na fábrica é muito pouco provável. Porém, esses produtos têm um prazo de validade definido para que o produto ainda esteja fresco quando o consumimos dentro do prazo de validade, e se houve alguma contaminação acidental com Listeria monocytogenes, a sua multiplicação não ocorreu até níveis que deixassem o produto perigoso. Assim, nunca se deve consumir um fiambre fatiado de fábrica após o fim do seu prazo de validade, ou sempre que se suspeite de que não foi armazenado à temperatura adequada (ficou esquecido fora do frigorífico depois do lanche das crianças, demoramos mui- to tempo a chegar com as compras do supermercado num dia quente).

Na figura 2 sintetizam-se alguns dos cuidados a ter com os produtos cár- neos cozidos pasteurizados para garantir a segurança do seu consumo.

Produtos cárneos cozidos – esterilizados

As salsichas, pastas de carne, fiambres e outros produtos enlatados, em frascos de vidro, ou noutro tipo de embalagem, que são comercia- lizados à temperatura ambiente são provavelmente dos produtos mais seguros do ponto de vista microbiológico. Esses produtos cárneos foram esterilizados já na embalagem em que os estamos a comprar, e todos os mi- crorganismos que poderiam provocar dano na nossa saúde são mortos. No passado, as conservas estiveram associadas a casos de uma doença de ori- gem alimentar muito grave, o botulismo. Esta doença é provocada por um microrganismo chamado Clostridium botulinum que é bastante resistente ao calor. Assim, quando no passado as conservas não eram bem feitas o

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Clostridium botulinum poderia sobreviver, e ao multiplicar-se produzia uma toxina que pode ser mortal. Atualmente a indústria tem processos de fabri- co que garantem a eliminação deste microrganismo, e há décadas que não se detetam surtos de botulismo com conservas industriais. Na compra de produtos cárneos esterilizados há que ter atenção à integridade da embala- gem. Latas amolgadas, opadas, com ferrugem, frascos que têm indícios de ter sido abertos (sem a cinta de segurança em plástico, ou em que não se ouve um “poc” quando são abertos), devem ser considerados perigosos, e será preferível não os consumir.

  Produtos  cárneos  cozidos  pasteurizados   Fiambre,  mortadela  

Fatiado  a  pedido  no  

talho  ou  salsicharia   Fatiado  de  fábrica,  já  embalado  

Reduza  o  tempo  de  transporte  até  casa  (frigorífico)  

Mantenha  as  embalagens  bem  fechadas  no  frigorífico;   depois  de  abrir  a  embalagem  pode  transferir  para  uma  caixa;  

cuidado  com  a  higiene  das  mãos;  use  pinça  de  cozinha  limpa  

Não  armazene  estes  produtos  muito  tempo  no  frigorífico   (os  embalados  de  fábrica  depois  de  abertos  devem  ser  

considerados  similares  ao  fatiados  a  pedido)   Compre  quantidades  

pequenas  para  consumir   em  poucos  dias  

Esteja  atento   à  higiene  da  operação    

Verifique   o  prazo  de  validade  

Figura 2 – Cuidados a ter com a manipulação de produtos cárneos cozidos

Depois da embalagem das conservas ser aberta a sua segurança passa a depender do armazenamento correto e da higiene com que são manipula- das. Ou seja, depois de abrir uma lata de salsichas, os cuidados que devemos ter os mesmos cuidados que com o fiambre. Assim, as sobras de uma lata de salsichas devem ser conservadas no frigorífico, numa embalagem fechada para evitar contaminação, e consumidas a curto prazo.

