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Professor tupi-guarani de arte e cultura, ensina para adolescentes

CAPÍTULO III – ENTRE OS TUPI-GUARANI NA ALDEIA PIAÇAGUERA

Foto 6 Professor tupi-guarani de arte e cultura, ensina para adolescentes

Ele lançou a idéia de “pedagogia de fronteira”, como uma prática pedagógica que torna os eixos de poder transparentes, insere a diferença dentro de uma política cultural, busca criar nas escolas, universidades e outros espaços educacionais, pontos de vista epistemológicos fundamentados nos interesses das pessoas, reconhecendo a materialidade do conflito, do privilégio, e da dominação (Idem: 46).

GIROUX (Idem: 47) defende que a importância da pedagogia de fronteira esteja no compreender como as subjetividades são produzidas dentro de configurações de conhecimento

e poder, que existem fora da experiência imediata das pessoas; das obrigações da cidadania crítica e da construção de culturas públicas críticas.

A pedagogia de fronteira propõe que os professores aprofundem seu próprio entendimento do discurso do Outro, sendo autocríticos, dialéticos e capazes de ouvir criticamente as vozes dos alunos. O conhecimento e o poder estão juntos, diz GIROUX (Idem: 48) não apenas para reafirmar a diferença, mas para interrogá-la.

O autor descreve as considerações teóricas da pedagogia de fronteira como sendo: primeiramente, a categoria de fronteira reconhece as margens epistemológicas, políticas, culturais e sociais que estruturam a linguagem da história, do poder e da diferença e prefigura a crítica cultural e os processos pedagógicos como forma de transpor fronteiras, assinalando formas de transgressão em que as fronteiras existentes forjadas na dominação, podem ser desafiadas e redefinidas.

Em segundo lugar, refere-se à necessidade de criar condições pedagógicas nas quais os alunos transponham fronteiras para compreender o Outro em seus próprios termos, criando outras regiões fronteiriças nas quais os diversos recursos culturais permitam novas identidades dentro das circunstâncias de poder existentes.

E em terceiro lugar, deve-se tornar visíveis as limitações, os pontos fortes, histórica e socialmente construídos, os locais e fronteiras herdados que estruturam nossos discursos e nossas relações sociais. Pela política da diferença, a pedagogia de fronteira torna primária a linguagem da política e da ética; dando ênfase ao político, examina como as instituições, conhecimento e relações sociais são inscritos de maneiras diferentes no poder; destaca o ético, examinando como as relações do conhecer, agir e da subjetividade, são construídas nos espaços e nos relacionamentos sociais, por julgamentos que demandam e estruturam “diferentes modos de reação ao outro”.

Nesse sentido, o estudioso norte-americano Michael Apple ([1979] 1982:103), de orientação marxista, também desenvolveu uma linha crítica de reflexões sobre o currículo

intercultural, tendo encontrado que os valores morais, a ideologia e as finalidades econômicas, é que fizeram o currículo das primeiras escolas americanas, organizadas para formar pessoas que valorizavam a vida tradicional comunitária, o consenso, trabalhadores cuidadosos, econômicos, eficientes, para as indústrias, porque acreditava-se, no começo do século XIX, que a escola deveria resolver os problemas da vida urbana, o empobrecimento e a decadência moral das massas. Assim, a escola é que adaptaria as pessoas aos respectivos lugares que deveriam ocupar na economia industrial.

O autor americano (Idem: 106) acredita que o currículo contemporâneo ainda seja influenciado pelo pensamento dos primeiros curriculistas: Franklin BOBBIT, W.W. CHARTERS, Edward L. Thorndike, Ross L. FINNEY, Charles C. PETERS e David SNEDDEN, que no fim do século XIX e começo do século XX, definiram a relação entre a estruturação do currículo, a integração social, a consciência de grupo, o controle e o poder da comunidade na hierarquia da organização industrial.

Esse grupo de pessoas temia o surgimento de uma nova classe econômica e social, composta por proprietários de corporações. Eles consideravam os imigrantes uma ameaça, como mão de obra barata, que chegavam do leste e do sudeste da Europa, assim como os negros do sul americano rural, pois a cultura norte-americana homogênea, estava centrada na idéia de cidade pequena, sedimentada nas suas crenças, valores e atitudes herdadas dos antepassados ingleses (Idem: 109).

