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3.2 Entrevista

3.2.1 Categorias de análise das entrevistas

3.2.1.2 Professora 2: transcrição e análise da entrevista

Essa foi a professora mais direta entre todas as entrevistadas. Nos encontramos no próprio Colégio Estadual do Paraná18 (CEP), onde ela trabalha

também como coordenadora de línguas do CELEM19 (Centro de Línguas Estrangeiras

Modernas). Como nos encontramos na própria secretaria, fomos interrompidas várias vezes por alunos, ou possíveis alunos, que vinham tirar dúvidas. E por isso, talvez, ela tenha sido mais rápida e sucinta nas repostas.

Como nas demais entrevistas, primeiramente contextualizei a pesquisa, concentrada no livro didático e na mobilização da escola para a escolha dele. Perguntei, em linhas gerais, como se dava essa logística ali. O espanhol, segundo a entrevistada, é sempre meio deixado de lado, ele não é uma disciplina que eu vejo

que há muito comércio. Porque há um comércio muito grande envolvido atrás dos livros, né?! O interesse maior é a venda dos livros. E como o espanhol não tem em muitas escolas, a gente sempre tem que correr atrás desse material. Segundo a

docente, os próprios professores do colégio vão atrás da lista de livros aprovados, entram em contato com as editoras e elas trazem os livros até a escola.

É a partir dos livros que chegam às escolas – mesmo depois do contato direto com as editoras, acabam não recebendo todos os títulos aprovados –, que os professores escolhem os livros que utilizarão no trabalho em sala de aula. Essa escolha sempre depende do grupo de professores que está atuando naquele momento, segundo a entrevistada. E nem sempre há um consenso: Alguns

professores preferem os livros que são com menos conteúdo, porque são duas aulas semanais. Então você tem que chegar na sala, tem que se organizar, tem que fazer a chamada. Outros professores já preferem um livro com mais conteúdo, mas a gente sempre fica limitado naqueles livros que foram aprovados. E já aconteceu de a gente escolher um livro e chegar outro.

Pergunto então se, para fazer essa escolha, eles leem o Guia. A professora diz que não tem essa informação. Que isso não é passado aos professores. No

18 O CEP é um tradicional colégio público do Paraná, considerado o maior e o mais antigo do estado. Atende cerca

de 4700 estudantes.

19 Em agosto de 1986, em decorrência das mobilizações pelo retorno da pluralidade de oferta da língua

estrangeira nas escolas públicas, a Secretaria de Estado da Educação criou, oficialmente, os Centros de Línguas Estrangeiras Modernas (CELEM), como forma de valorizar o plurilinguismo e a diversidade étnica que marca a história paranaense.

entanto, quando pergunto onde, então, ela procura a lista dos livros aprovados, ela responde que é, sim, por meio do Guia. Segundo ela, eles não leem o Guia, apenas veem as coleções aprovadas e entram em contato diretamente com as editoras. Ela acrescenta que pessoalmente já fez esse pedido, e já ouviu a editora perguntar quantos alunos tem na escola e, depois de constatado que eram poucos, simplesmente desistir de entregar. Eu acredito que seja um prazo tão pequeno, que

ele tenha que visitar muitas escolas, que ele vai escolhendo pelo número de alunos, porque, claro, pra ele vai ser mais interessante.

Pergunto se esse número reduzido de alunos já é reflexo da revogação da Lei 11.161 e ela responde que há dois anos já vem sentindo uma procura reduzida pelo espanhol. Mas acredita que deva ainda decrescer: se já era pouco ofertado com a Lei,

imagina sem ela?

A professora entrevistada leciona espanhol há cerca de 20 anos, sempre em escola pública, e sua formação acadêmica é Letras-português/espanhol. Em 2017 ela conta ter tido uma experiência com escola particular, com alunos de contraturno. Contou que era bom por ser um número reduzido de alunos, mas ruim porque, como a disciplina não fazia parte da grade curricular da escola – era uma oferta “extra” –, não havia uma organização bem definida por parte da escola, uma vez que a disciplina não atribuía nota ao aluno. E, por isso também, havia falta de comprometimento do discente.

No CEP, ela conta não ter turmas menores do que 30 alunos. E diz gostar de dar aulas para turmas grandes e de Ensino Fundamental – que é o único segmento que ainda tem a possibilidade de cursar o espanhol nesta instituição. Salienta que seria melhor ter mais tempo para isso, mas mesmo com pouco tempo consegue ver resultados.