Produtos cárneos secos (fumados, fermentados)

Neste grupo de produtos cárneos incluem-se os chouriços, salpicões, paios e toda uma gama de produtos de não foram aquecidos durante o seu processamento, e que devem a sua conservação fundamentalmente ao fac- to de terem secado. A desidratação é um processo simples e primitivo, que é praticado para conservar alimentos desde tempos imemoriais. A maioria dos produtos de salsicharia tradicional portuguesa, assim como outros do mesmo tipo produzidos no sul da Europa, são submetidos a uma desidra- tação parcial que, conjuntamente com outros processos, assegura a redu- ção do teor em água 2 para valores que garantem a estabilidade, sem que as

características de textura (tenrura, suculência) sejam comprometidas. Essa redução da atividade da água é consequência não só da eliminação da água mas também da adição de sal e outros ingredientes solúveis no tempero dos produtos. A utilização de temperaturas reduzidas durante o fabrico, a fuma- gem e alguns dos ingredientes utilizados (sal, vinho, alho, de entre outros) contribuem também para a eliminação ou inibição da multiplicação dos mi- crorganismos patogénicos.

A experiência e vários estudos que têm sido realizados demonstram que os produtos cárnoes secos crus (chouriço, salpicão, presunto) são seguros. Deve porém ter-se atenção a alguns aspetos. A segurança destes produtos de- pende de terem sido corretamente fabricados e suficientemente secos. Por vezes, os enchidos produzidos em pequenas unidades que não têm secadores com o devido controlo, podem não estar devidamente secos. Também aconte- ce que alguns enchidos podem não estar bem secos, pois o fabricante assim o pretendeu, para evitar que os produtos percam muita água (e por consequên- cia peso, que se reflete no rendimento). Esses produtos devem ser encarados como potencialmente perigosos, e o seu consumo deve ser ponderado. Se dúvidas houver, é preferível utilizar esses produtos cozinhados (no cozido, na feijoada…) pois a cozedura eliminará o perigo na maioria das situações. 2) A redução do teor em água juntamente com a adição de sal resulta na redução

da atividade da água, designada por aw (do inglês activity of water), que é um parâmetro que, quanto mais reduzido melhor impede o desenvolvimento de mi- crorganismos.

Projeto Zoonoses Outro aspeto a ter em consideração no consumo de enchidos secos é o consumo do invólucro (tripa, pele…). Como muitos destes produtos não são embalados, a superfície está potencialmente contaminada, pelo que o seu consumo deve ser evitado. Adicionalmente, como a maioria destes pro- dutos é fumada, retirar o invólucro é sempre vantajoso para a nossa saúde, pois evitamos a ingestão de compostos químicos do fumo que, apesar de estarem em quantidades pequeníssimas, podem a longo prazo ser nocivos para a saúde.

Tal como indicado para os produtos cozidos, a arrumação dos enchidos deve ser corretamente efetuada para evitar co contacto, direto ou indireto, com alimentos mais contaminados, como as carnes frescas.

Os enchidos e outros produtos que são comercializados à temperatura ambiente (sem refrigeração ou indicação para a sua utilização), têm habitual- mente indicação para armazenamento em local fresco e seco. Colocar esses produtos no frigorífico não é necessariamente vantajoso, pois esses enchi- dos têm microrganismos bons (à semelhança do iogurte), que ajudam à sua conservação. Quando se colocam esses produtos no frigorífico, podemos dar uma vantagem competitiva a alguns microrganismos que se multiplicam bem em temperaturas baixas, como Listeria monocytogenes. Assim, enchidos se- cos que têm indicação de conservação à temperatura ambiente, devem ser guardados em local fresco e seco. Se forem colocados no frigorífico, não os devemos guardar por períodos muito longos.

Atualmente existem no mercado produtos cárneos que tradicionalmen- te eram conservados pelo processo de secagem, mas são atualmente con- servados também por um processo de pasteurização durante o processo de fabrico. Muito desses produtos não são tão secos quanto aqueles a que está- vamos habituados (são mais suculentos, o que é uma vantagem para o con- sumidor, e têm um rendimento de fabrico maior, o que é interessante para o fabricante). Note que estes produtos devem ser olhados como os produtos cozidos de que falamos anteriormente. “Como distingo esses produtos dos tradicionalmente secos”, pergunta-se o leitor – Estes produtos menos secos e pasteurizados são quase sempre vendidos embalados em sacos plásticos sob vácuo (o plástico fica aderido ao enchido) ou em atmosfera protetora (o saco está cheio com um gás, e não adere ao enchido), e têm instruções para ser conservados em refrigeração. Deve cumprir essas instruções.