O grupo de curriculistas teria encontrado então na escola, o instrumento ideal para aculturar o imigrante aos valores, crenças e padrões de comportamento da classe média americana, criando leis que tornaram a graduação em nível secundário, obrigatória. O problema, diz APPLE, é que ao levar a idéia para a prática, ao invés de se referirem às diferenças étnicas, de classes sociais e raciais, o grupo de articulistas falava em termos de diferenças em relação à inteligência.

FINNEY (Idem: 114). dizia que metade da população tinha cérebro de qualidade apenas mediana ou inferior e entre esses, muitos tinham cérebro mais fraco ainda.

THORNDIKE dizia que as pessoas com baixo quociente de inteligência, eram uma ameaça à existência da civilização. O problema passou a ser então, como manter a importância daqueles com mais alto quociente de inteligência, os virtuosos, mais eficientes e dedicados ao trabalho.

BOBBIT e SNEDDEN, propuseram que a diferenciação se fizesse por classe social e formação étnica, pois os homens de negócios, cientistas e advogados, eram todos brancos, da classe média americana, portanto sem dúvida, os de inteligência superior. Já a massa sem inteligência, estava na diversidade da população, ou seja, imigrantes da Europa e em grau inferior, os negros. Assim, o que inicialmente havia sido constatado como problema cultural, de diferença étnica e de classe, foi redefinido “cientificamente”, como problema de inteligências (Idem: 118).

Como defensores da industrialização, da eficiência e da produtividade industrial, os primeiros curriculistas americanos, encontraram no modo de organização industrial, um modelo para a própria sociedade.

Na universidade, FINNEY (Ibid.). defendia a necessidade de se reconhecer uma hierarquia de inteligência e instrução superior, tendo no topo do sistema ele próprio e os outros especialistas do seu grupo, levando a pesquisa para setores altamente especializados, seguidos pelos líderes relativamente independentes, que as universidades deveriam formar no conhecimento das descobertas dos especialistas; estes por sua vez, seguidos dos graduados no curso secundário, que conheceriam algo do vocabulário dos que se achavam acima deles, e respeitariam o conhecimento especializado e por fim, a massa estúpida, repetindo as palavras dos que estão acima deles, imaginando que os entendem, e seguem por imitação.

Os vínculos comunitários foram se enfraquecendo, à medida que a tecnologia se desenvolvia e aumentava a “necessidade” de dividir e controlar a mão-de-obra, visando o aumento de lucros. Entre educadores e intelectuais, uma nova linguagem, descritiva, surgia, legitimando e oferecendo explicações sobre a relação entre a escola e os problemas da sociedade, determinando causas, justificando, no sentido de dar seguimento ao controle e à manipulação das pessoas (Idem: 121).

A sociedade, baseada no capital cultural técnico e acumulação individual de capital econômico, precisava mostrar-se como se esse fosse o único mundo possível, de forma que o conhecimento fosse visto como neutro, basicamente inalterável e parte de um “consenso”. Legitimar essa perspectiva basicamente técnica, correspondia a um mundo social e intelectual a-crítico (Idem: 126).

Pelo currículo oculto transitavam normas e valores implícitos e efetivamente transmitidos pelas escolas, porém não mencionados (Idem: 127). Nesse “jogo”, o conflito era sempre eliminado, passando a idéia de harmonia constante; como se fosse possível a ciência existir sem diferentes posturas; as teorias se apresentavam como consensuais, embora saibamos que na verdade, há uma série de diferentes formas paradigmáticas de percepção do mundo social e científico (Idem: 141).

Assim os conflitos, importante fonte de mudança, inovação e criatividade, dimensões básicas e benéficas da dialética da atividade e do fluxo da sociedade, eram tratados como negativos, estimulando a crença de que um processo em conflito destrói a harmonia e é fator de ruptura, como se ambos não fossem parte da mesma moeda, e essenciais à formação de grupos e à persistência da negociação na vida coletiva.

Tratando justamente do arbitrário cultural, Pierre BOURDIEU e Jean-Claude PASSERON, usando o termo violência simbólica, definiram uma teoria geral crítica da violência social, a violência do monopólio escolar e do monopólio estatal, pelo qual tende-se a dissociar a reprodução cultural da sua função de reprodução social e ignora-se o efeito das relações simbólicas na reprodução das relações de força (BOURDIEU e PASSERON [1970] 1992:25).