Sobre como os professores fazem a escolha do material que será usado em sala de aula, ela responde que todos os anos os professores atuantes participam. Eles levam as coleções para serem avaliadas em casa. Cada um tem uma visão. Alguns

professores, é isso que eu digo, algumas coleções têm muito texto, texto, texto, poucas figuras, pra pouco tempo; outros têm mais figuras, que aparentemente parece que é um livro que tem menos conteúdo, mas que se você analisar com pouco tempo, dependendo da faixa etária, chame mais atenção e o professor consiga desenvolver um trabalho a partir daquelas figuras, né?! Então, assim, depende muito do professor, nem sempre tem esse consenso.

Depois dessa análise pessoal dos professores, em uma reunião, cada um vota no que acredita ser melhor e, ao entrarem em um consenso, escolhem o livro. A professora diz, portanto, que o momento de discussão conjunta existe, mas, segundo ela: é muito corrido, né?! Os professores têm lá as três coleções, eles vão olhando e

dizem “ah, eu gostei mais desse por causa disso, disso e disso”; “eu gostei mais desse por causa disso e disso”, e escolhe qual das coleções. É feita uma votação e se uma ganhar, fechou. Se der empate, que já aconteceu uma vez, a saída naquele momento foi fazer um sorteio. Ela salientou, no entanto, que essa escolha por sorteio não é

comum.

Entre o recebimento das coleções para análise e a escolha, os professores têm cerca de duas semanas, segundo a entrevistada. Embora ela ache que ter um tempo maior para realizar essa escolha fosse interessante, considera que o maior problema é nem sempre ter acesso a todas as coleções disponíveis, já que isso depende do contato direto entre a escola e as editoras.

Quando perguntada sobre se chega a quantidade adequada para o número de alunos: veja, há dois anos que eu tô dando aula no fundamental, não vem os livros

para os alunos. Eu que corro atrás de outra escola que eu sei que tem espanhol. Esse aqui [aponta para uma pilha de livros em cima da mesa] acabou de chegar de outra escola, que a gente ligou e pediu que tava faltando. Até esse momento – a gente tá quase na metade do ano –, os alunos do 7oB e 7oA dividem o material.

Quando pergunto sobre como ela vê a cultura no ensino de espanhol, percebo que ela não entende exatamente o que queremos, e já emendo, então, uma conversa sobre alguns seriados de televisão, próximos à cultura jovem, que trazem a língua espanhola e a vivência, no caso, da Espanha, em oposição à hegemonia das produções norte-americanas. Ela, depois da minha explanação, responde: eu acho

que a influência do espanhol aumentou muito, e é isso que me frustra, porque, assim, aumentou, tem uma visibilidade muito maior através das músicas, através de seriados, do vestibular – muitas pessoas estão optando pelo espanhol –, mas isso não está se repercutindo nas escolas, né?!. Ela considera que a própria Universidade está inibindo

os alunos de escolherem o trabalho dessa língua como profissão, uma vez que estão transformando as licenciaturas duplas em simples. Ela conta que, antes, os alunos podiam escolher, como ela, cursar português e espanhol. Hoje, precisam optar por um. E por que escolheriam cursar espanhol, tão pouco reconhecido hoje?

Voltamos às perguntas previamente delimitadas, e quando pergunto sobre a importância da relação entre língua e cultura no ensino de espanhol, ela diz que tudo depende da faixa etária. Eu trabalho, ali, com sextos anos e a gente sempre traz a

festa, que é a festa mais conhecida, que é a festa do dia dos mortos, e através dessa festa, a gente vai trazendo os textos e vai mostrando onde acontece, quando que acontece, as diferenças culturais, então eu acho bastante interessante.

A docente lembra que viu, recentemente, um livro em que cada unidade partia de uma cultura diferente e diz ter achado bastante interessante. Mas tem dúvidas de que aquela coleção seria suficientemente “comercial”.

Sobre se ela acredita que os livros do PNLD contribuem para essa relação (língua e cultura), responde: é a opção que nós temos, então eu não posso dizer que

ela é negativa, porque já aconteceu de não termos nenhuma opção. Então, mesmo diminuindo as opções, ela existe ainda, né?! Ela passa através de um critério. Ela tem, ali, as definições, ou seja, não é de todo ruim não.