Uma nota particular para os presuntos e enchidos secos. Estes produ- tos, particularmente os presuntos, têm uma dimensão muito grande, e a se- cagem na zona mais profunda demora muito tempo. Se algo correr mal pode haver multiplicação de Clostridium botulinum na zona profunda do presunto (os clostrídios são anaérobios, ou seja, multiplicam-se bem em sítios onde

não há ar). Para prevenir a multiplicação deste microrganismo, que é mui- to perigoso, na indústria utiliza-se um par de aditivos químicos que é muito eficaz no seu controlo – o nitrito e o nitrato de sódio ou de potássio. Estes aditivos, são muitas vezes identificados com o seu código “E” – nitrito de potássio E249, nitrito de sódio E250, nitrato de sódio E250, nitrito de potássio E252. Ainda que os consumidores não sejam simpatizantes de consumir adi- tivos químicos, neste caso é um mal menor, pois a utilização destes aditivos previne a multiplicação do referido Clostridium botulinum. Note que se com- prou um presunto, por exemplo, numa feira de fumeiro, esse produto por não ter nitrito e nitrato não tem que ser necessariamente perigoso. O pro- cesso de secagem longo e a temperatura muito fresca a que foi curado terão contribuído para impedir a sua multiplicação. Porém, na ocorrência de qual- quer cheiro anormal (a podre, a amoníaco) na zona profunda do presunto, não arrisque, pois poderá ter ocorrido multiplicação daquele microrganismo. Em caso de dúvida não coma o presunto cru, utilize-o para cozinhar (cozido, feijoada, rancho), pois o aquecimento prolongado destrói a toxina produzida por aquele microrganismo.

Deixamos aqui esta nota sobre os presuntos, pois isto não é simples- mente uma avaliação teórica. Em janeiro de 2007 quatro pessoas da mesma família foram internadas com botulismo num hospital do Norte de Portugal devido ao consumo de presunto. Felizmente a toxina produzida naquele pre- sunto não era das mais graves que Clostridium botulinum pode produzir, e todos os envolvidos recuperaram bem.

Na figura 3 sintetizam-se alguns dos cuidados a ter com os produtos cár- neos curados para garantir a segurança do seu consumo.

Alguns produtos cárneos são difíceis de enquadrar na classificação in- dicada, pois a carne foi cozida, e depois foram muito manipulados durante o fabrico (alheiras, mouras, chouriço azedo). Nestes produtos, os microrga- nismos da carne foram mortos quando se cozeram as carnes, mas durante a manipulação posterior pode haver contaminação. Ainda que as condições de higiene sejam cada vez melhores na indústria, alguns fabricantes utili- zam uma pasteurização destes produtos, que associado à refrigeração ga- rante que estes produtos são seguros. Porém, estes produtos são sempre cozinhados antes de serem consumidos, pelo que se se seguirem as indica- ções de cozinhar corretamente estes produtos, nunca haverá problemas (atenção ao cozinhado de alheiras ou mouras congeladas, ver indicações nos produtos crus).

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  Produtos  cárneos  secos  curados   Chouriço,  salpicão,  presunto  

Cumpra  as  instruções  de  rotulagem;   refrigeração  ou  local  fresco  e  seco    

Reduza  o  tempo  de  transporte  até  casa  

Cuidado  com  o  contacto  com  alimentos  mais  contaminados   (carnes  frescas,  …)  

Evite  comer  o  invólucro  

Os  enchidos  secos  podem  ter  dificuldades  de  conservação  de   colocados  em  sacos  plásticos  ou  caixas  no  frigorífico.  

Se  é  um  enchido  tradicional,  devidamente  seco,   se  puder  armazene-­‐o  num  local  fresco  sem  embalagem  

Figura 3 – Cuidados a ter com a preparação de produtos cárneos secos cura-

dos para garantir a segurança do seu consumo.

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II

Microrganismos

No documento A segurança dos alimentos em casa (páginas 135-143)