Considerando o trabalho pedagógico como ação transformadora, que inculca uma determinada formação, e que confirma, consagra e legitima a autoridade pedagógica e o arbitrário cultural, os autores, revelaram a linguagem universitária como linguagem à parte das línguas faladas pelas diferentes classes sociais; controlada e travada em sua evolução,

justamente pela intervenção normalizadora e estabilizadora das instâncias de legitimidade (P.128).

Os autores se colocaram contra a redução das funções do sistema de ensino à função técnica e econômica, medidas pelas necessidades de mercado. Naquele tempo, década de setenta, sabia-se pouco sobre a recepção ativa na complexidade da comunicação. Foi apenas no começo da década de oitenta, que teóricos latino-americanos, entre os quais MARTIM- BARBERO, denunciaram o engano epistemológico, que confundia a significação da mensagem com o sentido do processo e das práticas da comunicação, minimizando o sentido dessas práticas à passividade, diante do significado veiculado pela mensagem, quando na verdade a recepção é também de alguma maneira, ativa (MARTIM-BARBERO, [1987] 1991:40).

Sobre a forma como no Brasil, as intenções e teorias curriculares americanas foram absorvidas, Antonio Flávio Moreira ([1990] 2005: 29) refere-se às primeiras influências da concepção de controle social presente nas primeiras teorias do pensamento curricular americano, encontrando duas concepções de controle social; o explícito e direto, modos artificiais que atuam externamente sobre o indivíduo como a coerção; e o implícito e indireto contido nos processos sócio-pedagógicos.

O autor (Idem: 42) não acredita na transferência educacional para o Brasil como simples cópia, mas sim que aquelas idéias importadas tenham sido “contaminadas” pelas idiossincrasias das tradições históricas, culturais, políticas e sociais locais, que teriam “adulterado” o currículo ao ser transmitido e usado pelos professores brasileiros. Concordo com o autor, penso que de fato não pode ter ocorrido meramente cópia, porém as práticas demonstram que alguma influência sempre foi transladada, não somente no caso do Brasil, mas nos demais países latino-americanos importadores das metodologias pedagógicas americanas.

Na década de setenta, surgiram no país organizações indigenistas não governamentais e a formação de movimentos indígenas, a Comissão Pró-Índio de São Paulo; o CEI – Centro

Ecumênico de Documentação e Informação, a ANAÍ – Associação Nacional de Apoio ao Índio e o CTI – Centro de Trabalho Indigenista ( FERREIRA [2000] 2001:72). Nesse período, também foram criadas duas organizações católicas, visando rever sua posição em relação à causa indígena, a OPAN – Operação Anchieta, contribuindo para articular o movimento indígena e auxiliando na política e prática indigenista, paralela à oficial, visando a defesa de territórios, a assistência à saúde e a educação escolar, organizando encontros, seminários, e produzindo material impresso.

E também surgiu o CIMI – Conselho Indigenista Missionário, organismo vinculado à CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que vem dando um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas. Criado em 1972, tem procurado favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo assembléias indígenas, onde se desenham os contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural. Igualmente no Estado de São Paulo, as universidades USP, UFRJ, UNICAMP e PUC-SP, desenvolveram assessorias especializadas.

Por iniciativa dos próprios povos indígenas, a partir da década de 80, lideranças e representantes se articulam na busca de soluções coletivas para seus problemas. Atualmente, o MEC tem equipe permanente de professores e assessores indígenas para as decisões que envolvem a educação intercultural, através do SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Em 20 de junho de 2005, o Ministério de Educação anunciou o recebimento de projetos para formação de professores e construção, ampliação e reforma de escolas indígenas. Sendo a contrapartida de estados e municípios, de 1%

FREIRE ([1997] 2000: 42) defendia a importância do exercício constante da “leitura do mundo”, ou a prática de verificar, encontrar razões, supor, denunciar realidades constatadas e anunciar soluções, como superação. Esse exercício, defendia ele, levaria o indivíduo a sair da ingenuidade, em direção à criticidade, viabilizando a ação política, a realização dos sonhos pelos quais se luta.

Foto 7 - Professora dá aula de desenho. Ao fundo, outra professora ensina língua portuguesa