A entrevistada, assim, é bastante vaga para relacionar a questão da cultura nos livros que são aprovados no PNLD, limitando-se a dizer que a coleção passa por uma análise, segundo a qual há critérios bem definidos, e por isso não é de todo ruim. Acrescenta apresentando o fato de que, se os pais tivessem que comprar o livro em uma escola pública, seria bem pior.

Ela compara os livros da escola pública (de PNLD) com os da escola particular e afirma que, em termos de conteúdo, os do PNLD são melhores. Mas acredita que a quantidade de conteúdos proposta nesses livros é irreal: você não consegue passar

em tão pouco tempo. Então, o professor tem que ter tempo de carreira para conseguir fazer essa balança e dizer “puxa, isso eu vou trabalhar, isso eu não vou trabalhar”, isso eu vou explicar para o aluno que aquilo não está sendo trabalhado naquele momento, dar uma pincelada para que o aluno não pense também que esse livro não está sendo usado, porque de repente você começa a pular ali muitas páginas, e o aluno tem o entendimento de que aquilo ali não é importante. Então, eu ainda fico com os livros que têm menos conteúdo, aonde a gente consiga acrescentar... é uma faca de dois gumes, porque, assim, você pode acrescentar, mas aí você tem que pensar naqueles professores que acabaram de se formar e, de repente, não têm todo esse conhecimento... é complicado.

A entrevistada acredita que a função dela, como professora do ensino fundamental, é plantar uma sementinha, fazer com que o aluno perceba, tenha contato

com a língua espanhola, com que ele goste de alguns momentos e que lá no futuro, se ele achar interessante, que ele vá buscar, porque não dá pra imaginar que o aluno vá sair falando, vá sair com duas aulas semanais, com 30 alunos em sala, onde você tem que se preocupar com a chamada, com a organização, com todas as avaliações que têm que ser feitas, com todas as retomadas e recuperações, mas eu acho que é um momento bem importante, para que ele tenha acesso aquilo, né?! Pra que ele consiga ter o entendimento, saber que aquilo é uma nova língua. Ela diz ser

interessante ver como a mídia tem contribuído para essa divulgação do idioma e os alunos têm gostado.

A entrevistada acrescenta que sempre tenta trazer algo “de fora” para os alunos. Pergunto, então, como ela seleciona este material, se é pela nacionalidade, por exemplo, ou se tem a ver com atualidades. Ela responde que a motivação é o que está acontecendo no mundo, ou seja, as atualidades. Salienta, talvez prevendo a minha expectativa – como entrevistadora –, que o ideal seria trazer coisas de diferentes lugares, mas confessa que não trabalha assim.

Pergunto quais os principais referenciais de cultura, para o trabalho com a língua espanhola. Ela assume que não viajou, não conheceu outros países, não fez intercâmbio, então ela não tem influência de outros dialetos. O ponto de referência é a língua espanhola (da Espanha) mesmo, porque, segundo ela, a maioria dos livros apresentam essa variante, que foi onde aprendeu. Lembrou, ainda, de uma professora cubana, de quem teve muita informação relevante.

Quando pergunto se ela usava o livro didático como um guia para as atividades de sala de aula, a professora afirma que acha o material escolhido (Entre líneas) muito pesado. Eu uso os conteúdos que nós precisamos trabalhar, eu começo

através do livro. Então, a unidade “x” tem tal conteúdo, então eu digo “ó, a gente vai trabalhar esta unidade” e começo a trabalhar dali e sempre estou inserindo outras atividades que eu acho que são mais apropriadas para a faixa etária. Segundo a

professora, há muitos textos, e textos muito pesados para a quantidade de alunos e para o número de aulas. Ela folheia o livro e mostra que um único tema, como o vestuário, apresenta 6 textos. Então, eu escolho, porque se a gente fosse trabalhar

com a unidade inteira, conforme o livro traz, não passaria da unidade 4 ou 5. A gente tenta dividir o livro conforme as etapas. No caso do colégio em questão, que é

Ela afirma que é, sim, um componente bastante trabalhado, em resposta à pergunta sobre o trabalho da cultura no livro em questão. Reforça, ainda, que ele

trabalha a cultura de diversos lugares, mas não entra em detalhes sobre isso. Sinaliza

que é um bom livro, embora não tenha sido a escolha dela, que prefere os livros menos densos, porque assim pode trazer coisas mais interessantes para complementá-los.

A entrevistada diz que usa o livro, também, para as tarefas de casa, indicando, por exemplo, as atividades auditivas. Mas aqui, especificamente, se eu pedir pra eles

lerem um texto sozinhos, eles não vão dar conta. Entende?! Então essa é uma parte do livro que eu não gosto. Mesmo exercício simples do tipo, né?!, você tem um desenho ali e eu acho de difícil entendimento, sabe?! Você explica em sala, mas quando chega em casa, na hora de fazer, eles não são tão simples. Ou seja, mesmo

o trabalho com atividades consideradas simples por ela pode ser complicado para o aluno.

A maior parte da aula dela é dada em língua espanhola, mas salienta que usa o português em determinados momentos, principalmente para fazer as relações gramaticais/linguísticas: Por exemplo, para trabalhar o imperativo. Você fala na língua

espanhola, daí você fala na língua portuguesa; porque como o espanhol é minha segunda língua, foi assim que eu aprendi, foi uma maneira que eu consegui compreender, e eu acabo passando assim para os meus alunos.

A professora acredita que não há um livro perfeito. Sempre é preciso fazer um acréscimo, alguns ajustes. Diz que essa percepção de “livro perfeito” só existe quando se é jovem e inexperiente, com pouco conhecimento. O desafio, mesmo, é trabalhar com o material que é fornecido. Uma vez que, por exemplo, as fotocópias, que é algo que o professor poderia usar como “saída”, para um complemento do material, mas quando o professor ultrapassa a cota máxima de cópias, precisa arcar com os custos. Para ela, não é uma questão de escolha usar ou não o material. A entrevistada, no entanto, acredita que já houve um avanço, em termos de qualidade, no decorrer do PNLD.

Análise: A professora 2, como podemos ver na transcrição, pouco revelou sobre o seu entendimento a respeito do que seria cultura. Limitou-se a dizer que trabalha com a “festa do dia dos mortos”, o que, mais uma vez, remete à visão tradicional de cultura, que reduz o entendimento à uma língua = uma cultura, apresentando ideias

homogeneizantes a partir de aspectos estereotipados. Algumas vezes a pesquisadora precisou interferir para que a professora 2 não limitasse sua resposta a “sim” ou “não”. Isso talvez possa ter contaminado a interlocução da entrevistada. Por exemplo, diante da pergunta sobre a importância do trabalho com a cultura no ensino de língua estrangeira, em que a pesquisadora comenta, como uma possibilidade de ponto de partida para o professor, a referência a seriados de televisão do universo jovem, mais próximos dos alunos, assim como constatado na primeira entrevista, com a professora 1. Isso provoca um espelhamento na resposta da entrevistada. Algumas vezes ela retoma esse ponto durante a entrevista.

Nas perguntas que versavam sobre a escolha do livro, em nenhum momento o aspecto cultural foi citado. A professora reforçou a opção por um livro pela “quantidade de conteúdo”, que ela prefere que seja menor para que possa complementá-lo do jeito que achar melhor. No entanto, deixou claro que ultimamente a principal preocupação dela e dos demais professores é se vão ou não receber algum material. Quando recebe, a professora 2 apenas agradece e trabalha com o que foi disponibilizado.

Revelou trabalhar a partir do livro e tê-lo como guia, usa-o, assim, da maneira que Gatti (1995) definiu como “bengala”. Isso, porque diz não ter tempo hábil com apenas 2 aulas semanais e 30 alunos em sala. No entanto, sob a ideia de que o ensino de língua estrangeira é “plantar uma sementinha”, ela acredita ser tempo suficiente.

Por meio das explanações da professora, é possível inferir que o ensino de língua estrangeira é apenas o ensino de língua. A questão cultural é colocada, mas não de forma atrelada à língua, e sim de forma estanque, como “curiosidade”, como aspecto “exótico”, retomando a abordagem estrangeiro-cultural de Risager (1988). E se distanciando da ideia de interculturalidade, proposta por Bayram (1997), de desenvolvimento de uma consciência cultural crítica, estabelecendo comunicação de maneira a considerar o contexto de cada cultura e não apenas um conhecimento dos funcionamentos das estruturas da língua-alvo.

Embora essa professora lecione no ensino fundamental apenas, foi importante ver como as escolas que ainda fazem o esforço de oferecer o espanhol como língua estrangeira encontram dificuldade no recebimento do livro didático.